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O ATUAL MOMENTO HISTÓRICO E A NOVA CIVILIZAÇÃO DO III MILÊNIO

Parte 1

Pietro Ubaldi


     No mundo moderno ainda impera o materialismo, que na prática significa racionalismo, egoísmo, força bruta, destruição, dor, fases conexas e ligadas umas às outras, num fatal encadeamento, até o íntimo. É natural, porque o materialismo representa a filosofia do involuído, que sabe apelar unicamente para os instintos bestiais, de vez que não compreende nada além disso. Ao materialismo se contrapõe o espiritualismo, de características opostas. Este, quando sadio, pode chamar-se a filosofia do evoluído. Essas duas atitudes do pensamento humano encontram-se hoje frente-à-frente, em luta desesperada, e constituem as formas atuais da eterna luta entre o bem e o mal. E cada um, segundo sua natureza, se enfileira de uma ou de outra parte.

     É evidente que se, numa época de materialismo, se fala de ideologias, e jamais quanto agora se falou tanto delas, isso só se pode atribuir a espírito de mentira. Não se pode conferir outro valor a esse atual sistema de desfraldar ideologias, quando mui diversa é a substância oculta atrás da maior parte de tais estandartes: é a voracidade do lobo, é o mais desapiedado egoísmo, é o espírito de violência para o domínio do próximo, seja por parte do indivíduo, seja por parte da família ou da nação. Tão difundido até hoje o espírito da mentira que já não interessa mais conhecer qualquer ideologia, uma vez que seu conteúdo real consiste quase sempre na mesma coisa: submeter, apropriar- se, dominar.

     Daí nasceu uma extraordinária recrudescência da luta pela vida. O racionalismo mal encobre uma realidade bestial, em que o lobo, não importa a forma social sob que se apresente, se alia a outro lobo, só porque a união faz a força, e assim é mais fácil depredar ou vencer. Constituem-se, desse modo, aquelas associações de interesses que mantém conjugadas, em compactas unidades, algumas classes de indivíduos, não importa a categoria social ou o tipo biológico a que pertençam, nem os escopos aparentes expostos, ou o ponto da terra onde tudo isso aconteça. Estas formas várias são aparências de um mesmo problema substancial, que é a luta, o ataque e a defesa, mais facilmente atingíveis se executados em grupo. Não importa, pois, se esse reagrupamento tem caracteres e escopos religiosos, econômicos, políticos, etc. Reduzamos todas essas diversas formas à sua realidade biológica e só então entenderemos. Atrás de todos os princípios que deveriam educar o homem, está em realidade o homem que se deseja submetê-los a si, às suas necessidades, que são antes de tudo biológicas, ou sejam, de animal que quer viver.

     Nesse estado cada vez mais tendente para o caos, do “homo homini lupus”, procura-se debalde, no mundo, um poder, uma autoridade superior que restabeleça a disciplina, sem a qual não é possível nem a paz, nem o bem estar. As nações procuram unir-se, como fazem os homens nas classes sociais, com o escopo do ataque e da defesa. Formar-se-á um espírito de grupo, já não só de indivíduos, mas de nações, sólido porque utilitário. A psicologia da alcatéia de lobos se estenderá dos indivíduos aos povos, os quais se coligarão em classes dominantes, como antes acontecia no seio de uma nação. Os fenômenos sociais só se compreendem se encarados como eles são, isto é, como particulares fenômenos biológicos. Mas, se as unidades em luta forem cada vez mais vastas, isto já não basta para formar um poder superior a todos os parciais poderes terrestres. Ser superior significa ser melhor por inteligência, poder e bondade. Tais qualidades existem no super-homem, isto é, no gênio, no herói, no santo. Mas estes são muito raros e, por isso, funcionam isolados, insuficientes, portanto, para formarem um grupo. Além disso, não estimam a psicologia do domador, indispensável para formar a alcatéia de lobos, apta a dominar. Conquanto não o saibam os materialistas, porque não o entendem ( dado que aquela é psicologia de involuídos ), existem esta inteligência e poder diretor central. Mas eles não residem na Terra e, portanto, não podem ser agredidos, nem destruídos. Essa inteligência e poder é Deus, ainda que devamos atribuir a essa palavra somente um sentido científico, como de uma mente e vontade diretoras da vida. Não há, pois, motivo para se desencorajar, se falta a diretriz humana. Se esta existe, é muito relativa. Ao demais, não há aqui nenhuma necessidade dela e muitas vezes seria danosa, como vemos. Nem por isso a história deixa de ter sentido, nem caminha ao acaso. Embora muitas vezes nada saibam os chefes acerca do pensamento de Deus, nem por isso o Seu pensamento, invisível e inacessível ao involuído rebelde e destruidor, deixa de guiar tudo, até a ação deletéria deste, para os fins construtivos do bem.

     Quem vê na profundeza, aonde não chega o materialista involuído, não se surpreende e diz: tende fé. Aconteça o que acontecer, Deus o sabe e tudo guia para o melhor. As iniqüidades estão na superfície e são visíveis na superfície. Deus trabalha na profundeza, no íntimo, para emergir sempre contra todos os assaltos. Tanto é isso verdade, que a vida sempre vence a morte. Se na profundeza está Deus, silencioso e perpétuo criador, na superfície está o mal, rumoroso, destruidor enclausurado no tempo. O mal naturalmente se contradiz e nenhuma psicologia é mais contraditória do que a psicologia racionalista moderna. Acredita-se hoje ser possível chegar à posse através da destruição, à alegria pela semeadura da dor, ao bem estar pela guerra e ódio de classe. Mas, para possuir é necessária a ordem, a disciplina e não a revolta; para progredir é necessária a obra prudente e construtiva dos melhores e não dos piores, dos que pensam bem e não dos delinqüentes; são necessárias a paz e a segurança. Mas, como se pode enriquecer com o método da agressão e do fruto recíprocos? Semelhante método desseca as fontes de toda riqueza e esta nasce unicamente do trabalho pacífico e da confiança. Não é mais lógico buscar o bem estar na elevação, para todos, do nível econômico, por meio do trabalho harmônico, do que esperar melhoramentos de um improdutivo e destrutivo dilaceramento recíproco? As armas semeiam a desolação e a morte, nunca o bem estar e a vida. Pode-se remediar, pedindo-se um esforço em vista de um paraíso futuro, que não é o celeste, suposto utópico, mas o terrestre e, portanto real. E quem foi conquistado por esta realidade, ri do paraíso celeste. Mas, este tem, pelo menos, a vantagem de ser uma promessa que se não pode controlar, porque se mantém em outro mundo, enquanto o outro se pode provar ser absolutamente impossível realizar na Terra. Tal verificação faz que poucos mais possam crer em tais promessas. Se entre tanta ciência e progresso não cresceu a dor é pelo menos certo que ela não diminuiu. Que descrédito! Se as promessas materialistas de paraíso na Terra foram logo compreendidas e aceitas, isso se deve a que elas correspondem aos instintos animais do homem. Em princípio, fácil é o caminho, como o são todos os caminhos do mal. Mas, tais instintos não raciocinam e procuram satisfazer-se. Se não se satisfazem, sobrevêm a revolta. O animal morde, se se vê enganado, e o involuído, que é presa do materialismo, é feroz.

     Ao homem é necessária uma fé capaz de lhe dar esperança em algo que supere a miséria quotidiana e a humana insatisfação e o salve da desesperação das horas amargas. A fé tem uma função biológica de defesa, de resistência e de reerguimento. É uma verdadeira força para a luta inclusive material. Destruir esta fé é perigoso, porque se desarma a vida em face da dor. Que meios oferece o materialismo, capazes de compensar a perda de tais defesas? Que dizer depois, quando a compensação oferecida, o paraíso na Terra, animalesco e vegetativo, já não se realiza e, quando se realize, a alma, como é natural, não se satisfaz com ela e procura outra? Sabe-se que nem só de pão vive o homem, ainda quando alcance o bem estar material. É difícil saciá-lo, ainda que se lhe dê todo bem estar. Se mais tarde se semeia luta e, conseqüentemente, dor, e isso ao lado de uma filosofia atéia, torna-se evidente o absurdo. Isso, porque jamais se faz tão necessária uma fé, como na dor. Quem semeia dor, ainda que seja ateu, precisamente porque a semeia, impulsiona outros para a fé num paraíso alhures, porque sem a esperança de felicidade, cá ou lá, não se vive. Isso é instintivo. Quem, pois, destrói a idéia de Deus, para imperar, oprimindo, abre as vias do céu que conduzem a Deus. Só a ingenuidade do involuído pode crer seja possível destruir uma fé com a força. Oprimindo, cria-se a fé, porque ela satisfaz a ânsia de uma fuga. Tenho ouvido dizer: a este homem devem ter corrido mal as coisas, para que ele se tenha voltado para Deus com tamanho fervor. Incorreram nesse erro os imperadores romanos, perseguindo os primeiros cristãos e nele incorrem os perseguidores de todos os tempos. Para cada mártir que tomba, nascem cem novos crentes.

     Tratando-se, porém, de involuídos, a reação das massas pode tomar a direção oposta. A dor, em vez de elevá-los pode brutalizá-los. Para se salvar a posição de domínio, costuma-se, então, atirar-lhe à frente um alimento de ódio, instigando-os contra uma presa humana cada vez mais vasta. É um pedaço de pão que, por enquanto, se dá a expensas de outrem, como primeira realização terrestre do paraíso prometido. O caminho, porém, é perigoso; é, como todos os caminhos do mal, fácil só no princípio, mas depois, no fim, se torna catastrófico. É necessária uma interminável procissão de vítimas por espoliar e por oferecer, como alimento. O sistema da luta da classe é a mais anti-produtivo e pode mudar-se em verdadeiro parasitismo. Arrisca-se desse modo a chegar ou a uma reação, ou pior ainda, à destruição do laborioso e pacífico produtor e, conseqüentemente, da produção e, com isso, de todo bem estar. O sistema está vinculado a necessidade de ampliar cada vez mais a zona de destruição, na qual ele trabalha. Como as guerras, ele está ligado à força e a necessidade de conquistas ( sempre novas ) que o justifiquem. Esta necessidade, suscitada pela própria natureza do sistema, o tornará cada vez mais feroz e agressivo no exterior, férreo e impiedoso no interior, isto é, anti-social e anti-vital. Ela o levará a um desequilíbrio biológico que, em um certo ponto, lhe imporá fatalmente ruptura e ruína. A espantosa irracionalidade do racionalismo moderno não entendeu esta verdade elementar: que a opressão, a extorsão, a violência são forças negativas, que por isso somente destroem e não podem jamais construir, função, aliás, própria somente das forças positivas, que são a convicção, a colaboração, a confiança. Aquele racionalismo não entendeu que o materialismo é impulsão negativa que tende a destruição de tudo, inclusive de quem a pratica. É verdade que ele crê poder abstrair-se da alma, só com o negar-lhe a existência. Não obstante, o homem permanece um ser dotado de alma. Ele não é um número, uma máquina de produção, um cálculo econômico. É simplesmente um ser humano. As construções do racionalismo moderno são construções contra as quais se rebela a vida. E a vida destrói tudo quanto a embaraça. Certas leis que representam o pensamento e a vontade de Deus não podem ser torcidas por nenhum poder humano.

     É necessário que o espiritualista examine todos os aspectos da vida e não se limite a repetição estereotipada das fórmulas de sua religião ou grupo, quaisquer sejam elas. Há, em nossa atormentada época, males gigantescos, problemas formidáveis, mas hoje eles são denunciados, sentidos, investigados, enfrentados com vigor e fé nova. O materialismo representa um assalto contra as forças do espírito, assalto de que se impregnou toda a nossa vida. Mas esse assalto serve precisamente para despertar e desenvolver aquelas forças. Jamais, como no tempo da incredulidade, nasceu tanta fé, nem surgiram, como nos tempos de perseguição, tantos mártires e heróis. Os dois movimentos, pois, de autodestruição do materialismo e da reação do espírito, concorrem concordantemente para idêntica meta.

     Os bons não se atemorizam: são os mais fortes. Dizia Carlyle, em “Sintomas dos Tempos”: “A verdade é que quem possui uma sabedoria imensa, uma verdade espiritual ainda desconhecida é mais forte, não do que dez homens, nem do que dez mil, mas do que todos os homens que a não possuem: ele o domina com uma força eterna, angélica, como empunhando uma espada forjada na harmonia dos céus; uma espada que nenhuma couraça poderá validamente resistir, nem tão pouco uma torre de bronze”.

     É necessário que o evoluído, que é mais inteligente, observe os caminhos do mal e os métodos do involuído. Este, para dominar, permanece encerrado em um sistema que faz dele um projétil lançado para a autodestruição. A organização dos involuídos, para manter-se com a força que é seu meio, atrai os piores elementos da sociedade, os sem inteligência, os sem cultura, os sem piedade e deles se circunda. Que rendimento se pode esperar deles? Devem temer todo despertar do senso de humanidade que está na alma. Mas, que embrutecimento pode jamais matar a alma? O nosso tempo procura fabricar o homem em série, o homem máquina de produção, ( o grande produto da moderna técnica científica ), em que não é o espírito que comanda a máquina, para seus fins superiores, mas é a máquina que escraviza o espírito. É necessário observar esse homem, imagem de Deus, encadeado por Satanás à máquina. Seguindo Satanás, o mundo conseguiu hoje converter um meio de libertação num instrumento de escravidão. A vida tem limites de resistência e incríveis meios de reação. Quantas almas agonizam asfixiadas pelo materialismo moderno! Qual é o limite de resistência delas? Quando se dilacerarão elas no desespero? E que reação nascerá de tal desespero? Eis as secretas molas da história, o imponderável de que se não cogita, a invisível ação de Deus! Somam-se as dores, acumulam-se montões de mortos, brame desesperada a vida, porque foi traída pelas promessas de paraíso da ciência materialista. Quando transbordará a balança? É a vida que dirige a história e ninguém pode resistir à vontade da vida que recusa morrer. Ela não está morta no tempo, nem pode morrer agora. A força bruta tenta freiar cada vez mais a marcha evidente da reação. Mas esta aumenta, aumenta, silenciosa e constante. Em um dado momento, transbordará ou romperá os diques. Será a subversão apocalíptica da fase atual.

     Estamos agora na era da metralhadora e da bomba atômica, era de destruição. Justifica-se certa percentagem de destruição e mortes com a vitória que pode transformar a carnificina em sagrado holocausto. Mas, além de um dado limite, diante da catástrofe, não há idealização de morte em martírio que se mantenha. A morte aparece então em sua verdadeira e horrenda luz e a vida rebela-se. Além de um dado limite não há vitória que possa compensar e justificar as perdas, tornar racional e útil o sacrifício. Este então se torna assassínio e suicídio. Ora, se um sistema, para suster-se, deve estar vinculado à necessidade de um crescente sacrifício, cedo ou tarde deve ser atingido o limite dos holocaustos. Retrogradar não seria possível, pois que seria precioso tragar toda a dor e a morte semeadas, neutralizando-as assim com outro tanto de alegria e vida. É horrível não se poder deter, nem retroceder. Nas vias do bem, como nas do mal, o homem se atirou sempre até o fundo, segundo o sistema. E se, por um lado, avançar é um ato a que, por isso, é ele obrigado, por outro lado é também cada vez mais perigoso, difícil e catastrófico. O método da força implica destruição e a destruição atrai destruição. “Abyssus abyssus ínvocat” ( salmo XLI, versículo 8 ). E atrai cada vez mais, qual satânica precipitação de todas as coisas.

     Para que serve tudo isso? Sabe-o Deus e a vida o exprimirá. Certamente, o presente serve sempre para elaborar o futuro; de outro modo, não teria sentido. Serve para isso, conquanto, na mente do homem, o presente pareça feito só para si e para destruir o futuro. De tantas construções imensas, de caracter ideológico, social, econômico, religioso, de hoje, talvez nada mais reste do que alguma coisa de lateral, agora absolutamente imprevista. Muitos são os secretos fins da história, desconhecidos do homem. A vida revoltar-se-á contra a máquina e buscará viver livre no espírito. A ciência com que a orientação materialista tem querido trair o mundo, será renovada e usada para demonstrar a essência de Deus e guiar-nos para a evolução pelas vias do espírito. O atual mundo materialista, que não pode ser mantido compacto, à falta dos ideais e metas superiores, desintegrar-se-á, traído pela força e pela riqueza, únicas realidades em que ele crê. Homens que não acreditam no sacrifício e no amor fraterno que leva à cooperação saltarão à garganta, uns dos outros. O utilitarismo conduz a traição. Homens e povos criam com seus pensamentos e ações um sistema de forças que depois os domina. Aquele sistema é uma vindita e esta pesa sobre o mundo moderno. Aliás foi desejada. Agora é fatal, até que se esgote. As religiões do ódio organizado, o método científico da destruição, uma tal psicologia absorvida e vivida em ação por tanto tempo, tudo isso deve produzir seus frutos sem possibilidade de evasão.

     Até quando a exclusiva força bruta das armas bastará para suprir a falta de inteligência que mostra como a vida social não pode ser praticada sem confiança e colaboração? Um sistema baseado na violência não pode ser senão instrumento de destruição, nada vale como meio construtivo, deve pois, dissolver-se no caos. Praticamente, isso significa uma perda progressiva. Por aí se vê que a teoria do mal, fatalmente levado por seu próprio sistema, a autodestruição, não é só filosofia, mas, uma realidade prática. Satanás trabalha sempre com perda, inclusive quando opera racional e cientificamente, ainda que dispondo de todos os meios da riqueza, da astúcia e da força. No final, a colheita dos esforços afigura-se uma traição. Satanás somente paga em moeda falsa. Isto é dado pelo sistema. Apoiar-se no mal é um péssimo negócio. Este é o calcanhar de Aquiles do mundo moderno, verdadeiro colosso de pés de argila. O complexo racionalismo de nosso tempo está muito carregado de cultura e fechado na mecânica de uma lógica para entender uma coisa tão simples. Apoiar o próprio poder sobre involuídos, assentar sobre os piores, sobre os estratos inferiores da sociedade, dando-lhes a ilusão de serem os donos, enquanto devem ser primeiro educados para o que não sabem fazer e para o que é difícil fazer, não ter por defesa mandíbulas de lobo e procurar as soluções dos problemas no dilacerado ventre do próximo, isto só pode trazer ruína. A solução e o futuro só poderão encontrar-se no contrário, isto é, no apoiar-se sobre os evoluídos, no assentar-se sobre os melhores, sobre os estratos, não economicamente, mas biológicamente mais avançados, que tem consciência do árduo dever de dirigir, no ter por defesa a justiça e no procurar a solução dos problemas no bem do próximo. Tudo isso virá, porque nenhum homem na Terra, por mais poderoso, pode impedir que a vida queira, não uma seleção sem revolta e sem artifícios, mas, uma seleção do mais inteligente, do mais laborioso e produtivo, do mais apto a colaborar, confraternizando-se em sociedade.

     Observemos, porém, ainda mais de perto problema. Há no atual momento histórico dois estados: um, aparente, de superfície, transitório, que todos vêm e sobre cuja base a maioria julga, e outro, real, profundo, dado pelo eterno desenvolvimento das coisas.

     O primeiro estado é de destruição, de miséria, de mentira, de ódio, em suma, um estado bestial, involuído. Os melhores, que, mais evoluídos, conquistaram os valores mais altos da vida, que não são os materiais, única meta dos involuídos, mas os espirituais, muito mais preciosos e potentes, são perseguidos e esmagados pelos piores. Hoje é precisamente a hora do mal, cujas características são justamente a negação e a revolta. Os melhores retraem-se, escondendo-se quase, enquanto os piores conquistam tudo. Mas é natural que as vicissitudes necessárias a passar de um estado de desequilíbrio a um evolutivamente superior sejam também desordens. É natural que, para passar de um estado de legalidade incompleta e imperfeita ao de mais completa e perfeita, se deva atravessar uma fase de ilegalidade que, depois, se retoma e se coordena em uma nova ordem.

     Durante a revolução francesa, que teve aliás os seus fins históricos e sociais, a escória veio logo à tona. Mas é uma posição falsa, porque a ela não corresponde um intrínseco valor e por isso ela não pode durar. Então, ou os filhos de qualquer revolução demonstram estar à altura da posição conquistada, ou é a própria revolução que os mata, como fez na França, com Robespierre e companheiros.

     Que há, porém, na profundeza? Toda verdade, pela lei do dualismo universal, só é completa se encarada em ambos os seus termos antitéticos e contraditórios, de que ela, em sua totalidade, resulta composta. No extremo do atual fenômeno histórico, qual se apresenta na superfície, temos um estado oposto, de preparação subterrânea, de expectativa e maturação. Assim como se diz na Itália que há pão sob a neve, assim também se pode dizer que sob esta tempestade se estão amadurecendo os gérmens de uma nova civilização. Para entender isto seria preciso conhecer não só as leis históricas, mas também as leis biológicas de que a história humana é apenas uma parte. Quem compreendeu estas leis já não discute com os homens, que em geral não sabem o que fazem, nem porque o fazem, mas discutem com as leis biológicas que os movem e a que eles, que crêem mandar tanto, não fazem nem mais nem menos que obedecer, movidos por seus instintos, mais ou menos lúcidos e conscientes, instintos que são as forças por meio das quais aquelas leis os manobram. Eis, pois, que a marcha da história não prossegue ao acaso, nem é confiada ao capricho ou vontade dos povos e, muito menos, de seus chefes. Quem faz a história são as correntes de pensamento coletivo, as quais são inconscientemente sentidas e expressas pela massa. E os chefes serão tanto mais hábeis quanto melhor souberem sentir estas correntes, interpretá- las, exprimi-las, personificá-las. Mal pretendem seguir outra via, colocando-se eles mesmos em lugar das profundas impulsões biológicas para desviar-lhes o rumo, elas reagirão e deles se livrarão como de um estorvo. Pois que o poder, para suster-se, não pode ter escopos egoísticos, de indivíduos ou de classe, escopos de violência, mas deve representar uma função biológica, ser entendido qual uma missão a serviço da vida. De outro modo, esta reage e nenhum poder humano deve subsistir.

     Eis, pois, que no fundo das coisas existe algo muito diverso, há o pensamento e a vontade diretoras de Deus, que não é só transcendente nos céus, senão também imanente entre nós e as nossas coisas, e aqui presente com sua incessante obra criativa. Na direção da história, há, pois, algo muito diverso da pobre e ignorante sabedoria humana: aí está a sabedoria de Deus. Sirva isto de grande consolo aos melhores, mais evoluídos, hoje perseguidos e esmagados.

(CONTINUA NA PARTE 2)


 
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