Imagem de cocaina (pseudo) em pó

Cocaína


A cocaína, C17H21NO4, um pó branco cristalino e insolúvel na água, é o alcalóide activo que é extraído das folhas de Erythroxylon Coca, a qual contém entre 0,5% a 1% de cocaína.

Configuração quimica da cocaína

História

A Erythroxylon Coca tem origem na América do Sul, nas regiões altas dos andes, onde as suas folhas são mascadas desde tempos imemoriais. A palavra "coca" tem origem nos índios bolivianos Aymara, os quais foram conquistados pelos Incas no sec. X, e significa "planta".

Ilustração, erythroxylon coca

Sobre o domínio dos Incas adquiriu uma importância religiosa sendo usado nos ritos religiosos e nas profecias, nas cerimónias de casamento, funerais, e nas iniciações rituais dos jovens nobres ("haruaca"). Este significado religioso garantiu que a sua utilização entre a população fosse extremamente restrito. A elite Inca controlava a produção nas plantações estatais e apenas era autorizada a sua utilização nos rituais ou como uma oferta real muito especial.

Quando o império Inca foi conquistado pelos espanhóis, foi, se assim poderemos dizer, legalizado o seu uso a toda a população, em resultado de um edicto de Filipe II. As normas culturais que regulavam a sua utilização desapareceram e a droga que satisfazia a fome tornou-se num substituto para a comida. De tal forma que um administrador espanhol fez notar que: " se não existi-se cá coca, então não existiria nenhum Peru".

A planta da coca foi descrita pela primeira vez em 1580 por Monardes, mas a cocaína manteve-se confiada à América do Sul durante muito tempo.

A planta não cresce na Europa, e as folhas perdem a sua eficácia durante a longa viagem. O botânico Joseph Tussie enviou as primeira plantas para a Europa em 1750.

Tendo a coca sido elogiada, pelos viajantes, nas revistas devido aos seus efeitos estimulantes e à sua efectividade na luta contra as dificuldades respiratórias a grande altitude.

Entre 1844 e 1953, Wohler e Niemann conseguiram isolar a cocaína. No inicio, Aschenbrant, um médico militar Baviero usou-a num regimento alpino como medicamento para a astenia e diarreia. A esta situação seguiram-se as publicações de Mantegazza's sobre as suas propriedades fantásticas. (Nota 50)

Este foi o tempo em que se tornou popular o "Vin Mariani", um vinho que continha cerca de 6 mg de cocaína por onça, foi patenteado por Angelo Mariani, e era usado contra indisposições; foi também abundantemente consumido com propósitos não medicinais (entre outros, o Papa Leo XVII e o Rei William III consumiam abundantemente). Outro exemplo do seu uso não medicinal será o da Coca-Cola, criada em 1886 por Pemberton.

Várias pessoas famosas fizeram uso da cocaína, entre elas constam por exemplo Sir Arthur Conan Doyle, Alexandre Dumas, Júlio Verne, Thomas Edison e R. L. Stevenson; provavelmente terá sido sobre a influencia da cocaína que Stevenson escreveu Jekyll e Hyde em apenas três dias.

Em 1878, nos Estados Unidos, W.H Bentley começou a elogiar a cocaína como um antídoto para o vicio do ópio, da morfina e do álcool. Em 1884, Freud publicou o seu livro com o titulo "uber koka". (Nota 51) Ele utilizou-a contra a depressão e contra o vicio na morfina. Um dos seus estudantes, Koller, introduziu-a no mesmo ano como um anestésico local. A Parke Davis vendeu cocaína nos cigarros, na forma de bebida alcoólica ("Coca Cordial"), em spray e em pastilhas, e ainda como um fluido injectável.

Os primeiros sinais da queda no entusiasmo começaram a aparecer entre 1885 e 1890: mais de 400 relatos de perturbações físicas e psíquicas surgiram na literatura médica antes de 1890. A maior parte deles eram sobre os efeitos verificados entre as pessoas a quem tinha sido administrada cocaína como antídoto para a morfinomania. Muitos deles combinavam morfina com a cocaína, e em resultado as duas drogas tenderam cada vez mais a serem confundidas uma com a outra, e apesar do facto das duas substancias terem efeitos completamente diferentes, elas foram tratadas como iguais na regulamentação empreendida internacionalmente.

O uso da cocaína, particularmente pela inalação, sniffada, (uma forma de consumo que se tornou moda em 1980), reteve a sua popularidade num sector da sociedade que abrange a alta sociedade, os boémios e a classe baixa média, mas que nos Estados Unidos virtualmente desapareceu, em conexão com a destruição da patente medicinal das substancias contendo ópio, em resultado da lei das Drogas e Alimentos Puros (Pure Food and Drug Act) de 1904, e da Lei Harrison sobre Narcóticos (Harrison Narcotic Act) de 1914. Em 1903 a cocaína foi removida da Coca-Cola. (Notas 52, 53) A introdução de Novocaina também levou à redução do seu uso como anestésico local.

Os acontecimentos seguiram um curso diferente na Europa, onde continuou a ser legal apenas para fins medicinais (sobre os quais muito mais pode ser referido) até à Primeira Grande Guerra. Foi ilegalizada após a já referia Guerra Mundial, mas continuou a ser amplamente utilizada como medicamento até ter sido substituída no final dos anos 30 pelas anfetaminas. Até ao inicio dos anos 70, o consumo de cocaína não extravasou um circulo limitado de pessoas.

Em Portugal, a cocaína que também é vulgarmente designada por coca, branca ou neve, apareceu no mercado negro nos anos 80, e no inicio foi uma droga só de "ricos". Entretanto o seu uso banalizou-se e é ilicitamente vendida às quartas, meias e gramas, não na sua forma pura, mas adulterada de modo a aumentar o volume ou potenciar os efeitos da mistura, com lactose, e com medicamentos anestésicos como a procaína, a lidocaína e a benzocaína, estimulantes, como as anfetaminas e a cafeína, e ainda outras substancias.

De qualquer modo, o numero de consumidores cresceu gradualmente, acelerando-se na primeira metade dos anos 1980. Situação para a qual contribuiu parcialmente a repressão que foi efectuada sobre as anfetaminas, mas foi acima de tudo devido a uma intervenção da CIA na exportação Colombiana de cocaína. (Nota 54)

Enquanto o consumo de heroina ficou principalmente confinado para o contexto característico dos dependentes, junkies, a cocaína é consumida numa escala maior. Se bem que fosse inicialmente a droga de eleição dos grupos lideres, (publicidade, moda, e o jet set), o seu consumo foi adoptado por pessoas de outros níveis da sociedade. A característica mais notável é a distribuição relativamente alta do consumo de cocaína entre os não desviantes: pessoas que por outro lado conduzem uma vida normal e que não são diferentes dos seus vizinhos.

O numero de pessoas que pedem auxilio relacionado especificamente com problemas relacionados com a cocaína é bastante baixo. O seu consumo entre os junkies foi um fenómeno dos anos 80. Em larga medida a cocaína tomou o lugar das anfetaminas.

Nos Estados Unidos nos anos 80, um novo método de consumo transformou-se em moda: fumar a cocaína sobre a forma de base livre ou crack, o que contudo não era propriamente novo, já que os cigarros e cigarrilhas com cocaína foram usados medicinalmente no virar do século.

A cocaína é utilizada na América do sul numa forma diferente: o primeiro produto extraído, é produzido pela adição de enxofre e querosene as folhas de coca maceradas, após a sua extracção e secagem, esta mistura é neutralizada com lexivia. O resultado deste processo é a pasta de coca, conhecida como "basuko" na América do Sul. A concentração de cocaína pode ascender aos 90%. Esta pasta é fumada. (Nota 55)

Efeitos

A cocaína actua pela ampliação e fortalecimento da actividade da noradrenalina e dopamina, neurotransmissores, através da inibição da sua recaptação. Deste modo o efeito assemelha-se ao provocado pela anfetamina, se bem que os efeitos periféricos sejam mais suaves, não cria tolerância e os seus efeitos manifestam-se num período de tempo mais curto (uma hora no máximo).

Em principio, e com excepção das situações em que se verifica a existência de um grande abuso prolongado no tempo, a cocaína não produz dependência física, contudo os indivíduos com pouca auto estima podem desenvolver uma forte dependência psicológica, expressa principalmente num incremento na frequência do consumo.

Se bem que a cocaína é frequentemente retractada como altamente viciante, algumas experiências mostram que muitos dos consumidores podem consumir cocaína sem que ocorram problemas sérios de exclusão social. Para além da pesquisa sistemática, (Notas 56, 57, 58) existem numerosos relatos anedóticos que indiciam que o simples consumo de cocaína não cria necessariamente problemas. (Nota 59)

A cocaína também inibe a recaptação da serotonina, e por esse meio contraria o efeito da dopamina. O cocaetileno, é formado no fígado quando são ingeridos simultaneamente álcool e cocaína, (como acontece frequentemente) não tem influencia na serotonina, pelo que o efeito da cocaína é ampliado. (Nota 60)

O vício da cocaína é algumas vezes tratado com 2,5 mg/kg de desipramina, um antidepressivo. A dose é mais reduzida se também estiver a ser administrada metadona, e conexão com a redução metabólica através da hidroxilização. (Nota 61)

Crack

A cocaína é vendida no mercado negro sobre a forma de sal hidroclorídrico: cocaína-HCl. Esta forma é bastante estável, (um ponto de fusão de 195º C). mas quando é aquecida decompõe-se em produtos que não tem efeitos farmacológicos. Pelo que esta forma de cocaína não se presta a ser fumada.

Para transformar a cocaína numa substancia passiva de ser fumada, esta tem de ser aquecida misturada com uma base. O que é feito utilizando quer NaHOC3, vulgarmente conhecido como bicarbonato de sódio, ou NH4OH, conhecido como amoníaco.

É produzida a seguinte reacção: Cocaína-H-Cl + NaHCO3 --- CO2 + NaCl + Cocaína-H-OH, em linguagem comum, é libertado dióxido de carbono, e é formado um sal comum. Se for utilizado amoníaco, é formado um sal de amónia o NH4Cl. Os átomos restantes de O e H combinam-se com a cocaína-H para formar cocaína-H-OH.

Esta substancia é cocaína em forma de base (substancias que reagindo com um acido em solução aquosa formam um sal e água) e é daqui que provem o nome de base ou base livre ("freebase") pelo qual é conhecida. Esta mistura é conhecida como crack (*) devido à presença de resíduos de bicarbonato de sódio que fazem um barulho crepitante quando são aquecidos. Esta forma de cocaína tem um ponto de fusão de 98ºC, o que a torna passível de ser fumada.

Como o efeito da substancia é geralmente mais dependente na velocidade com que aumenta a sua concentração no sangue do que propriamente do nível da concentração, a sua ingestão pelo fumo tem um efeito maior. Quando inalada pelas narinas, "snifada", a substancia tem primeiro de penetrar a relativamente grossa membrana mucosa no nariz, progredir no sangue até ao coração, e passar do coração para os pulmões, antes de ser transportada para o cérebro, o que resulta numa diluição considerável. Quando é fumada, a cocaína, penetra rapidamente pelos tecidos pulmonares extremamente finos, que foi desenvolvido para permitir a passagem de gases através dele, vai ao coração e dai vai directamente para cérebro. Em resultado existe uma subida muito mais rápida na concentração de cocaína do que a que se verifica pela inalação nasal. A intensificação dos efeitos produzidos parecem ser quase de a manifestação de efeito diferente do da cocaína inalada pelo nariz, mas de facto a diferença é apenas no grau.

Nos Estados Unidos onde a qualidade da cocaína no mercado negro é baixa devido às muitas adulterações a que é sujeita e onde o seu preço é alto, é mais vantajoso para os viciados ingerirem cocaína sobre esta forma.

Na Holanda a situação não é a mesma, não existe no mercado negro crack pré preparado para consumo, a cocaína é de melhor qualidade e mais barata, pelo que não esta forma de cocaína não é tão atraente. Se bem que não seja problemático no geral, o que existe é a preparação e consumo individual de crack.

As análises ao sangue e à urina assim como os outros testes apenas revelam a presença de cocaína mas não a forma como foi feita a sua ingestão. A cocaína em forma de base tem estado disponível no mercado negro norte americano desde os anos 70, mas o crack apenas apareceu em cena em Los Angeles e New York em 1985. Na europa, foi assinalado pela primeira vez em Inglaterra em 1987.

Se bem que o crack tem sido retratado como "viciador instantâneo" pela histeria da drogas norte americana, esta ideia não se encontra substanciada em nenhuma pesquisa (Nota 62, 63)

Cocaína e a gravidez

Desde os primeiros relatórios (Notas 64, 65) sobre os possíveis efeitos negativos do consumo de cocaína, efectuado pela mãe, sobre o feto e na gravidez, surgiu um fluxo impressionante de publicações sobre os progressos na gestação e dos recém nascidos.

Muitos deles foram trabalho de Chasnoff, (Notas 66 - 72) que chefiou um programa especial para as mulheres viciadas localizado em Chicago. Os seus dados são deste modo baseado num pequeno grupo de pesquisa. Ele atribuiu toda a espécie de complicações surgidas durante a gestação ao uso de cocaína pela mãe. Contudo a maioria deles são histórias de casos sugestivos, um tipo de publicação que atrai bastantes atenções mas que tem pouco valor cientifico.

Num largo numero de outros estudos, não é feita distinção entre o consumo de cocaína e de outras drogas, e, ou não foram utilizados grupos de controlo. A ideia popular, conforme demonstrado por Koren (Nota 73), é de que a cocaína e o crack são drogas diabólicas que conduzem a danos a todos os níveis.

Estudos recentes (Notas 74, 75) reduziram os sugeridos efeitos negativos à inibição do crescimento fetal, o que provavelmente nem é só devido à cocaína mas sem ao estilo de vida e condição social das mulheres investigadas. Consequentemente, isto pode servir como indicador de que se deve ser bastante cautelosos na avaliação da literatura existente sobre as influencias negativas das drogas ilegais.


Foram efectuadas as seguintes alterações em relação ao original traduzido:


Tradução do texto disponível no Drugtext website.

Publicado com o consentimento da DrugText.

Julho de 1997

mailto

ser@mail.telepac.pt


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