ENCYCLOPÆDIA BRITANNICA OU O DICIONÁRIO DAS ARTES, CIÊNCIAS E LITERATURA GERAL
Oitava edição, com grandes melhoramentos, novas entradas, e numerosas gravuras
LITTLE, BROWN, AND CO., BOSTON, U.S.
MDCCLVI.

Volume XI


 

Cânhamo, uma fibra resistente fornecida maioritariamente pela planta anual denominada Cannabis sativa, da família das canabináceas. De qualquer modo, existem outras fibras naturais que no circuito comercial em que o termo lhe é mais ou menos aplicado. Por exemplo: a fibra de juta, que é também conhecida como cânhamo-de-calcutá, e é obtida a partir da Corchorus capsularis e da Corchorus olitorius; o cânhamo de Manilla proveniente da Musa textilis; o cânhamo castanho proveniente da Hibiscus canabinus; o cânhamo de pita produzido a partir de algumas espécies de agave, como a pita, a piteira e o sisal, e de aloé; o cânhamo solar, o cânhamo madras, o cânhamo castanho de Bombay ou o cânhamo de Malabar, provenientes da Crotalaria juncea; o cânhamo de Jubbulpore, proveniente da Crotalaria tenuifolia, e alguns outros.

O verdadeiro cânhamo (Cannabis sativa) tem sido reconhecido como uma planta útil desde muito cedo, se bem que provavelmente não seja tão antigo como o linho. Heródoto é o primeiro escritor a fazer-lhe menção (iv 74), mas fala dele de uma forma que dá a entender que era algo já muito bem conhecido, por exemplo descreve os trajes de cânhamo feitos pelos Trácios como sendo iguais em elegância e delicadeza aos produzidos em linho. O seu uso para a manufactura de cordame foi descrito pelo menos 200 anos a. C, por Moschion, que menciona um grande navio, o "syracusia", construído por Hiero II, foi aparelhado com cordas feitas com cânhamo originário do Ródano.

O pais de origem da planta do cânhamo não é positivamente conhecido, mas é geralmente aceite como verdade que a sua origem se situa nas zonas montanhosas no extremo norte da índia, donde se espalhou no em direcção ao oeste até à Europa, e no sentido sul por toda a península da índia. O seu cultivo em cada direcção teve, muito provavelmente, objectivos diferentes; já que se sabe que em condições de cultura tropicais produz uma poderosa droga intoxicante e uma fibra inferior, mas que em climas frios e temperados produz fibras fortes e abundantes perfeitamente adequadas às necessidades têxteis, perdendo as suas qualidades narcóticas. A similaridade do seu nome nas varias linguagens é uma forte indicação de que a sua expansão tomou o curso indicado; assim, em Sânscrito é chamada goni, sana, ou shanapu; Persa, canna; Árabe, kanneh ou kinnub; Grego, kannabis; Latim, cannabis; Italiano, canapa; França, chanvre ou chanbre; Dinamarquês, kamp ou kennep; Letão e Lituano, kannapes; Eslavo, konopi; Ersa (língua irlandesa primitiva pertencente ao grupo gaélico), canaib; escandinavo, hampr; Sueco, hampa, Alemão, hauf; Anglo-saxão hænep, e Inglês, hemp. Na Índia outros nomes também lhe são atribuídos, indicativos das suas características intoxicantes ou narcóticas; então, de acordo com o Dr. Royle, é chamado de, "potenciador do prazer", de "excitante do desejo", de "cimento da amizade", de "o causador do andar cambaleante", de "inspirador do riso", etc. ; o qual sugeriu que também deve ter sido o nepente ("atenuante da dor") referido por Homero, e dado por Helena a Telémaco.

As propriedades intoxicantes do cânhamo residem num peculiar extracto resinoso segregado naturalmente pela planta quando cresce num clima quente. Essa peculiaridade é tão pouco usual, que os botânicos até muito recentemente insistiram que o cânhamo da índia seria uma espécie distinta (C. Indica). De qualquer forma, é agora aceite que não existe na realidade qualquer diferença especifica, e que a diferença no comportamento reside apenas no clima.

A secreção é depositada por exudação na superfície das folhas, dos ramos finos, e nas flores. De Acordo com o Dr. O'Shaughnessy, é recolhida durante as estações quentes por homens vestidos de roupa de couro, que se movem com violência pelos campos de cânhamo; a resina adere às suas roupas, das quais é raspada e amassada em montes que têm a aparência, na cor e na textura, de bocados de massa de óleo de linhaça, e um odor peculiar e de modo algum agradável. Neste estado é chamado de "churrus" e existem evidentemente algumas variedades da substancia, visto que, o Dr. Pereira as descreve como sendo "em massas com o feitio e o formato de um ovo de galinha ou de um pequeno limão, formado pela adesão de pedaços alongados sobrepostos. Têm uma cor castanho acinzentada, e odor pouco intenso;" enquanto que uma das amostras da sua colecção difere em ser em grandes fragmentos disformes e de cor âmbar, com a textura vaga e esboradiça das massas de linhaça e um odor desagradável. Outra das amostras tem um brilho resinoso, uma cor castanho escura, e tem a aparência de uma forma oval alongada, mas não maior que meio ovo de galinha. Quase sem odor, será provavelmente momeea ou waxen churrus, que se diz ser recolhida manualmente com grande cuidado, e ser de preço muito alto. As plantas secas após terem florido e das quais o churrus não foi recolhido, são comprimidas em fardos de vinte e quatro plantas cada, e são vendidas nos bazares da India com o nome de gunjah. As folhas maiores e as capsulas, sem os talos, são também comprimidas em massas de tamanho irregular, que recebem na Índia os nomes de bang, subjee, ou sidhee. O haxixe dos Árabes consiste nas partes superiores das pequenas ramificações após a floração, recolhidas e secadas cuidadosamente. Quer esta preparação, quer as duas anteriormente referidas, são usadas exclusivamente para fumar e mascar -- a gunjah e o bang na Índia e na Pérsia, e o haxixe em África. Quando os bushmen da África do Sul foram trazidos para Inglaterra, eles passavam muito do seu tempo a fumar este narcótico em cachimbos feitos de longos dentes de crocodilo, escavados para o efeito. Diz-se que o seu uso como forma de intoxicação, deu origem à nossa palavra assassino, derivado do facto dos militares inferiores sarracenos, chamados hashashins, quando intoxicados com haxixe, serem enviados para os campos dos cruzados com o propósito de matarem qualquer pessoa que encontrassem, a droga conduzia-os completamente indiferente às consequências. Os efeitos psicológicos das várias preparações mencionadas acima são bastante notáveis, e são bastante diferentes de qualquer narcótico actualmente conhecido. Elas produzem uma embriagues e um delírio de um caracter decididamente hilariante, induzindo um riso violento, saltos e danças. O escritor testemunhou várias vezes os seus efeitos nos bushmen. Após a inalação do fumo, durante algum tempo eles levantam-se e começam uma dança bastante lenta, que gradualmente se acelera até que se torna perfeitamente frenética, e finalmente deixam-se cair num estado de completa insensibilidade, do qual levam um tempo considerável a recuperar. Dr. O'Shaughnessy relata alguns dos mais notáveis efeitos dos churrus, particularmente a sua capacidade para produzir um estado de verdadeira catalepsia. Os mesmos efeitos aparentemente não se verificam nos Europeus, mas este ponto não foi suficientemente testado, até porque a droga sofre uma mudança evidente devido ao seu transporte pelo mar.

Mas não é como um narcótico ou estimulante que a planta do cânhamo é mais útil ao género humano; é como uma impulsora em vez de retardadora da civilização, que a sua utilidade se torna mais evidente. O seu grande valor como matéria têxtil, particularmente para cordoaria e velames, tornou-a eminentemente útil; e se nós aqui copiássemos o estilo figurativo os escritores do Sânscrito, poderíamos com justiça chama-la de "acelerador do comércio", e de "disseminadora da saúde e do intelecto". Desde à séculos que o homem tem sido dependente da cordoaria e do velame de cânhamo para possibilitar que os seus navios atravessem os oceanos; e neste respeito ainda continua a ocupar um dos lugares mais importantes nas nossas actividades comerciais.

Para obter a sua valiosa fibra, o cânhamo é cultivado de forma muito abundante na Europa, mas principalmente na Rússia e na Polónia russa. É submetido ao mesmo processo para decompor as partes do tronco descrito no artigo sobre o linho, chamado maceração pela agua, pelo qual o tecido celular da casca e da medula é destruído, e as longas fibras da parte lenhosa são libertadas. Isto não é realizado pelo simples encharcar nas água de tanques ou ribeiros, para tal é requerido a sua secagem prévia e posterior ao processo de maceração; após o qual é batido com malhos ou macetes, ou por um aparelho chamado quebra ou travão (worked by a treddle) conduzido por um pedal. De qualquer forma, esta laboriosa operação é ás vezes efectuada ela energia da água ou do vapor. Alguns dos mais finos tipos de cânhamo são preparados mais cuidadosamente; a semente é semeada à mão de forma dispersa em vez de ser em sulcos mecanicamente, de modo que os troncos crescem mais delgados e as fibras mais finas; e após a maceração pela agua cada tronco é trabalhado manualmente, e a epiderme é descascada ou pelada, e a cana ou palha é então submetida ao processo de quebra mencionado antes. Em ambos os casos após a quebra os talos são transportados para os engenhos de espadelar, nos quais a separação das fibras é continuada a um nível mais elevado por fricção e batimento, para em seguida ser gramada ou cardada - o cardador retira a maior parte do que ele consegue reter e retirar através de numerosos espigões de ferro num quadro formando uma espécie de pente.

O processo chamado de maceração pelo relento. Descrito no artigo sobre o linho, é também adoptado nas variedades muito finas de cânhamo, tal como o coroa branca de Marienburg, e cânhamo de jardim italiano; e na Rússia e na Suécia é usado outro método chamado maceração pela neve. Após a primeira queda de neve o cânhamo que tinha sido empilhado é espalhado sobre a neve, e deixado ser enterrado pelos sucessivos nevões. Desta forma ele continua coberto até que a neve desapareça, estando então suficientemente macerado.

Nós temos recebido até agora a maior quantidade de cânhamo que recebemos vem da Rússia - sendo St Petersburgo, Memel, e Riga os principais pontos de embarque; mas a ultima guerra, que pôs fim aos abastecimentos vindos desta fonte, é provável que produza um resultado benéfico para as nossas colónias. O empenho infatigável do Dr. Royle como representante do governo Indiano conduziu-nos ao conhecimento de várias substancias fibrosas que são produzidas com grande abundância no nosso império Indiano, na manufactura de cordoaria e de telas; sendo então forçados a um conhecimento dos nossos próprios recursos, não é provável que no futuro nós venhamos a ser tão dependentes da Rússia nesta mercadoria tão necessária.

O melhor substituto aparenta ser a fibra de Caloee ou de Rami produzida por uma planta da família das urtigas (Urticaccae) Boehmeria nivea. A fibra de rami pode, assim se espera, ser produzida a um preço muito menor que o do cânhamo russo, e é praticamente duas vezes mais forte. Até agora o cânhamo tem tido uma grande vantagem sobre todas as outras fibras na manufactura de cordoaria e ainda está por se conhecer se a fibra de rami tem esta qualificação. Quando uma corda de cânhamo está estragada pelo uso, se não tiver sido alcatroada, é valiosa para fazer papel; e tiver sido alcatroada, é ainda mais útil como estopa. Isto não será certamente o caso das cordas finas de cânhamo de Manilla (Musa textilis), as quais, apesar de serem mais fortes do que as do melhor cânhamo russo, são praticamente inúteis quando estragadas pelo uso. O mesmo pode ser dito das admiráveis cordas de fibra de coco actualmente amplamente usadas nas espias dos navios e noutra cordoaria exposta à água. Estas cordas são feitas de fibras da casca dos cocos comuns.

A fibra chamada de linho da Nova Zelândia, que é produzido a partir das longas folhas com forma de espada da Phormium tenax, uma planta das lilíáceas, tem sido muito recomendada ultimamente; mas em resultado da sua dificuldade de preparação, ou do fornecimento inadequado, ainda não se tornou uma mercadoria de comercio regular. A epiderme das suas folhas é mais compacta e rija do que a dos talos das plantas previamente mencionadas, e isto pode causar grandes dificuldades quer na maceração quer a espadelar.

Importamos cânhamo da Rússia. Itália, Holanda, Turquia, Índias orientais, e ultimamente dos Estados Unidos. Porem, o proveniente da América é de qualidade inferior e de uma cor um pouco escura. O cânhamo das Índias Orientais é grosseiro, e apresenta-se em pequenos novelos entrançados da grossura do braço de um homem. O cânhamo italiano é muito fino, a variedade chamada de cânhamo de jardim é a mais longa de todas as variedades; supõe-se que a sua superioridade resulta de um cultivo manual em solo bastante adequado. É também tão branco e macio quanto o mais fino dos russos brancos.

Dos tipos russos, o St. Petersburgo limpo e o Riga limpo são os melhores para as propósitos gerais. A variedade chamada Marienburg real é notavelmente pequeno, branco e macio; serve apenas para lonas de excelente qualidade.

A quantidade de cânhamo importado para o Reino Unido foi, em toneladas:

        Ano    Da Rússia   De outros        
                           países           

        1851   33,229      31,441           

        1852   26,857      26,551           

        1853   40,320      20,619           

        1854   1,044       35,927           

        1855   0           28,010           




O preço do cânhamo russo tem, nos últimos cinco anos, oscilado entre as 38 £ e os 90 £ por tonelada, o preço máximo foi causado pela guerra. Quantidades razoáveis são também cultivadas na Inglaterra e Irlanda .

Dos valores dados aqueles que se reportam à Rússia podemos depender deles, mas em relação aqueles que se referem às importações de outros países não são de modo algum satisfatórios; devido à forma desleixada com estatísticas comerciais são coligidas pelo governo, todos os artigos que apresentam o nome comercial de cânhamo são incluídos, como por exemplo o cânhamo de Manilla e muito frequentemente juta.

Existe ainda outra qualidade útil na planta de cânhamo; ela produz abundantes sementes, que não só produzem um valioso óleo, mas que também são utilizadas regularmente na alimentação de aves canoras. Como o cânhamo é diaecious, apenas metade das plantas produzem sementes; mas estas fornecem-nas em tal abundância que um acre produz três ou quatro quartas a 40s por quarta. Como isto é independente da fibra produzida é uma cultura rentável em países como a Rússia nos quais a terra não é muito valiosa.

Para mais informação acerca do assunto consulte, do Dr. Royle's, Illustrations of the Botany of the Himalayan Mountains, e Fibrous Plants of India; do Dr. O'Shaughnessy Preparation of the Indian Hemp or Gunjah; e o trabalho erudito, Textrinum Antiquorum, por James Yates, Esq., M.A. (T.C.A.)


Texto do dominio publico


 

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