UM POUCO DE ZEN
 
 
  
Céu e terra tem a mesma raiz.
Tudo é Um.
A forma visível das coisas não é diferente do vazio,
que é sua natureza essencial.
Um “satori” fraco é  aquele em que o mundo do vazio
é ainda visto como diferente do mundo das formas.
Sua mútua interpenetração ainda não foi percebida.
A mente é a verdadeira natureza das coisas.
Buda é Mente.
A Mente não está no interior, nem no exterior, 
nem entre os dois.
Não é o Ser ou o Não-Ser, o Nada ou o não-Nada.
Portanto é chamada a Mente sem morada.
A Mente transcende todas as formas, 
mas é inseparável delas.
Qual é a substância desse Buda ou Natureza-Dharma?
No Budismo se chama “KU” (Vazio).
Ora, o “KU” não é apenas o esvaziamento.
É aquilo que esta vivendo, dinâmico, carente de volume,
não fixo, para além da individualidade ou personalidade.
A Matriz de todo o fenômeno.
Temos aqui o principio fundamental, a Doutrina, ou a Filosofia  Budista. Com a experiência da iluminação, que é a fonte de toda doutrina budista, percebemos o mundo de “ku”. Este mundo não fixo, carente de conteúdo, para além da realidade ou da personalidade [existe fora do domínio da imaginação]. De acordo com isso, a verdadeira substância  das coisas, isto é, sua Natureza-Buda ou “Dharma”, é inconcebível e inescrutável. Uma vez que tudo que é imaginável compartilha da forma e da cor,  seja o que for  que se imagine ser a Natureza-Buda deverá ser necessariamente irreal. A mente do ego (falso-eu), e a Mente Cósmica (Mente) são dois lados da mesma Realidade. Quando se compreende a verdadeira natureza do Universo sabe-se que não existe realidade nem objetiva nem subjetiva. Nesse mesmo instante estruturas “Kármicas” que carregariam você ao mais profundo dos infernos são apagadas. Esta verdadeira natureza é a raiz substância de todo ser sensível. O homem custa a se convencer que sua própria mente é a Grandiosa Integridade compreendida por Buda, por isso se apega a formas  superficiais e olha  para a verdade fora de sua mente, lutando para ser um Buda, através de práticas  ascéticas. O que busca e não encontra ainda, esta amarrado por suas ilusões dos dois mundos:  um da perfeição que esta além , de paz sem luta, de alegria sem fim ; outro o mundo do cotidiano do sofrimento e do mal , sem sentido, com o qual vale muito pouco a pena se relacionar. Secretamente ele deseja o primeiro , mesmo porque abertamente despreza o último. Entretanto ,  hesita em mergulhar no fecundo Vazio, no abismo de sua própria Natureza-Original , porque , na sua  mais profunda inconsciência , receia  abandonar seu mundo familiar de dualismo  pelo mundo desconhecido da Unidade, de cuja realidade ainda duvida. Neste mundo há incontáveis objetos e cada um é , respectivamente, o mundo inteiro. Quando alguém chega a compreender esse fato, percebe que cada objeto, cada ser vivo é o todo, mesmo  que ele próprio não  compreenda.[...]
Se  compreendemos o corpo de Budha,
não existe mais NADA
- Fonte original,
nossa própria natureza
é o puro e verdadeiro Budha - 
Esse verso do Sutra Shodoka, “O canto do Satori imediato”, de Yoka Daïshi, significa que, se compreendemos a realidade, se obtemos a realização completa, nosso corpo torna-se Budha. Tornar-se Budha significa receber e apreender a vida Cósmica. Temos de compreender que nosso corpo e o Cosmos não estão separados; eles formam uma unidade. A essência do sutra do Hannya Shingyo é:
Shiki soku ze ku 
Ku soku ze shiki
Os fenômenos não são diferentes do vazio,
o vazio não é diferente dos fenômenos.[...] [1]
VACUIDADE [Subconsciente] pode ser descrita como possuidora de dois aspectos. Primeiro, ela é apenas o que é. Depois, é realizada, falando impropriamente, essa consciência [Prajna] está em nós, ou melhor, nós estamos “nela”. E aqui, como é natural, o espelho da “mente” não é a “nossa mente” mas , a própria  VACUIDADE, o Subconsciente manifestado e consciente em nós mesmos. Hui Neng o descreve nos seguintes termos:
Quando a luz do Prajna penetra no terreno da natureza da consciência, ilumina interna e externamente; tudo se torna transparente e o homem reconhece a própria mente interna. Reconhecer a própria mente interna eqüivale à emancipação... o que significa à compreensão do Subconsciente [wu nien]. E o que é o Subconsciente? É a capacidade de ver as coisas como elas são, e de não se apegar a coisa alguma... Ser subconsciente significa ser inocente da atividade de uma mente relativa [empírica]... Quando não se registra a permanência do pensamento em nenhuma parte ou em nada isso é ser livre. Essa impermanência em parte alguma é a raiz de nossa vida. Consequentemente, o Prajna não é alcançado quando alguém atinge o mais profundo centro interno do “próprio” ser. Não consiste na “permanência” em um ponto místico secreto do “próprio ser”, mas permanência em parte alguma em particular, no ser ou fora dele. Não consiste na auto-realização como afirmação do “próprio” ser limitado, ou no gozo da própria essência espiritual interna mas, ao contrário  é isenta da necessidade de auto-afirmação e auto-realização de qualquer espécie. Numa palavra, Prajna não é auto-realização mas realização pura e simples além do sujeito e do objeto. Evidentemente, numa realização desse tipo a “VACUIDADE”  já não mais se opõe à PLENITUDE, porque VACUIDADE E PLENITUDE SÃO UM O ZERO É IGUAL AO INFINITO. Onde existe “alguma coisa”, um objeto definido ou limitado, não é possível existir a “Plenitude”. Mais uma vez, a VACUIDADE de todas as formas limitadas é a plenitude do UM: entretanto, o UM jamais deve ser encarado como uma forma isolada. Para evitar essa tentação, os mestres Zen sempre se referem a VACUIDADE.
Para Hui Neng o verdadeiro Dhyana consiste em viver no meio das formas  e dos seres sem ficar obcecado ou atraído por qualquer delas. Aqueles que reconhecem um mundo objetivo e não sentem a mente perturbada, estão no verdadeiro Dhyana. É por isso que os mestres Zen da escola de Hui Neng tanto insistiram sobre o fato de que o Zen é a nossa mente cotidiana. Uma vez que não se pode encontrar a VACUIDADE do Prajna entre tantos conceitos e contradições, não se pode também encontrá-la seja onde for porque, de fato e antes de mais nada, não está em parte alguma. Por esse motivo, é tolice afirmar que não se encontra nas coisas cotidianas, mas na atividade do espelho primitivo. E uma vez que não está em parte alguma, não precisamos abandonar o lugar em que nos achamos  para procurá-lo alhures mas, sim, esquecer todos os lugares como igualmente sem importância, porque, procurar o ILIMITADO num lugar definido é o mesmo que limitá-lo e, por isso não encontrá-lo.[...] [2]
[1] - Shodoka (trechos) - de Yoka Daïchi - Tradução e comentários de Taïsen Deschimaru
[2] - Místicos e Mestres Zen - Thomas Merton

 
 
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