BRASÍLIA. Apesar das recomendações contrárias do Itamaraty, o presidente Fernando Henrique Cardoso fez questão de cumprimentar ontem o líder espiritual do Tibete e Prêmio Nobel da Paz em 1989, o Dalai Lama, que passou o dia na capital federal. Para não dar um caráter oficial ao encontro e evitar problemas diplomáticos com a China, que invadiu o Tibete há 50 anos, Fernando Henrique se reuniu com o Dalai Lama na casa do presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA). A conversa durou 20 minutos e o presidente não permitiu que fosse registrada por fotógrafos ou cinegrafistas. O porta-voz da Presidência, Sérgio Amaral, disse que o encontro teve caráter estritamente pessoal, e não político. Apesar da insistência do Governo federal em classificar a conversa como informal, grupos ligados à luta pela autonomia do Tibete consideraram a conversa uma vitória. Fontes diplomáticas admitem que a aproximação entre o Dalai Lama e o presidente brasileiro não deve ter agradado o Governo chinês. Até minutos antes de Fernando Henrique chegar à residência oficial do presidente do Senado, seus assessores não confirmavam o encontro com o líder espiritual do Tibete. O comitê organizador da visita de Dalai Lama ao Brasil tinha tentado marcar uma audiência oficial com Fernando Henrique, mas não conseguiu. Antônio Carlos admitiu que, a princípio, receberia o Dalai Lama no Senado, mas acabou transferindo o encontro para sua casa, o que tornou mais fácil a participação de Fernando Henrique. - Com o encontro aqui, ficou mais fácil para o presidente. Por sugestão do Itamaraty, Fernando Henrique tinha orientado os ministros para que não recebessem em audiência nem prestigiassem o Dalai Lama. A justificativa era que qualquer encontro de autoridades brasileiras com o líder tibetano poderia abalar as relações diplomáticas com a China, um parceiro comercial importante para o Brasil. Diplomatas fizeram um alerta para a postura rígida do Governo chinês em relação aos países que apóiam formalmente a independência do Tibete. Antônio Carlos, no entanto, ironizou as recomendações. - Acho que o Itamaraty ficou alheio ao problema - disse o senador, ao final do encontro com o líder espiritual do Tibete. Antônio Carlos contou que, durante a conversa com o Dalai Lama, regada a chá preto, ele e o presidente mais ouviram do que falaram. O senador garantiu que a luta pela independência do Tibete não foi incluída na conversa. O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), que participou do encontro, tentou abordar a situação política do Tibete, mas Fernando Henrique desviou o assunto polidamente. O deputado considerou o encontro "um fato histórico", por favorecer o início de uma reflexão no Brasil sobre os direitos do Tibete, sem prejuízo da relação do país com a China. - O presidente aproveitou a visita do Dalai Lama à minha casa para cumprimentá-lo. Eles conversaram sobre assuntos normais da política do país e do mundo. Falaram sobre atualidades, democracia, a situação na Europa, especialmente na Iugoslávia. Não se tratou da independência do Tibete, nem seria o momento para isso. O Dalai Lama falou na maior parte do tempo sobre a paz e o Tibete - contou o senador. Segundo Antônio Carlos, em nenhum momento o presidente pareceu constrangido: - Se estivesse constrangido, ele não viria. Após a conversa, o Dalai Lama foi para o Congresso, onde teve um encontro com o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP). Em conferência no Salão Negro, o Dalai Lama defendeu a autonomia do Tibete como a única maneira de se preservar a tradição cultural tibetana. O líder budista criticou a violação dos direitos humanos e a depredação do meio ambiente no Tibete desde a invasão chinesa, mas se disse aberto ao diálogo. - Por mais de 20 anos tenho apresentado uma solução intermediária, com concessões recíprocas, mas nunca recebi resposta. Estou pronto para o diálogo, onde for e quando for- disse. O líder tibetano reafirmou que abrirá mão de seu cargo de chefe do Governo no dia em que o Tibete atingir sua autonomia e defendeu que o Governo tibetano seja composto por pessoas eleitas democraticamente. Apesar de se dizer um budista ferrenho, Dalai Lama elogiou a diversificação religiosa no Brasil e defendeu a unidade entre as várias religiões. Ao sair, abraçou duas deficientes físicas que assistiram à palestra em cadeiras de rodas. Uma delas, Suzana Tessmann, de 23 anos, não conseguiu conter o choro. O Dalai Lama começou
o dia ontem falando para cinco mil pessoas na Celebração
pela Paz e Renovação da Esperança, na Universidade
de Brasília (UnB), com a presença de líderes de várias
tradições religiosas. Sempre desculpando-se pelo inglês
imperfeito, o líder tibetano centrou a palestra na defesa da paz
espiritual e da união entre os povos. Mais tarde, recebeu o título
de doutor honoris causa na universidade.
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