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BUDISMO E CIÊNCIA
MODERNA
“A vida e a consciência existem
ao nível das partículas intranucleares”.
Dr. D. Lawden
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É interessante notar que o progresso da ciência moderna,
especialmente da física e da psicologia, trazem a luz certas
similitudes entre os ensinamentos da ciência e do Budismo. |
A rapidez da evolução recente das ciências obriga
os pesquisadores a se descartar cada vez mais dos valores antigos. |
Esta atitude, encontrando indiretamente aquela do CH’AN e do ZEN, definida
por um eminente cientista francês, G. Cahen: “A despersonalização
do julgamento científico é considerado como uma condição
essencial de sua validade. Em toda medida o físico deve lutar contra
a precariedade duma constatação que seria muito individual.
Ele deve sempre que possível eliminar sua equação
pessoal. Face ao fato, ele se torna invisível, passivo, impessoal,
inexistente”. |
Nessa mesma obra G. Cahen conclui por um lado pela identidade da essência
entre o intelecto e o universo, e por outro lado a existência de
um “vazio” como realidade fundamental do universo, o que nos lembra o Sunyata
Budista. |
Ele declara: “O exame dos fenômenos frente a frente com o conteúdo
imediato de nossas percepções , apresenta dois caracteres
que colocaremos em evidência. Por um lado, esse processo revela uma
identidade de essência entre o intelecto e o universo. Por outro
lado esse conteúdo se esvazia progressivamente de sua substância
aparente: a matéria tendendo ela mesma a não ser mais que
uma forma vazia, [Como é dito no Maha-Prajna-Paramita Sutra: “A
forma é vazia de qualquer substância própria e o vazio
não é diferente da forma; na realidade, a forma é
o vazio”.] um campo de ação das propriedades estruturais
de nosso espírito, quer dizer qualquer coisa de imaterial. |
Exprimiremos assim e da maneira a mais extrema a tendência ultima
da ciência: redução da realidade ao vazio”. |
“Esse vazio, esse Não-Ser, esse Nada, é o Ser o mais
completo que seja pois que ele contém o universo em potência.” |
Outros paralelismos se podem estabelecer entre os ensinamentos do Budismo
e os da ciência moderna. Queremos mostrar aqui que o satori, esta
experiência fundamental do Ch’an e do Zen, está em estreita
ligação com uma interfusão universal na qual participam
todos os átomos do corpo humano em relação com o universo
inteiro e reciprocamente. |
Tudo se sustenta, nada é separado no universo, desde a densa
matéria física até aos últimos confins do universo
não manifestado. |
As oposições entre o mundo fenomenal e o mundo noúmenal,
entre matéria e espírito, entre o que é regido pela
lei de causa e efeito e o que está fora de toda a causalidade, entre
o temporal e o intemporal, devem desaparecer. Elas existem somente em nosso
intelecto. |
Na antigüidade, tanto no Oriente como no Ocidente, não
se estabeleciam distinções entre o pensamento filosófico
e o científico. Para o Budismo Mahaianista, espírito e matéria,
o Nirvana e o Samsara são faces opostas mas complementares de uma
só e mesma realidade. Para Heráclito, Demócrito, Pitágoras,
Platão, e Aristóteles, os fenômenos naturais, a vida,
o homem formam um todo homogêneo, inseparável. A recusa de
considerar a unidade do físico e do psíquico e as ligações
existentes entre a microfísica e a metafísica provem em ordem
principal de uma tendência que foi delineada no sec. XVI, quando
a ciência se tornou experimental e se liberou de toda obediência
religiosa, libertação que permitiu à ciência
e a técnica conseguir os progressos extraordinários
aos quais assistimos na hora atual, ao mesmo tempo perplexos e inquietos.
Nós pudemos observar um movimento durante o qual desde o sec. XIX,
os sábios foram obrigados a se consagrar a trabalhos específicos
e tornaram-se especialistas em razão da extensão e da variedade
dos fenômenos estudados. Eles recusaram de saída qualquer
ingerência da metafísica na ciência e tomaram atitudes
parciais e sectárias do cientismo e do estrito materialismo, representados
principalmente por Taine e Le Dautec. |
Veremos em seguida que esse movimento atravessa uma fase inversa. Os
sábios mais e mais numerosos adotam em nossos dias uma atitude absolutamente
oposta. Eles crêem superar as deformações inerentes
aos especialistas cujos conhecimentos, separados por compartimentos estanques,
chegaram, voltados sobre eles mesmos, a verdadeiros impasses. Os sábios
compreendem hoje que todas as ciências são solidarias e que
as descobertas aparentemente as mais afastadas se fecundam mutuamente em
uma espécie de simbiose contínua. Eles se dedicam de novo
e de maneira definitiva ao estudo da unidade fundamental dos fenômenos.
Eles se empenham em realizar uma síntese e uma coordenação
das inumeráveis descobertas realizadas cada novo ano no mundo inteiro.
É assim que vemos reunidos no mesmo congresso astrônomos,
físicos, químicos, especialistas em anatomia do cérebro,
cibernéticos, biólogos, médicos. Sem esta cooperação
e esses confrontos contínuos, sem tais êxitos o envio dos
cosmonautas a Lua teria sido impossível. As sínteses novas
que se formam do encontro mais numeroso entre todos os especialistas de
todos os setores nos forçam a repensar certas posições
tradicionais do pensamento. Nesta nova tendência vemos reaparecer
com uma força particular as instituições dos antigos
sábios do Oriente, impregnados de unidade e universalidade. Em um
memorável estudo intitulado “Microfísica e Metafísica”,
Mathilde Niel escreveu: “Os progressos conquistados no domínio muito
variado da física, biologia, astronomia, psicologia conduzem a repensar
certos problemas colocados a muito tempo pela espiritualidade e principalmente
pela espiritualidade Oriental. As novas descobertas sobre o mundo atômico
e as partículas elementares obrigaram os pesquisadores a renovar
inteiramente sua visão do universo e seu modo de pensar. A razão
ela mesma que acreditávamos imutável tem sido desmantelada,
e Gaston Bachelard saúda a chegada de um novo espírito científico.
Mas essas descobertas tendem a transformar igualmente nosso senso metafísico,
ou se somos espiritualistas, nosso modo de experimentar o divino, é
preciso atentar que após a revolução racional sucede
uma revolução espiritual.” |
O ponto de partida da revolução espiritual se encontra
nas revelações recentes sobre a natureza estranha do infinitamente
pequeno. As descobertas relativas aos constituintes últimos da matéria
são dia a dia mais fascinantes. A importância do papel do
infinitamente pequeno em todos os fenômenos não somente
físicos mais igualmente bioquímicos, biológicos, neurofisiológicos,
e psicológicos se revela cada dia mais importante. Cada vez mais,
a natureza energética, não causal, intemporal e talvez incondicionada
do infinitamente pequeno nos conduz ao limiar de mundos físicos
e espirituais. Além da antiga mecânica quântica, os
sábios, como Robert Tournaire, elaboraram uma mecânica sub-quântica.
Nessa reside igualmente uma das revoluções metafísicas
e espirituais das mais fundamentais dos tempos modernos. Esta posição
de equilíbrio e de síntese entre o materialismo ultrapassado
e o espiritualismo se encontra, nos parece, definida nas tendências
modernas do Zen. Os progressos da biologia e da neurofisiologia psicológica
são efeitos de descobertas do infinitamente pequeno. A evolução
das espécies, as mutações, correspondem a mudanças
de ordem molecular nos genes. O genes é uma molécula complexa
de ácido desoxiribonucleico [DNA] que transmite a hereditariedade
desde a concepção. Os genes são reunidos em cromossomas.
Cada célula humana contém 48 cromossomas ou 24 pares“. |
E. Schrödinger escreveu: “Grupamentos incrivelmente pequenos de
átomos, pequenos demais para se conformarem às leis estatísticas
exatas, jogam uma regra dominante nos eventos muito bem ordenados que se
produzem no interior de um organismo vivo”. |
Na obra A Física e o segredo da vida orgânica o físico
alemão P. Jordan nos mostra como alguns fotons de luz projetados
sobre a retina de um olho habituado a escuridão são
suficientes para engendrar uma sensação luminosa, portanto
“um processo de consciência no interior do cérebro humano”.
Jordan acrescenta que “os fenômenos de ordem de grandeza atômica
correspondem, do ponto de vista físico, ao movimento tão
fino e tão tênue dos pensamentos e das sensações”.
Os trabalhos do Dr. Roger Godel [ A experiência liberadora, Vida
e Renovação] e os do Prof. Pierre Rylant, da Universidade
de Bruxelas, colocaram em evidencia a importância dos fenômenos
eletrônicos e elétricos em todas as manifestações
da consciência. |
Toda a neurofisiologia, escreveu o Prof. P. Chauchard, repousa sobre
a atividade psico-química do sistema nervoso. A atividade nervosa
é uma verdadeira sociologia neurônica de onde emerge o indivíduo
superior”. Os fenômenos da consciência são não
somente ligados a transformações eletrônicas mas não
se limitam somente a intervenção de neurônios específicos.
Assim escreve o Prof. Pierre Rylant: “Não é possível,
como mostrou claramente Sherrington, limitar a consciência a intervenção
de neurônios específicos” |
Uma certa forma de consciência se acha intimamente ligada a energia
formando a essência de toda materialidade. |
É de se supor que os caracteres de surgimento e de renovação
onde se encontram marcados os mais altos estados de consciência espiritual
estão em relação íntima com o processo de criação
constante que se persegue nas profundezas do mundo atômico. |
Assim se exprime P. Jordan: “A cada instante, há qualquer coisa
de totalmente nova no interior de cada átomo”. |
Nos níveis mais profundos da vida espiritual, há precisamente
alguma coisa integralmente nova e desconhecida, de instante a instante.
É em outros termos e em outro nível, o que exprime igualmente
M. Niel: “Se nosso sentimento de liberdade provém, como parece provar
a nova psicanálise, da consciência que não impede uma
energia de ordem cósmica, então a indeterminação
quântica e nosso sentimento de liberdade, se bem que diferentes um
do outro, podem ter uma causa semelhante”. Esta causa semelhante é
evidentemente, para os mestres Zen, a Mente Cósmica. Esta realidade
se manifesta sob a forma dum campo o qual muitos sábios tentam estabelecer
uma fórmula, qualquer que seja ela escapa a toda tentativa de formulação.
A noção de Campo Unificado preocupava particularmente A.
Einstein, e Heisenberg. Na França J. Charon procurava a fórmula
de um campo unificado capaz de explicar em uma só equação
os campos nucleares, eletromagnéticos, e gravitacionais. Os fenômenos
nucleares, eletromagnéticos, e gravitacionais são regidos
por uma realidade idêntica na qual estão suspensas as manifestações
do universo inteiro. Esta realidade foi designada pelo astrônomo
inglês Fred Hoyle como um “Campo de Criação”. A noção
de campo permite ultrapassar a antiga dualidade de espírito e matéria.
Tal é igualmente a opinião de Emile Bréhier que declara
que “o campo seria a realidade universal que ultrapassa a distinção
da matéria e do espírito”. |
Podemos deixar a conclusão aos cuidados de M. Niel que escreveu:
“é curioso ver que a noção de campo, considerado como
realidade universal, une certas intuições do pensamento oriental,
principalmente a da Mente Cósmica, do Zen-Budismo ou da Consciência
Cósmica de Tagore “. |
“É pois a ação desse campo sobre as partículas
elementares que parecem determinar as combinações infinitas,
as criações de estruturas novas limítrofes a isso
que chamamos a matéria, a vida, a consciência". |
“Mas a consciência individual uma vez tendo aparecido, o campo
universal agirá então pelo intermédio desta consciência.
Ela será pois criadora, porque tem a mesma natureza que o campo
fundamental da criação”. |
CAMPO DE CRIAÇÃO E SATORI
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Em sua essência a mais profunda, o Universo se resolve em um
Campo Unificado de Criação Pura. O Ser puro dos filósofos,
o Deus dos místicos não seriam pois diferentes. Quando estabelecemos
em nosso espírito uma visão panorâmica dos progressos
recentes da maioria das ciências, uma realidade emerge por sobre
qualquer outra: a do campo unificado de criação onde se alimentam
todas as manifestações do universo visível e invisível.
Esta realidade ocupa um lugar de prioridade cuja evidência se afirma
dia a dia. Assim se exprime Schrödinger: “Não existe senão
uma só coisa, a pluralidade aparente é uma série de
aspectos diferentes desta coisa única”.[Esta coisa única
é o TAO]. |
A complexidade da arquitetura celular que caracteriza o corpo humano
manifesta uma admirável flexibilidade e uma receptividade
perfeita dos ritmos os mais profundos e os mais sutis da natureza. |
O homem pode ser particularmente receptivo ao ritmo cósmico
no qual se recria constantemente o universo porque sua essência e
a do universo se confundem em um campo de criação idêntico. |
O Satori do Zen ou do Ch’an é a experiência viva
do Campo unificado da criação pura tomando consciência
dele mesmo por ele mesmo, em nós. |
Mas trata-se de uma comodidade de linguagem que parece ainda fazer
algumas concessões ao dualismo. Na realidade, a experiência
do satori esta alem da dualidade do experimentador e da experiência.
Ela não é mais uma objetivação semelhante a
outras experiências familiares. Krishnamurti, o Ch’an e o Zen, insistem
particularmente sobre esse ponto. Quer estejamos lá ou não,
o campo unificado de criação pura é a realidade fundamental
do universo e de nós mesmos fora de qualquer distinção
de objeto e de sujeito. Por esta razão, a experiência viva
do Campo unificado da criação exige de nossa parte uma passividade
mental e uma transparência interior totais. |
CO-EXTENSIVIDADE UNIVERSAL DO ÁTOMO E SATORI
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Acabamos de examinar sumariamente as ligações que possam
existir entre o Campo unificado da criação pura e a
experiência do Satori. |
Nos propomos agora examinar o comportamento do universo e dos átomos
que nos constituem, a um nível mais aproximado do mundo fenomenal:
aquele onde persegue a extraordinária e constante interfusão
atômica por intermédio dos aspectos ondulatórios da
energia. Sabemos que a essência profunda da materialidade é
fluida, movente, em contínua mudança. Não somos autorizados
a comparar o universo a um edifício arquitetonicamente “sólido”.
O tempo, o espaço a relatividade, a solidez estão ausentes
nas “bases últimas do mundo”. Como exprime freqüentemente Lao-tzu,
“A flexibilidade e a espontaneidade são as leis da Vida”. Temos
repetidamente mostrado que esta flexibilidade e esta espontaneidade se
manifestam principalmente sob a forma de um processo fundamental: o processo
das relações . Definimos em detalhe as leis e as modalidades
em uma outra obra que resumiremos aqui. |
Nas zonas últimas da materialidade, ao nível intranuclear,
assistimos às inter-permutações prodigiosas.
Os corpúsculos situados no interior dos núcleos atômicos
não tem nenhuma individualidade. Após haver enunciado esse
fato, enunciamos um principio: “No intra-átomo, o fato das
relações é mais importante que a individualidade dos
elementos religados”. Podemos fazer a mesma constatação em
biologia, onde a vida é essencialmente função da habilidade
celular, da flexibilidade, da rapidez e da fluidez das trocas. Os progressos
da genética moderna colocaram em evidência a importância
da noção de interação entre os genes de um
individuo e os fatores do meio. O meio e a hereditariedade são fatores
em contínua interação das quais depende todo comportamento
do indivíduo. Os genes reagem entre eles, o meio reage sobre os
genes e os genes eles mesmos mudam e operam por seu turno sobre um meio
transformado. Isso sobretudo no domínio atômico que uma vez
mais descobriremos um novo aspecto do fato fundamental das relações
regendo o universo em todos os níveis. Evocamos precedentemente
a intensidade das relações ou das trocas no interior de um
sistema atômico entre o eletron planetário e o núcleo
de um lado, do mesmo modo que no coração mesmo do núcleo,
por outro lado. Vamos examinar um fato bem mais significativo ainda. |
“Não existe no universo nenhum ser, nenhum objeto, alguma coisa,
algum átomo independente”. |
Assim se exprime T. Chardin: “Quanto mais, pelos meios de um poder
sempre aumentado, penetramos profundamente na matéria, mais as interligações
de suas partes nos confundem. Cada elemento do cosmos esta positivamente
tecido de todos os outros, mais acima dele mesmo, pelo misterioso fenômeno
de composição que o faz subsistente, num conjunto organizado,
e mais abaixo, pela influência sofrida das unidades de ordem superior
que o englobam e o dominam para sua própria finalidade. . |
Impossível se cortar essa rede, de isolar uma peça, sem
que essa não se desfie e se desmanche por todos os lados. A perder
de vista, a nossa volta, o universo se mantém por seu conjunto...
e não há senão uma maneira realmente possível
de o considerar, é tomando-o como um bloco inteiro” |
A física moderna nos ensina, com efeito, que independentemente
do seu aspecto corpuscular claramente definido e localizado, cada corpúsculo
atômico comporta um aspecto oposto complementar: o aspecto ondulatório.
A ação de um elétron, por seu aspecto ondulatório,
se estende ao universo inteiro. |
Existe uma presença potencial do aspecto ondulatório
de cada corpúsculo atômico que nos constituem, que se estende
até os últimos confins do universo {em expansão ou
não}. E reciprocamente, cada átomo das nebulosas situadas
nos abismos insondáveis de milhares de anos luz, está presente
em cada um de nós, em cada objeto, em cada grão de areia
de nosso planeta. La se encontra trabalhando a constante mas invisível
interpenetração mútua de todos os constituintes do
universo [uma explicação para a Astrologia?]. Tudo se comporta
como se o cosmos inteiro não fosse mais que um bloco imenso perfeitamente
homogêneo. Tudo está em tudo, verdadeiramente, com uma intensidade,
uma continuidade, uma profundidade tais que a imaginação
é impotente para conceber a mais fraca parte desta interfusão
universal. Repetindo - não diremos jamais suficientemente - afim
de que cada um se impregne profundamente: Tudo está em tudo; o universo
inteiro está em nós e reciprocamente. Parece a primeira vista
uma linguagem muito paradoxal vinda de um visionário ou poeta. Nada
é entretanto mais conforme à verdade ao mesmo tempo física
e metafísica. Assim escreveu T. Chardin: “O raio de ação
próprio a cada elemento cósmico deve ser prolongado por direito
até os limites últimos do mundo. Pois que o átomo
é naturalmente co-extensivo a todo espaço no qual ele se
situa, e já que este espaço universal é o único
que conhecemos , somos forçados a admitir que é esta imensidão
que representa o domínio de ação comum a todos os
átomos. Cada um deles tem por volume, o volume do universo inteiro.
O átomo não é mais o mundo microscópico e fechado
que imaginávamos... Ele é o centro infinitesimal do mundo”. |
Compreendemos enfim que um fragmento de matéria qualquer não
é somente constituído pela soma dos átomos que a compõe.
Há infinitamente mais que uma simples soma de elementos justapostos.
Mas esta perspectiva nova é tão diferente daquela que nós
aprendemos, e também daquela que nos oferecem os sentidos, que admitimos
com espanto e dificuldade. Existe uma força de ligação
que reata todo fragmento de matéria, todo átomo, ao universo
inteiro e reciprocamente. A energia inclusa nesta força de ligação
é considerável e faz parte integrante da matéria de
todo objeto, de toda coisa, de todo ser. Teilhard Chardin escreveu a esse
propósito: “Os centros inumeráveis que partilham em comum
um volume dado de matéria não são portanto independentes.
Alguma coisa religa uns aos outros, e os faz solidários. Longe de
se comportar como um receptáculo inerte, o espaço que enche
essa multidão age sobre ela à maneira de um meio ativo
de direção e de transmissão no seio do qual a pluralidade
se organiza. Simplesmente adicionados ou justapostos, os átomos
não fazem ainda a matéria. Uma misteriosa unidade os engloba
e os cimenta de um modo que nosso espírito se choca mas é
finalmente forçado a ceder”.
Compreendemos no presente como é ridículo considerar
um ser vivo, uma coisa ou um objeto quaisquer sob o angulo de um isolamento
ou de uma independência quaisquer que sejam. Nada é independente,
isolado. Tudo se sustenta. Pretender o isolamento de um objeto, tal como
um corta-papéis metálico, porque os sentidos da visão
e do tato lhe conferem contornos definidos e exatos é, de fato uma
infantilidade que é importante denunciar. A ação dos
átomos desse corta-papéis se estende a totalidade dos mundos
inter-estelares. Ela enche o universo inteiro até milhares de anos
luz com sua presença potencial. E reciprocamente, qualquer coisa
de cada um dos átomos situados nos últimos confins das galáxias
se acham no âmago desse corta-papéis aparentemente isolado.
É muito provável que, se essa qualquer coisa de proveniência
longínqua não está presente, uma modificação
notável na organização coletiva dos átomos
e das moléculas intervirá e dará um aspecto ao nosso
corta-papéis absolutamente irreconhecível. Milhares de liames
invisíveis mas intensamente ativos religam entre eles todas as partes
aparentemente separadas do universo. Isso ilustra de maneira impressionante,
não somente o fato fundamental das relações, mas também
a da interfusão universal. Esta interfusào universal é
o fato fundamental de cada segundo que se escoa, enquanto que, simultaneamente,
a um nível mais profundo, o campo unificado da criação
pura regenera as últimas profundezas do universo. É interessante
notar que isso que acabamos de dizer forma a base dos ensinamentos
do Avatamsaka Sutra o qual o Kegon, muito próximo ao Zen, nos tem
dado profundos desenvolvimentos. O fato da interfusão [interdependência]
esta ai. Quer pensemos nisso ou não, quer saibamos ou não,
a ação do aspecto ondulatório de todos os átomos
que nos constituem esta presente no universo inteiro. E reciprocamente.
Deste ponto de vista, o Satori não será outra coisa
do que uma tomada de consciência em nós desta interfusão
se bem que a um nível mais profundo, o campo unificado da criação
pura se revela em nós e por nós. A condição
da experiência viva da interfusão cósmica poderá
ser enunciada como segue: é indispensável deixar esta interfusão
“ser o que ela é” sem que intervenhamos por um ato de vontade ou
escolha. [caso essa intervenção fosse possível !].
Não devemos querer "interfundir". a Interfusão É.
Não devemos querer nos recriar segundo o ritmo do campo unificado
da criação pura. Ela se recria por si mesma. Não devemos
proceder à uma representação mental qualquer da interfusão
ou da ubiqüidade do campo unificado da criação pura.
Eles são autógenos, absolutos, onipresentes. Os despertos
nos ensinam que a “suprema bendição” nos é dada quando
isso que resta de nós se torna permeável, vulnerável,
disponível ao ritmo da criação do campo unificado
da criação pura, e a interfusão cósmica. |
Assim é dito no Tao: “Deixemos o império do Real ser
sua própria lei em nós”. A experiência do Satori ou
a “liberação” de um Krishnamurti não é pois
nenhuma projeção imaginativa, especulações,
dos “a priori”, nem dos estados de auto-hipnose resultando de uma meditação
sobre um determidado tema. O satori será realizado no instante quando
deixamos o campo unificado da criação retomar o lugar que
ele ocupa desde a eternidade. Para isto, todas as nossas interpretações,
nossas imagens as mais sutis relativas a esse campo devem previamente desaparecer
após terem sido evocadas. O mesmo para a interfusão. Esta
não será experimentada senão a partir do momento onde
qualquer traço de sua representação mental de interfusão
for banida de nosso espírito. Tratamos desse assunto porque ele
é interessante para os homens de uma certa cultura, quando de uma
primeira aproximação. Mas para a aproximação
última, dizem paradoxalmente os mestres Zen e do Ch’an, tudo
isso deve ser ultrapassado e esquecido. No seu discurso a seu discípulo
Thot, Hermmes Trimegisto disse que “o infinito se move em sua estabilidade”.
Este enunciado paradoxal parece ser bastante verídico. O homem é
uma imagem estampada desse processo universal de interfusão, de
interações no âmago de uma estabilidade aparente tanto
quanto provisória. Qual significação teriam um fígado,
um rim sem o conjunto do organismo no equilíbrio do qual eles contribuem?
Somente a interligação, a interação e a organização
do conjunto dão, tanto ao indivíduo global como aos órgãos
particulares, sua plena significação. Do mesmo modo que uma
pedra é exteriormente estável, tomada em bloco e de maneira
superficial, malgrado sua estabilidade exterior, tudo se movimenta intensamente
em profundidade, do mesmo modo a totalidade universal se move intensamente
ao longo de sua aparente estabilidade exterior. Do mesmo modo que o homem
parece a primeira vista uma individualidade imutável cuja aparente
continuidade, e a vida mesma, são baseadas sobre a interfusão
rápida e complexa da circulação sangüínea,
alimentando os órgãos separados mas interdependentes. Igualmente
a totalidade universal vive ao ritmo de uma interfusão prodigiosa
entre os elementos aparentemente separados que a constituem. |
Segundo uma antiga imagem indiana, a interfusão infinitamente
complexa e sutil é o “respirar” da realidade universal. O ritmo
de renovação do campo unificado da criação
será a fonte de vida subjacente a esse “respirar” fundamental. Tudo
que foi dito se aplica ao universo exterior ou mundo manifestado, de modo
que nosso pensamento pode concebe-lo e compreende-lo nos limites do tempo
e do espaço. Os mestres do Ch’an e do Zen vão muito
mais em profundidade, em direção a que alguns filósofos
chamam de “noumeno” ou mundo não manifestado. A exposição
que acabamos de fazer serve de aproximação intermediária
entre essas duas faces opostas e complementares do Real. |
OS KOANS E O “MONDO”
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Os koans são enunciados de pensamentos paradoxais empregados
pelos mestres Zen para dar um choque psicológico a seus discípulos.
São também questões que não podem ser resolvidas
pelo pensamento e criam um grande estado de tensão intelectual que
pode ser seguido por uma experiência interior [satori]. O “mondo”
é apresentado mais comumente sob forma de perguntas e respostas
tendo o mesmo fim. Os dois forçam o discípulo a realização
do silêncio mental e projetam uma espécie de obstáculo
sobre suas agitações. Graças a esse silêncio,
os níveis mais profundos da consciência podem se manifestar.
Eis aqui um exemplo de koan seguido de nossos comentários. |
1 - No início as montanhas são as montanhas.
2 - No meio as montanhas não são mais as montanhas.
3 - No final, as montanhas são novamente as montanhas.
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A primeira vista, esses enunciados parecem uma mistificação.
Na verdade eles estão cheios de ensinamentos. A interpretação
correta desse texto permite dar uma visão panorâmica das etapas
que conduzem ao satori segundo o Ch’an e o Zen. |
Ao longo da fase antecedente a toda procura não colocamos nada
em dúvida, não refletimos sobre os grandes problemas da existência.
Deixamos os outros pensarem por nós. Quando vemos, nós dizemos
muito simplesmente: “Essas montanhas são montanhas”. Os contornos
exteriores representam a nossos olhos a única realidade. Os
rochedos não são mais que rochedos, a terra é a terra.
Quando começamos a despertar para a busca interior, descobrimos
que as imagens que nos dão nossos sentidos ao contato com o mundo
exterior não corresponde à realidade. Vemos que nada é
imóvel. Tudo se move, tudo se transforma. Em lugar dos rochedos,
da terra e das montanhas, descobrimos a ação duma energia
prodigiosamente ativa animando partículas estranhas que se movem
com a velocidade da luz. Sabemos, seja por intuição, seja
por pesquisa científica, a vida secreta e a natureza profunda de
toda matéria. Os aspectos de superfície e sua multiplicidade
de nuances são secundários diante de uma essência comum
de natureza energética formando sua realidade de profundidade. Quando
olhamos as montanhas, ao longo dessa fase, elas não são mais,
para nós, as mesmas montanhas de antes. Elas parecem miragens desprovidas
de qualquer consistência real. No início de nossas buscas,
temos tendência a nos orientar para uma atitude de oposição
extrema à nossa primeira atitude. Sofremos a tal ponto a magia encantadora
da realidade profunda das coisas, que esta luz interior mascara à
nossos olhos sua aparência de superfície. A matéria
se tornou para nós o véu, a ilusão [maya] e dizemos:
“as montanhas não são mais as montanhas”. Chegaremos a discernir
um dia que não existe nenhuma cisão entre o mundo material
tal como o vemos em superfície e a pura essência da Mente
Cósmica em profundidade. Essas distinções resultam
duma falta de penetração e da faculdade de síntese
de nosso espírito. Tudo é a Mente Cósmica. Nem um
grão de areia esta fora desta Totalidade Una. Desde esse instante,
quando nosso olhar pousa de novo sobre as montanhas, dizemos como no início:
”as montanhas são as montanhas”. Mas situamos suas aparências
materiais no lugar justo que elas ocupam em um conjunto infinitamente mais
vasto e profundo. As montanhas não são mais absolutamente
uma ilusão. A noção de ilusão ou de maya provém
de um vício de funcionamento em nosso espírito. É
esse ultimo que nos dá dos seres, das coisas e de nós mesmos
noções ilusórias. Quando o Desperto diz: “as montanhas
são as montanhas”’ essas palavras exprimem um estado de visão
panorâmica englobando as aparências de superfície e
a realidade profunda. Seus olhos lhes dão uma imagem do mundo exterior
condicionada por sua escala de observação física enquanto
que, simultaneamente, a Mente Cósmica se revela como sendo a única
realidade das montanhas ao nível das profundidades últimas.
Quando de nosso contato com o Prof. D. T. Suzuki, o eminente especialista
do Zen nos apresentou o seguinte koan: “Quando eu entendo, eu vejo; e quando
eu vejo, entendo”, o que parece menos paradoxal. Por isso, devemos compreender
que na experiência do satori nossa percepção das coisas
não é distinta mas global, mas isso não diminui nada
a capacidade que nós temos de perceber claramente a singularidade
das coisas em um certo nível. Quando capto o som de um sino longínquo,
duas possibilidades se apresentam na minha maneira de reagir. Ou bem estou
distraído, sem nenhuma profundeza de percepção e a
experiência é banal. Ela se limita a simples audição
de um som que não tem nenhum dom de me emocionar ou de me revelar
o que quer que seja. Fico fechado em mim mesmo. O sino e o som são
fenômenos completamente estranhos que não me interessam. Ou
bem eu estou “desperto”, nesse caso, todas as provocações
do meio, quer sejam visuais, auditivas, olfativas, táteis, me revelam
a unidade e a interdependência dos seres e das coisas. Quando entendo
o som de um sino longínquo, sou eu em certo sentido - pela Mente
Cósmica - a essência energética desse sino. Sou as
moléculas do ar que ele faz vibrar, sou a onda sonora que se propaga
no espaço. Sou a essência mesma do espaço. Estando
atento à natureza profunda de todas as coisas, todo evento exterior,
todo movimento me permite vibrar em perfeita identidade de essência
comum por uma ressonância secreta se renovando de instante em instante.
Num certo sentido tudo que vejo, eu percebo através desta realidade
mais profunda. Não se trata de uma auto-sugestão, nem duma
criação mental qualquer. Ao contrário. Tudo que escuto,
compreendo através desta identidade insondável. Ela acaba
por ocupar a meu ver um lugar de tal modo preponderante que é ela
que forma a nota dominante de todas as percepções distintas.
Ao final desse processo eu posso dizer efetivamente: “Quando entendo, eu
vejo; quando eu vejo, entendo”. |
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Extratos do livro de
Robert Linssen - “LE ZEN” - Ed . Marabout Université
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