Psicologia é a ciência que estuda e explica
o comportamento humano. Existem quatro abordagens, escolas ou
conceituações básicas para este estudo.
A abordagem psicanalítica (Freud, M. Klein, H. Sullivan,
Lacan, etc) entende o comportamento humano como a resultante
de um processo de motivação inconsciente; o comportamento
é visto, basicamente, como uma expressão projetiva
do Ego, Id e Superego. Para os behavioristas (Watson, C. Hull,
Skinner) o comportamento é resultante do condicionamento
de reflexos inatos; para os funcionalistas (Piaget, W. James,
Dilthey) o comportamento é sinônimo de adaptação,
é a expressão da interação entre
organismo e meio. Os gestaltistas clássicos, a gestalt
psychology (Koffka, Koehler, Wertheimer) entendem o comportamento
como processo perceptivo.
A corrente psicanalista, desde a sua fundação (Freud),
preocupou-se com os aspectos terapêuticos, com o tratamento
das neuroses, das fobias; os behavioristas e os funcionalistas
construiram uma teoria para explicar o comportamento humano,
tanto quanto técnicas para modificá-lo, terapeutizá-lo,
via social, via educacional.
Os gestaltistas explicaram o comportamento humano como sendo
a resultante de processos perceptivos. A preocupação
dos gestaltistas era perceber, configurar a dimensão humana;
não podiam terapeutizar o que ainda não era globalmente
percebido. A tarefa principal consistia em erradicar a visão
elementarista e organicista reinante na conceituação
psicológica. Não foi criada uma psicoterapia gestaltista.
Nos anos 60, surge F. Perls como criador da gestalt therapy.
Ele falava que o todo não é a soma das partes (conceito
da gestalt psychology) mas, preso à idéia, à
crença na existência do inconsciente não
conseguia admitir o conhecimento como um dado relacional, perceptivo,
continuava achando que o conhecimento era o resultado de um processo
interno, subjetivo. Ele não entendia o comportamento como
processo perceptivo, entendia comportamento como expressão
das motivações inconscientes. Este dualismo conceptual
o impediu de perceber o ser-no-mundo, esta gestalt; pensando
ainda como Freud, em ser versus mundo, exilou-se de qualquer
contexto gestáltico, onde a unidade é um conceito
fundamental. Lutando por "perca sua mente, ganhe seus sentidos"
escreveu seu manifesto dualista.
Em 1968, me formei em Psicologia pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro, e iniciei meu trabalho em psicoterapia, criando
a psicoterapia gestaltista.
Em 1972, ao escrever Psicoterapia Gestaltista - Conceituações,
dizia:
"Este livro resulta de uma visão global unitária
do fenômeno humano. Neste sentido ele se insere e se fundamenta
no gestaltismo como teoria a respeito do comportamento humano,
na fenomenologia e no materialismo dialético (que não
deve ser confundido com o marxismo, como ideologia), enquanto
abordagem metodológica. Esta visão global e unitária
ultrapassa os seus constituintes fundamentantes - o gestaltismo,
a fenomenologia, o materialismo dialético -, à
medida que os sincroniza em suas unicidades mediadoras totalizantes.
"Atingimos essa sincronização partindo de
uma atitude fenomenológica - conhecer o fenômeno,
no caso o homem, sem a priori, através de sua evidência,
pela apreensão de sua essência. Este ponto de partida
nos explicitou, revelou um todo - o homem-no-mundo. A percepção
disto nos remeteu a questionamentos de como se percebe, do que
é percebido ou não, enfim, das leis da percepção,
de seu significado e organização, intrínsecos
ao processo do estar-no-mundo, contextuado no tempo e no espaço.
Fundamentamo-nos na teoria gestaltista acerca do comportamento
humano e no materialismo dialético, desde que ao surgir
o homem, o todo, uma figura, insinuou-se o seu contexto, fundo,
o mundo. Por closura - um dos aspectos que caracteriza a organização
perceptiva -, percebemos a dimensão tempo, o espaço,
o situante, a realidade, a matéria, o movimento, continuidade
que caracteriza os processos cósmicos, existenciais. Deu-se
a sincronização, já que não unilateralizamos
a percepção do fenômeno processual a suas
mediações, configurações ou essências,
mas sim apreendemos sua mediação configurativa
essencial; daí o fato de, neste livro, ser estudado o
homem como um todo, questionando e respondendo sobre sua gênese,
seus movimentos de constituinte e constituído. Este aspecto
adquire importância à medida que, nas posições
pragmáticas, dualistas, estruturalistas, marxistas, religiosas,
sociológicas, antropológicas, físicas, etc.,
não é feito um questionamento sobre o que é
o homem, embora dele se fale e se apresentem soluções
para a sua problemática, principalmente nas diversas visões
terapêuticas unilateralmente fundamentadas, onde se procuram
e justificam tais soluções sem os dados do problema.
Tal absurdo só ocorre porque é feito através
de preconceituações, preconceitos, e nunca de conceituações.
Neste livro procura-se conceituar o homem em seu contexto-temporalidade
vivencial - levando em conta as estruturações e
desestruturações daí decorrentes, salientando
aspectos dogmáticos impeditivos destas realizações
e apreensões." [pags. 15 / 16]
Em 1993, ao escrever Terra e Ouro são Iguais - Percepção
em Psicoterapia Gestaltista, dizia:
"Ser psicoterapeuta é uma forma de ser no mundo com
o outro. Não acredito que exista uma função
psicoterápica, não vejo os processos relacionais
em função de resultados, embora saiba que a profissão
que exerço tem uma estrutura sócio-econômica
bem delineada, funcionalmente especificada. Para mim, o que caracteriza
o psicoterapeuta é a maneira como ele percebe, o que ele
expressa - fala e comunica - como ele se estrutura, quais seus
posicionamentos.
Sempre tive um enfoque teórico, conceitual, por achar
que só a partir daí posso perceber globalmente
o outro que está comigo enquanto "cliente".
É esse enfoque teórico que me permite perceber
o outro não como meu semelhante, pregnantemente, mas como
uma queixa, uma dificuldade, uma mágoa, uma incapacidade,
uma possibilidade não realizada, contingenciada, limitada
por necessidades, um posicionado diante de mim.
Minha vivência psicoterápica tem sido um constante
questionamento no sentido de não cegar a minha ferramenta
de trabalho, eternizando um posicionamento teórico. Quando
criei os conceitos responsáveis pela estruturação
da psicoterapia gestaltista, além de achar que a neurose
era fundamentalmente não aceitação, conceituava
percepção como conhecer pelos sentidos, seguindo
a fundamentação gestaltista, antidualista e não
apoiada na hipótese do inconsciente. Nesse contexto, eu
acreditava que, através da atitude de aceitação,
realizaria a antítese necessária à mudança.
Em 1978, em meu livro Mudança e psicoterapia gestaltista,
procurava entender e explicar por que isso ocorria: "...
na psicoterapia pode haver mudança como ajuste ou como
transformação; (...) a psicoterapia pode ser um
posicionamento, (...) a vontade do cliente de mudar, de fazer
psicoterapia, é, às vezes, a procura de um local
para esconder, guardar, criar ou acalentar seus problemas, O
psicoterapeuta só tem sentido de existir como propiciador
de antíteses, de mudanças; caso ele se posicione,
estabilize-se, defina-se como portador de verdades, teorizador
de realidades, e representante/defensor de ordens constituidas,
sejam quais forem, mesmo as mais revolucionárias, ele
se nega como psicoterapeuta, virando autoridade, determinante
de melhor bem-estar, ajuste, nunca de transformação,
sincronização existencial".
Mais tarde percebi que conhecer pelos sentidos, percepção,
era relação. Essa globalização de
processos me fez enfatizar o questionamento como alavanca propiciadora
de mudança, pois neurose basicamente era distorção
perceptiva, daí o questionamento, a denúncia possibilitarem
outras percepções responsáveis por mudanças.
Mudando a percepção, muda-se o comportamento, era
o conceito dominante.
Hoje, 24 anos depois do início de meu trabalho de conceituações
em psicoterapia gestaltista, sei que neurose é não
aceitação e distorção perceptiva,
que perceber é conhecer pelos sentidos, que tal relação
é a percepção. Mas percebo também
que percepção é vivência, que neurose
é posicionamento. Daí minha atitude psicoterápica
de antítese basicamente se caracterizar pela quebra de
posicionamentos - é o que expresso neste livro, quando
abordo as clássicas dualidades configurativas do humano,
mostrando que são posições unilateralizantes,
parcializantes da apreensão do humano: sujeito-objeto,
quantidade-qualidade, por exemplo.
Como psicoterapeuta, apesar de meu posicionamento teórico,
sinto-me contemplativa quando me fusiono com o problema do outro
a fim de globalizá-lo. Só encontramos a solução
se nos dedicarmos ao problema, se nele mergulharmos. Buscar soluções
fora do contexto de estruturação do problema é
jamais encontrá-las. Esse tipo de solução
é o jeitinho adaptador, via de regra conseguido através
de interpretações e controle de comportamento.
O psicoterapeuta sequer pode querer que o indivíduo melhore,
o que ele quer é fazer com que o indivíduo perceba
por que está assim: medroso, confuso, sem se aceitar,
dividido, neurótico enfim."[pag.127,128,129]
- Vera Felicidade -
agosto de 1996
updated 2002
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