GLENDA EVERÉSTIA

Glenda Everéstia De Uma Eternidade Comprometida era calma e comedida. Morava ela no topo mais alto da mais alta montanha do mundo, de onde vislumbrava cidades, belíssimas paisagens, vales e gaivotas que voavam em acrobacias dignas da esquadrilha da fumaça. Todas as manhãs ela acordava cedo e caminhava até a borda do penhasco. De lá jogava pequeninas coisas rumo ao vento, como partes de carros, garrafas e talheres. Isso já havia se tornado um hábito na vida da bela Glenda, como se assim esvaziasse o seu interior e se livrasse dos pensamentos malditos, aqueles que povoavam as cabeças dos que moravam lá em baixo. Achava que, livrando-se do peso dos bens materiais, tornaria-se mais leve, como forma de elevar-se aos céus. E todas as manhãs, como que seguindo um ritual, ela dirigia-se ao extremo da montanha e jogava um objeto de lá.
    Mas veio o dia em que todos os objetos pequeninos de sua casa haviam sido jogados fora. Resolveu jogar então a pia da cozinha, a mesa da sala de jantar, as cadeiras, o sofá da sala de estar e até mesmo seu batom cor de carmim, aquele que ela tanto gostava porque a deixava com cara de puta. Numa manhã, após ter procurado em vão por algum objeto, resolveu dirigir-se ao penhasco, abriu bem a buceta e mijou. "Ora, isso também é matéria", pensou Glenda mais que rapidamente. Mas lá no fundo do seu âmago, ela sabia que algo havia se quebrado, pois seu mijo, apesar de matéria, não servia como objeto propriamente digno de ser jogado desfiladeiro abaixo. Naquela noite, Glenda não conseguiu pregar os olhos. Estava aflita, pois não saberia o que jogar fora no dia seguinte.
    Mas como diz o velho ditado: "não há pássaro que não seja alado e não há mal que não seja remediado". Na manhã seguinte Glenda acordou na sua hora habitual e dirigiu-se para seu cadafalso. Não tendo mais o que jogar, ela se auto jogou a si mesma do penhasco gritando "Aleluia, senhor". Caiu feito uma bola e enquanto caia, batia com os membros nas rochas pontiagudas que enfeitavam o precipício. Seu corpo chocou-se de encontro às rochas partindo-se em mil pedaços irreconstituíveis. Contam as lendas que, enquanto caia, Glenda pediu aos deuses que a transformassem em uma linda gaivota acrobática, para que assim pudesse elevar-se até os céus a hora que bem entendesse, mas tais deuses, como castigo talvez, lhe transformaram em uma cadelinha puddle, que mais tarde fora adotada por uma gorda garota chamada Racha Persiga.

 

 

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