Economista lança livro em defesa das armas

Na contramão da opinião pública americana, traumatizada após ataques a escolas, John Lott afirma que a proliferação dos revólveres seria o melhor remédio contra a onda de violência

 

MONICA YANAKIEW
Correspondente


WASHINGTON - O Pentágono, que há dois meses e meio está empregando a mais alta tecnologia militar para bombardear a Iugoslávia, sofreu menos perdas nessa guerra não declarada do que as escolas dos Estados Unidos. Desde o dia 20 de abril, 15 pessoas morreram e outras 29 foram feridas, em dois ataques armados, realizados por adolescentes contra seus próprios colégios. Nos últimos 20 meses, 30 pessoas morreram e 71 foram feridas, em oito ataques às escolas americanas.

Mas o surto de violência - atribuído à nova cultura eletrônica (excesso de televisão, videogames e informações não controladas, divulgadas pela Internet) e aos valores tradicionais da Constituição americana (que permite o uso de armas para a defesa da liberdade) - só mobilizou o Congresso agora. Contrariando a poderosa Associação Nacional do Rifle (NRA), presidida pelo ator Charlton Heston, os parlamentares estão respondendo aos apelos da sociedade para acabar com a violência, controlando melhor a venda de armas.

Mas alguns - como o economista John Lott, de 40 anos - acha que essa não é a saída. Em seu polêmico livro Mais Pistolas, Menos Crimes, que ele espera traduzir e publicar no Brasil, Lott tenta provar o contrário.  


 

Estado - No momento, a maior parte da opinião pública americana atribui a violência ao excesso de armas. Por que acha o contrário?  

John Lott - Não acho que exista uma relação entre o número de pistolas e a violência. Existem países como a Suíça, a Nova Zelândia e a Noruega que têm mais armas por habitante que os Estados Unidos e os menores índices de criminalidade no mundo. E existem Estados americanos, como Vermont, New Hampshire e Maine, que também têm mais revólveres e menos violência que outros. Já no México, onde possuir armas é ilegal, o índice de criminalidade é alto.  

Estado - Por qual motivo mais armas levam a menos crimes?  

Lott - Cheguei a essa conclusão depois de examinar os índices de criminalidade de todos os 3.054 condados nos Estados Unidos, durante 18 anos. Nesse período, muitos Estados adotaram leis mais liberais, que permitem aos cidadãos com bons antecedentes portar armas. Outros Estados são mais rigorosos e requerem que a pessoa interessada em carregar consigo um revólver prove ao xerife que precisa da arma para se proteger. Descobri que depois da aprovação de leis facilitando o porte de armas o número de assassinatos caía 3% a cada ano e o número de roubos caía 2%.  

Estado - Os assassinos e ladrões também podem se beneficiar dessas leis. Por que, na sua opinião, aconteceu o contrário?  

Lott - Porque as armas servem para coisas ruins, mas também para coisas boas. Em 1997, os americanos tinham 240 milhões de pistolas e cometeram 430 mil crimes violentos com elas. Se cada pistola foi usada duas vezes, apenas 0,09% delas foram usadas em crimes, o que é pouco. Em compensação, naquele mesmo ano os revólveres foram usados em 2 milhões de ocasiões para impedir crimes violentos, ou seja, cinco vezes mais que para cometer crimes. E isso não inclui a utilização de armas pela polícia, que não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo para defender os cidadãos.  

Estado - Se é assim, por que a opinião pública acha que ter armas é ruim?  

Lott - Porque só as coisas ruins são noticiadas. Se muitas crianças morrem num ataque a uma escola é notícia. Se um cidadão escapa da morte, porque apontou uma arma contra seu agressor, não estará nos jornais. Veja o que aconteceu naquele primeiro ataque a uma escola, no Mississippi, em 1997. Um adolescente atirou contra nove alunos, matou dois e poderia ter matado mais, não fosse um funcionário do colégio que correu até seu carro para pegar seu revólver. Ele imobilizou o rapaz durante 5 minutos, até a polícia chegar. Poderia ter agido antes, mas uma lei recentemente aprovada proíbe o porte de armas nos mil pés (cerca de 300 metros) que rodeiam uma escola.  

Estado - Então a solução para evitar a violência nas escolas seria armar todos os professores?  

Lott - Não é preciso armar todos os professores. Basta que um ou dois ou mais estejam armados. Se você entrar num restaurante onde cem pessoas estão almoçando, para fazer um assalto, e souber que nenhuma delas está armada porque a lei proíbe o porte de armas, estará mais segura. Mas se souber que qualquer uma ou todas as pessoas podem estar armadas, pensará duas vezes antes de agir.  

Estado - Mas violência não gera violência? No Brasil, o conselho é não resistir a um assalto para escapar com vida.  

Lott - As estatísticas daqui provam que mulheres que têm atitude passiva têm 2,5 vezes mais chances de sair feridas de um ataque do que aquelas que têm armas.  

Estado - E os acidentes? Não existe risco de crianças brincarem com as armas dos pais e se machucarem?  

Lott - Os acidentes existem, mas são poucos. Em 1966, 643 crianças com menos de 15 anos morreram por causa de revólveres. Essa cifra inclui acidentes, assassinatos e suicídios. Não é muito, num país onde 80 milhões de pessoas têm 240 milhões de pistolas. Naquele mesmo ano, 600 crianças na mesma faixa etária morreram em acidentes de bicicleta, 950 morreram afogados em piscinas, 1,1 mil morreram em incêndios em casa e 3 mil morreram em acidentes de carro.  

Estado - Como é que um economista como o senhor foi pesquisar esse assunto?  

Lott - Economistas medem custos e benefícios. Nesse caso, eu queria ver se o número de crimes caía quando o custo para cometê-los aumentava. E descobri que os criminosos são como qualquer outro ser humano: se sabem que correm o risco de morrer, na hora de matar, pensarão duas vezes.

Estado - Mas existem aqueles, como os dois adolescentes que mataram 13 na sua escola em Littleton, no Colorado, e depois se suicidaram, que não se importam em morrer.  

Lott - É verdade. Os participantes desse tipo de ataque público normalmente não estão preocupados com a sua própria vida e sabem que provavelmente morrerão. Mas querem outra coisa: matar o maior número possível de pessoas para chamar a atenção. Se souberem que só conseguirão matar um ou dois colegas, em vez de 13, podem achar que não vale a pena morrer por tão pouco.  

Estado - Mas podem também achar que a melhor forma de matar todo mundo é usando bombas, em vez de revólveres. E que arma pode ser usada para dissuadi-los nesse caso?  

Lott - É verdade. Esse é um risco. Em Israel, depois que todos passaram a andar armados aumentaram os ataques a bomba. Mas isso não aconteceu aqui.  

Estado - No Brasil existe também o problema das balas perdidas. Isso não é um problema nos Estados Unidos?  

Lott - Nesse caso estamos falando das vítimas de um tiroteio entre gangues. Esses tiroteios existem e continuarão a existir, mesmo que o governo decida limitar a venda de armas. As gangues estão lutando para preservar seus pontos de venda de drogas, ou seja, por um negócio que dá muito dinheiro e pelo qual vale a pena matar. Agora eu pergunto: se amanhã a posse de armas nos Estados Unidos for considerada ilegal, quem entregará suas pistolas ao governo? Os cidadãos que obedecem às leis serão os primeiros. Os criminosos continuarão com suas armas e terão meios para comprar outras, mesmo que a venda seja proibida.  

Estado - Existe algum caso assim?  

Lott - Existe o caso da Austrália que, a exemplo da Inglaterra, fez o que o Brasil quer fazer agora: recolheu as armas e aprovou uma lei, proibindo a fabricação de armas automáticas e semi-automáticas. O resultado foi o oposto: o número de crimes com pistolas aumentou, porque os cidadãos que obedecem à lei não tinham mais como se defender dos criminosos.

 


Publicado em O Estado de São Paulo - 06/06/99


     

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