Índice

Index
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Introdução
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A História da Pesquisa
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Das Populações Pré-históricas da Ilha de Santa Catarina
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Terminologias e Convenções para o Estudo da Arte Rupestre
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As Possibilidades de Estudo do Material Rupestre
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Análise Comparativa
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Descrição do Material Rupestre da Ilha de Santa Catarina 
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Análise e Documentação
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Os Sítios de Arte Rupestre
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Considerações Finais
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Referências Bibliográficas
 

Das populações pré-históricas que
habitaram a Ilha de Santa Catarina

Há uma grande dificuldade em se identificar os autores da arte rupestre da Ilha de Santa Catarina, que se dá ao fato de existirem três tradições que habitaram a região em períodos pré-coloniais:  os caçadores e coletores, os Itararé e os Guarani

Torna-se necessário conhecer cada vez mais estas três tradições, a fim de reconstituir os elos quebrados deste passado. Infelizmente, muitos sítios arqueológicos foram completamente destruídos, e os que sobraram (alguns intactos e outros apenas parcialmente preservados), devem ser estudados com urgência, a fim de que se salve toda informação possível.


Caçadores e coletores

A pré-história da Ilha de Santa Catarina tem início com as populações de caçadores e coletores, construtoras dos sambaquis. Sua presença na Ilha está marcada, até o presente momento, pela data mais antiga de 4500 AP com os sítios arqueológicos do Pântano do Sul (Rohr, 1977) e Ponta das Almas (Beck, 1972). Eram indivíduos pré ceramistas e praticavam pinturas corporais, segundo evidências arqueológicas - corante vermelho impregnado nos esqueletos - ( Rohr, 1962: 07;).

A palavra sambaqui é derivada do guaraní: Tambá - concha e Qui - monte (Rohr, sem data). Os sambaquis são montes de carapaças de moluscos e outros restos da alimentação dos caçadores e coletores, juntamente com grande parte de sua cultura material. Era comum a prática de enterramentos dentro dos sambaquis. Estes sepultamentos podiam ser estendidos, fletidos ou semi-fletidos, carregando na maioria das vezes alguma espécie de mobiliário funerário (Rohr, 1959: 211; De Masi, 1991: 155) - machados, seixos, colares de dentes ou vértebras, pontas de flecha, entre outros - acompanhados muitas vezes de resíduo de tinta. 

Winner, estudando os Sambaquis de Santa Catarina e do Brasil, atribuiu a estes três categorias, verificando que possuíam as mesmas características. Um primeiro, pouco alto porém muito extenso, chamou de trincheiras. Em segunda instância, temos os sambaquis de encosta de morros e, finalmente, os mouds, sambaquis de grandes dimensões, com alturas fantásticas. Segundo Winner, eram construídos dentro destas três modalidades para um fim específico, um monumento (Bastos, 1994: 15). 

Aproveitavam todo o recurso natural disponível, desde coleta de moluscos, caça, pesca até coleta de frutos e vegetais. Para se fixarem, os caçadores e coletores da Ilha de Santa Catarina geralmente escolhiam um local próximo a dois ambientes subaquáticos: do mar, que oferecia grande quantidade de alimentos, e de alguma fonte de água doce.
 

Sua cultura material consistia em variada instrumentação lítica polida ou simplesmente lascada (machados, adereços fuseiformes, raspadeiras, batedores, quebra-coquinhos e zoólitos - esculturas de animais em pedra - em alguns casos), estando presente também a indústria óssea (pontas de flecha, recipientes e outros instrumentos de ossos de baleia, tembetás, etc.).

Em Santa Catarina encontram-se os maiores sambaquis do mundo, chegando alguns a atingir 30 metros de altura, como é o caso do sambaqui da Carniça (Rohr, 1959: 201). A ação predatória das indústrias de cal levou grande parte dos sambaquis a total destruição. Sua exploração data desde o tempo da colonização, com a utilização de suas conchas na construção de casas e pavimentação de estradas (Rohr, 1960: 6 e 9). Mais tarde veio a indústria de cal e finalmente a destruição para construção de imóveis, sendo que esta dura até hoje. Os proprietários de terrenos destroem todo o tipo de sítio arqueológico para que seus imóveis não sejam embargados.
 

Os Itararé

Uma segunda tradição que habitou a região da Ilha de Santa Catarina foi a Itararé. Eram ceramistas que viviam da caça e coleta, porém cogita-se a possibilidade de terem sido também horticultores, teoria que é colocada em questionamento devido a ausência de cáries desta população do litoral, podendo ser associada a ausência de carboidrato na alimentação (Neves in Silva, 1988: 42). Sua cerâmica rudimentar e sem decoração, cuja cor varia de pardacento escuro a preto, tinha caráter exclusivamente utilitário, usado no preparo de alimentos. Esta cerâmica pode ser o indicador de que os itararé vieram do Planalto.

Dentro das poucas datações que se dispõe, estão 1140 AP para o sítio da Tapera e 800 AP para a Base Aérea (De Masi, 1992: 212 e 213). Aparecem ainda os sítios do Rio Lessa (sem data) pesquisado por Beck, e os indicados por pequenas coletas de superfície como em Ponta das Canas, Ingleses, Ilha dos Corais (mencionado por Rohr, 1969: 28) e Ilha do Campeche.

Escolhiam geralmente a planície das areias da praia para montar as suas aldeias, podendo em alguns casos reocuparem os sambaquis de caçadores e coletores.

Sua cultura material é bem variada, aparecendo instrumentos de pedra lascada e polida (machados, raspadeiras, batedores e adereços fuseiformes, entre outros), indústria óssea e a já mencionada cerâmica. Assim como os caçadores e coletores, aparecem evidências arqueológicas de que os Itararé faziam pintura corporal, identificadas pela presença de pigmento vermelho em esqueletos - Sambaqui do Rio Lessa - (Beck, 1972: 193). Seus sepultamentos muitas vezes estão dispostos em semi-círculos ou segmentos de círculos, o que sugere a prática de cemitérios domiciliares, como é o caso da Tapera (Ilha de Santa Catarina) e da Praia das Laranjeiras (Balneário Camboriú) (Silva, 1988: 36). O fato dos sepulamentos estarem dispostos e círculos ou segmentos de círculos revela que suas habitações eram provavelmente de forma circular.

Alguns pesquisadores, entre eles Miller Jr., associam o itararé com os grupos históricos Kaingáng e Xokleng, pertencentes ao tronco Jê (Silva, 1988: 41).
 
 
 
 

Os Guarani

Os guarani da Ilha de Santa Catarina, conhecidos como Carijó (Rohr, 1959: 07), foram os indios que tiveram contato com o europeu colonizador. Pouco se sabe sobre esta tradição antes da colonização, pois poucos estudos arqueológicos foram feitos.

Os Carijó chamavam a Ilha de Santa Catarina de Jururê-mirin, que quer dizer boca pequena (Rohr, 1959: 200). Cultivavam a mandioca e o cará (Silva, 1988: 52), explorando paralelamente a caça, pesca e coleta. Sua cerâmica na Ilha de Santa Catarina, apresenta as decorações corrugada, ungulada e pintada.

Foram coletados alguns cacos de cerâmica com estas decorações na praia de Naufragados e Pântano do Sul. Nesta pesquisa dedicou-se especial atenção a cerâmica pintada, utilizando seus elementos para uma análise comparativa.

Além destes dois, ainda tem os sítios do Rio Tavares (Piazza, 1965), uma reocupação no sítio da Tapera (Pesquisado por Rohr e analisado por Silva, 1988), uma reocupação na Base Aérea (Rohr, 1958), Praia dos Ingleses.

A cerâmica possuía um papel importante nas comunidades guarani, sendo utilizada tanto para o preparo e estocagem de alimentos, como para rituais de enterramento, onde aparecem na forma das famosas urnas funerárias, também conhecidas como igaçaba, palavra do vocabulário Tupi que significa recipiente para guardar água ou qualquer outro tipo de líquido: Ig - líquido, água e Çaba - receptor, vaso (César, 1974: 15 e 16).

Peter Paul Hilbert coloca a possibilidade de se tratarem de enterramentos secundários, opinião compartilhada por Piazza no caso da Ilha de Santa Catarina (Piazza, 1965: 70). Já César divide os enterramentos Tupi-guarani em primários e secundários, e acrescenta que os Carijó praticavam o enterramento primário (César, 1974: 16).

Schmitz acredita que a cerâmica pintada da Ilha de Santa Catarina tenha sido usada para fins mais nobres, como servir bebidas e alimentos ou preparar bebida fermentada nas grandes igaçabas, dentro das quais, posteriormente, enterravam os mortos. (Schmitz, 1959: 275). Acredita também que estes enterramentos em igaçabas são de modalidade primária (Opcit: 286 e 287).

Apesar de, muitas vezes, os sítios guaraní serem estabelecidos em taperas de antigas aldeias itararé, não foi observado nenhum sinal de mestiçagem (Silva, 1988: 14 ). Também buscavam a areia de praia para estabelecer suas aldeias, local ideal para cultivar a mandioca. Mais raramente reocupavam os sambaquis de caçadores e coletores. A entrada dos guarani em Santa Catarina se deu pelo Rio Uruguai e seus afluentes, expandindo-se até chegar ao litoral.

As evidências etno-históricas indicam que os guaraní também faziam pintura corporal (Metraux, 1948).

Com a chegada do homem branco, os carijó, assim como a maioria dos índios do estado de Santa Catarina e do restante do Brasil, caminharam gradativamente à extinção. As pestes trazidas pelo colonizador associada às caçadas aos índios reduziram, dramaticamente, o número de indivíduos, forçando-os a entrarem cada vez mais para dentro da mata virgem.

O seu número, porém, descia rapidamente, porque os caçadores brancos os matavam sem dó nem piedade, onde quer que os encontrassem. (...) Estavam sendo dizimados de contínuo por doenças, bexigas, gripes e, sobretudo, pelas bebidas alcoólicas. Em virtude do seu estado de miséria, eram pacíficos.

(...)Por causa de seu caráter pacífico, os carijós caíram facilmente vítimas dos mamelucos bandeirantes e foram rapidamente extintos por completo.

ROHR, João alfredo.Contribuição para a Etnologia Indígena do Estado de Santa Catarina. Florianópolis: Imprensa Oficial, 1950, Pág. 08.

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