A ATMA no cenário do Ferreomodelismo Nacional

Esse texto não tem a pretensão de ser nenhum documento completo ou conclusivo sobre a participação da ATMA na história do Ferreomodelismo no Brasil. Trata-se de uma tentativa de organizar um pouco a miscelânea de informações a respeito dessa marca e tentar entender o porque do fim da produção dos seus modelos. O assunto também já foi largamente discutido em alguns números do extinto Centro Oeste (16, 17, 71 e outros), e certamente alguns colegas terão outras informações ou saberão de coisas que eu não sei a respeito desse assunto, como já deixaram entrever em reportagens publicadas em outros informativos. Devido ao meu interesse nesse assunto, eu teria muito prazer em receber essas informações em meu mail


A Pré história (antes de 1950).

Acreditamos que a história (ou melhor, pré história) da ATMA no Brasil em termos de trens elétricos inicia-se anteriormente a 1950, pois são dessa época algumas composições constituídas por uma máquina elétrica curtinha, de estilo "pitoresco", que lembrava muito de longe as "English Electric's", com rodagem 2-B-2 (foto). Era fundida em metal

A máquina acendia as luzes, operando no sistema de 3 trilhos e aparentemente, só foi fabricada nas duas versões de que temos conhecimento: vermelha com faixa amarela (cores da RFFSA) e uma Verde com faixa branca (cores da Sorocabana, na época). Os vagões, apesar de já serem bastante semelhantes aos futuros vagões da primeira fase da ATMA, ainda não tinham o mesmo grau de acabamento, ou seja, não estavam presentes os rebites (principalmente no tanque de combustíveis) e alguns detalhes de acabamento. Os truques e engates eram um caso à parte.Os truques constituíam-se de meras chapas de ferro que apenas lembravam a aparência de truques e os engates eram barras de metal com terminação em "L" e engate tipo alavanca (vide fotos).

Nesse momento, os vagões tinham a marca "MIRIM", não havendo qualquer menção à ATMA. É perceptível a diferença entre os vagões dessa fase e os mais recentes, apesar do estilo ser o mesmo. Os truques são meras chapas recortadas.Existem muito poucas notícias dessa época, e até alguma controvérsia se esses trens podem ser considerados como da realmente da ATMA.

O Surgimento da ATMA-MIRIM

Em algum momento dessa época (final dos anos 50), começamos a perceber que os brinquedos denominados MIRIM (entre os quais carrinhos de plástico, etc..) passam a desaparecer das lojas, e começa a surgir uma linha denominada "ATMA". O que temos hoje de conhecimento e de análise dos raros exemplares que nos chegam às mãos, é que o tipo de codificação dos produtos MIRIM (4 números) é o mesmo adotado na linha ATMA.

Ficaram então no ar algumas perguntas, como se por exemplo a MIRIM era uma divisão ou linha de produtos da ATMA, ou se a ATMA comprou a MIRIM e absorveu sua produção, se houve uma associação da ATMA e a MIRIM ou se a ATMA é a mesma MIRIM, tendo alterado apenas a razão social. Pelas evidências que conhecemos, possivelmente a primeira opção ou a segunda seriam as mais corretas.

O Início

Pelos poucos registros existentes, estima-se que, após o lançamento do trem acima descrito, a ATMA iniciou por volta de 1950 a produção de seus primeiros modelos "mais sérios" de trem elétrico no Brasil, com conjuntos compostos por locomotivas de duas frentes, também visualmente semelhantes às "English Electric" (máquinas elétricas de duas frentes que faziam sucesso na Estrada de Ferro Santos a Jundiaí), porém com truques B-B, contra os truques C-C com que eram equipadas as "Pimentinhas" (apelido carinhoso das English Electric's), sendo produzidas em CA (Corrente-Alternada, em sistema de 3 trilhos), fundidas em metal (Zamac).


Acompanhando as máquinas, a ATMA lançou composições de passageiros, com carros longos de primeira e segunda classe e bagageiro/correio (versões Cia Paulista e Central) e de carga, com vagões curtos, truques e topes (parachoques, batedores), de estilo europeu. Nessa época, ainda havia a denominação "ATMA-MIRIM" para esses produtos.

Nessa fase, haviam 3 pinturas para as máquinas: Vermelho e Amarelo da RFFSA (E. F. Santos a Jundiaí) Azul e Branco (Cia Paulista de Estradas de Ferro) e Azul, Vermelho e Branco, no padrão de pintura da americana "New Haven", sendo os grandes N e H existentes na pintura das máquinas dessa ferrovia substituídos, no modelo, pelas letras H e O, na mesma disposição (uma sobre a outra).

As máquinas rodavam (e ainda rodam, pois são praticamente indestrutíveis) muito bem e devido às características do motor e da alimentação por 3 trilhos, haviam 4 posições em que as máquinas podiam ser operadas: Andando com luz apagada, Andando com luzes acesas, Parada com luzes acesas e Parada com luzes apagadas.

Nessa época, os carros não refletiam com exatidão quase que nenhum protótipo nacional, sendo bastante pesados, com o estrado (uma simples plataforma de metal com bordas dobradas) sendo feito de metal. Nos vagões de carga, a rodagem era dificil, pois apesar de curtos, eram trucados, resultando num aspecto muito irreal, sendo que, no "início do início", se assim podemos passar a denominar os primeiros conjuntos fabricados, o truque dos vagões de carga era o mesmo das locomotivas e dos carros de passageiros, sendo posteriormente substituídos, nos vagões de carga, por truques mais adequados para vagões de carga. Os truques dos carros de passageiros permaneceriam os mesmos por toda a primeira fase da ATMA.

Com relação às locos, algumas das máquinas possuiam a marca da empresa ao invés da marca específica de alguma ferrovia e os vagões, em sua maioria, ostentavam em relevo na parte externa do corpo plástico, os dizeres MIRIM e às vezes "Ind. Bras." Ou "S. Paulo", se parecendo mais com um brinquedo que com um ferreo-modelo propriamente dito

A segunda fase:

Mais adiante, no final da década de 50 e início de 60, os vagões curtos passaram a ser moldados totalmente em plástico, passando a plataforma inclusive a ser bastante detalhada, sendo praticamente uma cópia fiel das plataformas da "Rivarossi" (Itália), havendo sido sendo efetuadas algumas modificações nos moldes, sendo as principais:

Nessa fase, alguns modelos já reproduziam inscrições e cores de ferrovias nacionais (principalmente Cia Paulista e Central do Brasil). Permaneceram os topes e percebe-se nitidamente em muitos deles, que o local onde ficava a impressão da palavra "MIRIM" foi "raspado" do molde.

Data dessa época o início da produção de trens no sistema de dois trilhos, com o aumento na sua produção, tanto em termos de modelos como na qualidade dos mesmos, que além de passar a ser injetados em plástico, o que permite melhor qualidade de acabamento, passaram a retratar nas pinturas protótipos de ferrovias nacionais, como a Cia Paulista, Central, Estrada de Ferro Araraquarense, Santos a Jundiaí e RFFSA.

A locomotiva de duas frentes, tipo "English Electric" , com o fim do sistema de 3 trilhos, foi substituída pelo modelo inspirado na americana F-7, nas versões Cia Paulista, Santos a Jundiaí e Central do Brasil. Essa última (Central do Brasil) teve máquinas fabricadas em em dois padrões de pintura: O prata com letras pretas, inexistente na ferrovia mas que ficava (e ainda fica) lindo com os vagões "Budd" da Frateschi e o famoso esquema azul com faixa creme, também inexistente nas máquinas da empresa.

Surgiram também as manobreiras tipo "Hustler", também nas versões Cia Paulista, Central e Santos a Jundiaí, sendo essas em dois tipos de acabamento: O tipo "SUPER", onde o truque motor da ATMA juntamente com o seu acabamento era parte do acabamento da máquina, e o "NORMAL", onde somente o motor ia dentro da carcaça, a qual reproduzia o sistema de truques. Na linha de vagões, foi lançada a linha de vagões "longos", principalmente os "BOX", cujo principal diferencial e "charme" residia em suas portas corrediças, a GÔNDOLA (que infelizmente não refletia nenhum protótipo nacional), a PRANCHA, o TANQUE Para combustíveis (versões 1, 2, 3 domos) e o TANQUE para transporte de Gás liquefeito.

Além desses modelos, a ATMA aproveitou a versatilidade da prancha para lançar algumas variantes, como a prancha para transporte de autos, a Prancha com guindaste (nas cores cinza e marrom) e Caboose e o Caboose de serviços, com bordas laterais, bem como o guindaste com bordas laterais. Enfim, eram todos variantes de um mesmo produto, onde inclusive a passarela das pranchas para transporte de autos eram feitas com as passarelas superiores dos vagões BOX.

São desse período as composições que retratam mais fielmente protótipos nacionais, inclusive nas pinturas e inscrições, as quais, por sí só quase valem por um capítulo, pois percebe-se que nessa fase houve ao menos uma certa preocupação da empresa com a pesquisa histórica e a qualidade do produto, sendo os vagões, máquinas e inscrições pintados com cores e numeração bastante aproximada do que se via pelas estradas de ferro da época e faziam bonitas composições. O próprio manual de instruções era muito bem acabado (para a época), sendo completo e apresentando toda sua linha de produtos.

Acreditamos que essa fase tenha representado o auge da ATMA em termos de trens elétricos, pois datam dessa época os primeiros vagões produzidos pela FRATESCHI, que coincidentemente, representavam ferrovias "afins" com a linha de máquinas da ATMA, sendo também o engate compatível.

A partir dessa fase porém, ocorreria a lenta desaceleração na produção de trens elétricos por parte da empresa, que durante o longo de sua produção usou vários métodos produtivos, fabricando modelos pintados ou injetados nas cores das ferrovias, inscrições pintadas ou aplicação de decais, vagões produzidos com decais da própria empresa, enfim, percebe-se que a produção passou por vários estágios de qualidade, e nem sempre o estágio seguinte foi melhor que o anterior.

Entretanto, foi nessa fase que, destoando fortemente da menor qualidade verificada nos truques da fase anterior, temos os vagões de carga com truques perfeitamente reproduzidos, inclusive com partes móveis e molas de verdade, que pretendiam reproduzir, em escala, os esforços de tensão que um truque sofre na movimentação do vagão na "vida real". Eram truques muito bem feitos, e até hoje há aficcionados que adquirem vagões usados da ATMA só para aproveitar os truques nos vagões Frateschi ou mesmo nos importados.

Exceptuando-se o flange das rodas, verdadeira "navalha" que penetra na menor falha de fechamento dos nossos desvios (AMV's), a rodagem é excelente, macia e de durabilidade maior que os conjuntos de truques da FRATESCHI, pois o eixo era feito de metal, como os produzidos inicialmente pela Frateschi também.

Os truques dos carros de passageiros também eram bem melhor elaborados, reproduzindo com fidelidade protótipos internacionais. Desconhecemos se reproduziam alguns que rodavam no País na época, embpora até hoje haja um obm mercado por esses produtos, que dificilmente "esquentam vitrina" nas lojas de São Paulo, principalmente a versão do carro de passageiros tipo "PULLMAN" da Cia Paulista, produzido com clerestório e pintado nas cores verde e cinza, com letras douradas.

A terceira fase:

Em meados da década de 70 e início de 80, parece haver uma tentativa de maior popularização do produto "TREM ELÉTRICO" para a ATMA. Aparentemente, problemas no fornecimento impediram o lançamento de novos produtos e a tentativa de redução nos custos visando essa popularização era visível, principalmente pelo fato dos vagões passarem a ser fornecidos virem com rodas de plástico rígido e cores que nada tinham a ver com os protótipos nacionais. Chegamos a registrar gôndolas na cor Azul Marinho Brilhante e as máquinas passaram a ser injetadas nas cores das ferrovias, sendo aplicados decais para a identificação das mesmas, sendo aos poucos substituidas pelos novos conjuntos de KIT TRENS.

Nesse período, aproveitando-se do incremento no fluxo de importações causado pelo "milagre" econômico, que causaram um aumento na importação de modelos americanos, a ATMA ainda lançou o Kit "Ferrovia do Oeste", composto por máquina a vapor e trens de passageiros curtos, e os trens da Santa fé, em composição de carga e Union Pacífic, em versão de trens de passageiros.

Ou seja, nessa fase a empresa aparentemente deixou de mirar somente no segmento "modelista" e passou a tentar atingir o segmento "brinquedo", voltando ao passado, fabricando modelos que nada tinham a ver com a realidade nacional ou com as "lembranças" ferroviárias para o seu público-alvo.. Entretanto, ressalte-se que mesmo com todos esses problemas, a ATMA foi a primeira fábrica nacional a lançar uma máquina a vapor, que aliás era muito simpática e rodava muito bem.

O fim da produção de trens

Porque a ATMA parou de fazer trens elétricos? Ninguem parece saber exatamente a razão exata, e nem a empresa informa, tendo dito, nas poucas vezes em que se pronunciou sobre o assunto, que os moldes estavam "irrecuperáveis", e não haveria como voltar a produzir. Ouvimos essa versão algumas vezes, mas também houveram, talvez, outros fatores.

A FRATESCHI, que durante quase uma década apenas produziu vagões e acessórios compativeis com os trens da ATMA, estava, na década de 80 iniciando a produção das suas primeiras máquinas, com "cara" de trens nacionais (FEPASA, RFFSA), sendo inclusive que os modelos eram mais fiéis ao que existia por aqui (G-8, G-12), uma vez que a F-7 nunca rodou por aqui (apesar de ser, inquestionavelmente, muito bonita).

O milagre econômico havia provocado a entrada de muito material estrangeiro aqui, prejudicando as vendas, pois um problema da ATMA sempre foi a falta de diversidade, tendo iniciado e findado sua produção com pouco mais de 20 modelos de vagões e 3 ou 4 modelos de máquinas;

Aparentemente, podemos pensar que não havia uma filosofia realmente voltada ao investimento em moldes novos, lançamentos mais adequados às ferrovias nacionais, renovação constante de produtos etc.., ou talvez, com o fim do milagre tenha ficado inviável para a fábrica investir em moldes novos, caso tenha chegado a pensar nisso. Moldes são peças caríssimas e que levam muito tempo para serem desenvolvidos. Além disso, havia o crescimento da concorrência e, se a empresa não havia garantido seu mercado e praticado uma política de novidades constantes que manteriam o mercado aquecido enquanto reinou sozinha no mercado com suas F-7's, com a concorrência nos seus calcanhares......

Entretanto, é necessário frisar que a ATMA ocupou uma posição de grande destaque no ferreomodelismo nacional, sendo poucos os atuais ferreomodelistas que não tiveram pelo menos um modelo dessa fábrica quando crianças. Além de tratar-se de uma das pioneiras nesse hobby no Brasil, até hoje, seus modelos encaixam-se como luvas para a modificação e transformação de modelos ou mesmo invenções. Já cansamos de ver "V-8's", "Russas" e "English Eléctric's" feitas a partir de duas "cascas" de F-7 invertidas, bem como seus vagões BOX, PRANCHAS e TANQUES frequentam as frotas de muitos ferreomodelistas. Em todas as pesquisas realizadas na época do Centro Oeste, a ATMA aparecia como marca forte (sempre entre as 3 primeiras), mesmo anos depois de seu desaparecimento.

Já presenciamos dezenas de invenções de equipamentos em cima dos Cabooses da ATMA e suas manobreiras já foram transformadas em dezenas de tipos de máquinas diferentes. Até hoje tem modelistas que juram que as máquinas de duas frentes saíram em CC e as F-7's em CA (o que não é verdade, diga-se de passagem). Sua cabine de sinalização é, ainda hoje, uma peça de grande charme e presença marcante em qualquer maquete. Seus motores, semelhantes aos da "Fleischmann", eram e ainda são ótimos para se fazer algumas adaptações ou para a construção de modelos próprios, devido à sua praticidade e facilidade de manejo.

E, prova maior da dedicação e carinho para com a marca, é o fato de que dificilmente se consegue arrancar de um ferreomodelista que já praticava o hobby naquela época algum dos seus modelos da ATMA. E até hoje modelos bem conservados não esquentam lugar nas vitrines das lojas no Rio e São Paulo.

Enfim, espero ter conseguido levar alguns esclarecimentos sobre a fase ATMA no nosso ferreomodelismo. Estou à disposição de qualquer colega para informações mais detalhadas sobre cada modelo de máquina ou vagão, uma vez que tais descrições, se efetuadas aqui tomariam muito espaço e correriam o risco de tornar enfadonho esse resumo.

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