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Ciência e Senso Comum

Pedro Orlando Ribeiro

Pergunta:

1)Quais são as principais diferenças entre os conhecimentos do senso comum e da ciência? E como estabelecemo-as?

2)Qual o paralelo entre a ciência antiga e a moderna?

3)Como explicar : as elaborações científicas e os ideais de cientificidade são diferentes e descontínuos"?

Resposta:


1)Quais são as principais diferenças entre os conhecimentos do senso comum e da ciência? E como estabelecemo-as?

Creio, que antes de mais nada é preciso definir o que seja senso comum e ciência. No dicionário Aurélio encontramos a seguinte definição para a expressão senso comum:

Senso comum. (Filos.)

Conjunto de opiniões tão geralmente aceitas em época determinada que as opiniões contrárias aparecem como aberrações individuais.

A definição não deixa dúvidas: opiniões geralmente aceitas em época determinada. Isto significa que o senso comum varia com a época, ou melhor, de acordo com o conhecimento relativo alcançado pela maioria numa determinado período histórico, embora possa existir uma minoria mais evoluída que alcançou um conhecimento superior ao aceito pela maioria. Estas minorias por destoarem deste "senso comum" são geralmente discriminadas. A História está cheia destes exemplos. O mais conhecido é o de Galileu. Em seu tempo o senso comum considerava que a Terra era o centro do Universo e que o Sol girava em torno dela. Galileu ao afirmar que era a Terra que girava em volta do Sol quase foi queimado pela Inquisição. Teve que abjurar-se para salvar a vida. Esta opinião era tão arraigada na mente das pessoas que até a própria Bíblia testemunha isto ao afirmar que Josué deteve o Sol. É claro que a Terra não parava e o sol não começava a girar à volta dela só pelo fato de que, na Bíblia, Josué assim dizia. (P. Ubaldi). Hoje o senso comum mudou. Quem afirmar que o sol gira em torno da Terra será considerado no mínimo um louco pela maioria.

Inúmeros outros casos da mudança do senso comum poderiam ser citados. Era crença no tempo das grandes navegações de que o mundo era plano e quem navegasse pelo oceanos estaria sujeito a chegar num ponto onde terminava mundo e começava um abismo. Colombo e Fernão de Magalhães demonstraram na prática que o mundo era redondo. Outro exemplo famoso foi a teoria da geração espontânea dos micróbios que foi derrubada por Pasteur.

Um exemplo de senso comum ainda aceito pela maioria hoje em dia é o a solidez da matéria. Nos altos círculos científicos esta já é uma idéia superada. Um corpo físico não passa afinal de um estado vibratório que apresenta a ilusão de densidade e impenetrabilidade, em função das altíssimas velocidades das partículas constitutivas dos átomos. Paradoxalmente, a matéria é, em última análise, um grande vazio, onde circulam partículas sub-atô micas, que por sua vez também são constituídas de partículas ainda menores, e estas, por outras ainda menores (Ex.: os quarks). Este processo pode estender-se ao infinito. Os Induístas chamam isto de Grande Maya, ou seja, Grande ilusão. O que vemos afinal é apenas uma aparência da realidade subjacente.Parece irônico que aquilo que se buscava conhecer a fundo desvaneceu nas mãos da ciência quando se concluiu que a solidez, pedra de toque da matéria, não passa de uma ilusão de nossos sentidos. O novo parâmetro, aceito hoje, para definir a matéria é o cinético, ou seja, a energia.

Compreendido o que seja senso comum resta-nos entender o que seja ciência para que seja feito o confronto entre os dois termos. No exemplo acima, sobre a matéria, já se pode antever uma diferença significativa entre senso comum e ciência. O primeiro baseia-se nos sentidos, isto é, acredita no que vê ou sente ou naquilo que se tornou patente em virtude da evolução do conhecimento graças aos avanços da segunda, que é, por sua vez, menos crédula e procura através do raciocínio frio e dos métodos experimentais a comprovação daquilo que os sentidos nos mostram. A história da ciência demonstrou de sobejo que as coisas não são exatamente o que os sentidos nos revelam. Assim podemos considerar a ciência como um método de pesquisa baseado na faculdade racional do ser humano e na comprovação experimental do fato pesquisado.

Desta forma, há luta entre senso comum que se encontra na cauda do processo do conhecimento e a ciência que está na cabeça. A resistência inercial à mudança de posturas consagradas pela tradição explica a reação a qualquer inovação no campo do conhecimento humano. É recomendável não confundir ciência com tecnologia. A tecnologia pode ser encarada como o senso prático da ciência e por isso mesmo as suas novas aplicações não provocam celeumas. Já a ciê ncia pura ao apresentar uma nova visão de uma teoria já consagrada na prática, provoca, muitas vezes, raivosas reações contrárias Este foi o caso do Evolucionismo de Darwin que asseverava um parentesco entre o ser humano e os macacos. Até hoje, após uma centena de anos, ainda se encontram pessoas radicalmente contra esta teoria, embora nos altos escalões da ciência já seja um ponto pacífico.

Fica fácil, agora, estabelecermos as diferenças. A ciência e o senso comum são dois pólos de um mesmo fenômeno. O pólo ciência representa a parte dinâmica do fenômeno que faz o conhecimento evoluir. É a fase construtora do conhecimento. O pólo do senso comum representa a fase conservadora do conhecimento e por isso tem a característica de imobilidade, tendendo a se repetir em um ciclo fechado, eternamente, se não for fecundado pelo dinamismo evolutivo da ciência. Ubaldi se manifestou sobre este tipo de fenômeno da seguinte forma: Quando um fenômeno, por evolução, chegou a produzir-se uma vez, esta nova posição se fixa na manifestação e o fenômeno, quase que por lei de inércia (misoneísmo), tem tendência a continuar reproduzindo-se (a ontogênese recapitula a filogênese) com um ritmo constante, enquanto a elaboração evolutiva, devido ao impulso divino interior, que compele à ascensão, não o modificar ainda atravé s de pressão e martelamento constantes, vencendo, assim, a misoneísmo, que quereria persistir na linha de idêntica repetição. (P. Ubaldi – Deus e Universo). Em outro dos seus livros (O Sistema) ele reforça esta posição: É o misoneí smo da vida que resiste ao impulso renovador do progresso. Por isso, qualquer tentativa nesse sentido perturba, é olhada com suspeitas, e são-lhe postos obstáculos. Tudo permaneceria anquilosado nas velhas fórmulas, se se pudesse paralisar a evolução. Este pensamento vem confirmar o que dissemos acima sobre a discriminação das minorias inovadoras.

2) Qual o paralelo entre a ciência antiga e a moderna?

Suponho que a diferença que pode haver entre a ciência do passado e a de hoje é talvez a diferente maneira de encarar a interaçã o entre o observador e a coisa observada. O pressuposto básico do método de observação consagrado no passado, e ainda vigente até hoje em certos círculos científicos de orientação filosófica materialista, é a independê ncia entre sujeito e objeto, isto é, que o pesquisador não influi no resultado da experiência. Entretanto, já se admite hoje, na moderna Física Quantística, o Princípio da Incerteza, enunciado por Heisenberg, que afirma que não podemos definir com exatidão as propriedades de um fenômeno pois é impossível afastar a interação do objeto com o observador.

Para compreendermos isto, é necessário levar em consideração a concepçã o Ubaldista de que o nosso Universo se individua por unidades trinas em que a substância universal se apresenta sob três aspectos: matéria, energia e pensamento. Sob o ponto de vista estático o Universo é um organismo, um vir-a-ser no aspecto dinâmico e um organismo de princípios e leis no seu aspecto conceptual. O Universo está em transformação contínua, passando por evolução de uma fase a outra: da matéria a energia e desta ao pensamento. Estas três fases representam diferentes ní veis evolutivos da substância, constituindo assim um sistema hierarquizado em que a fase pensamento supera a fase energia e esta a fase matéria. Cada uma destas três fases da substância é marcada por uma dimensão própria que estabelece os seus limites. Assim a maté ria tem como sua dimensão o espaço, a energia, o tempo e o pensamento, a consciência. Existe uma hierarquia entre os três termos: espaço, tempo e consciência. A consciência supera o tempo (podemos pensar em termos de passado, presente e futuro) e este supera o espaço (pelo movimento); explica-se assim como a dimensão superior influi e domina a inferior, e não ao contrário. Tudo é individuado no Universo, sendo que cada individuação é trina e, em conseqüência, os três aspectos da substância estão soldados numa mesma unidade orgânica indissolúvel. Estas individualidades se reagrupam em unidades maiores para compensar e equilibrar o processo separatista da individualização, constituindo assim um Todo orgânico unitário que se reduz a um monismo universal que abarca tudo o que existe. Sob uma visão monista é, pois, um absurdo tentar isolar um determinado aspecto da substância, para evitar sua interação com outro aspecto dessa mesma substância, já que estes aspectos fazem parte de um organismo único e indivisível. Assim se vê com clareza, numa visão cosmológica, a impossibilidade de separar o observador da coisa observada.

3)Como explicar : as elaborações científicas e os ideais de cientificidade são diferentes e descontínuos"?

A questão acima está muito genérica, mas, creio eu que o teor da pergunta se refere a distância que separa o ideal de sua prática. Para nos situarmos melhor sobre este assunto vamos estabelecer a seguinte definição de ideal:

Aquilo que é objeto da nossa mais alta aspiração intelectual, estética, espiritual, afetiva, ou de ordem prática.

Por elaboração cientifica entendo que seja a aplicação dos conceitos científicos na prática, ou seja, os avanços da tecnologia. No nosso mundo involuído em que predomina a luta pela sobrevivência do mais forte, é usual que as novas descobertas cientificas sejam empregadas em primeiro lugar para fins bélicos de ataque e defesa. Os exemplos são muitos. A energia atômica para uso pacífico foi um subproduto da bomba atômica. A Telecomunicação via satélites se originou da corrida espacial durante a guerra fria e o seu primeiro emprego foi o de espionar o inimigo. O objetivo da própria Internet no inicio era de interligar os centros de comando militar da força nuclear americana.

O esforço desinteressado de muitos cientistas idealistas do passado, na pesquisa da ciência pura, tais como Roentgen, Mme. Curie, Becquerel, Rutherford , J.J. Thomson, Planck, Nils Bohr, Fermi, Einstein, desembocou na explosão de bombas atômicas sobre o Japão, matando milhares de pessoas em poucos minutos. O ideal da ciência pela ciência de uns poucos, terminam quase sempre na mãos daqueles cujo interesse máximo é o domínio sobre outros homens. Assim a dicotomia que existe entre o Ideal e sua realização na prática se explica pela involução da grande maioria da humanidade. Só num segundo momento é que o ideal ressurge e transforma em benefícios para a vida humana.

A aparente descontinuidade que parece existir no processo evolutivo é explicado pela oscilação que governa os fenômenos nos seus desenvolvimentos. Oscilação que se realiza na particular dimensão do vir-a-ser, num ciclo fechado sobre si mesmo. Ubaldi comenta: "Tal é então o duplo movimento no qual consiste o vir-a-ser e a existência. Isto significa que em nosso universo não se pode existir senão movendo-se em direção involutiva ou movendo-se em direção evolutiva: ou progredindo ou retrocedendo. (P. Ubaldi – A Descida dos Ideais)".

Todos os fenômenos do universo movem ora em direção evolutiva ora em direção involutiva. A primeira vista isto pode parecer um ciclo vicioso, um beco sem saída, mas, o ciclo não é fechado, trata-se na realidade de uma espiral (Veja a figura abaixo do livro A Grande Síntese). A linha quebrada deste gráfico, a cada ciclo evolutivo, avança TRÊS passos no sentido evolutivo e DOIS no sentido involutivo. Ou seja, três passos na direção positiva e dois no sentido negativo. Há, portanto, um saldo positivo (3 - 2), o que demonstra que as forças evolutivas superarão FATALMENTE as negativas. Ubaldi comenta: Urge explicar essa técnica estranha de construção, mediante a qual a evolução constrói, para depois demolir reconstruindo mais alto; em seguida tornar a demolir para mais tarde reconstruir mais acima assim por diante. Que maneira estranha de avançar, retrocedendo a cada passo! (P. Ubaldi - O Sistema)

Vê-se assim, que a evolução não é linear, daí a sua aparente descontinuidade. Para um olhar abrangente os fenômenos evolutivos parecem ziguezaguear ao longo do tempo, como o curso de um rio cheio de meandros.

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