Uma entrevista com o Dr. Michael Behe,
bioquímico e autor do recente best-seller, A Caixa Preta de Darwin [editora
Jorge Zahar]
Dr. Mike Behe, professor adjunto de bioquímica na Lehigh University, foi um dos que apresentaram um trabalho na 1996 Mere Creation conference .
RI: O que foi mais importante em participar da conferência da Simples
Criação?
Behe: Eu acho que esta conferência foi inovadora, quase histórica. Me
deixe ilustrar isto com meu próprio exemplo: mais ou menos oito anos atrás eu cheguei à
conclusão de que a evolução Darwiniana era incapaz de explicar dados no meu próprio
campo da bioquímica. Eu cheguei àquela conclusão por mim mesmo depois de estudar a
literatura a respeito. Mas eu também estava isolado; nenhum dos meus colegas estava
falando sobre isto. Assim, tudo que fiz foi fazer ásperas observações sobre a
evolução sempre que tinha a chance, o que foi. . . não muito produtivo.
Nos anos que se passaram eu entrei em contato com outros estudiosos que pensavam do mesmo
modo que eu. Eles me encorajaram a pensar que minhas idéias eram legítimas; eles
disseram que minhas idéias podiam ser defendidas, e concordaram que havia um problema
significativo que estava sendo ignorado.
Quando você está só, você pode apenas estar se iludindo. Mas quando você tem colegas,
então você ganha confiança para realmente explorar suas idéias. Só de saber que há
uma grande comunidade de estudiosos que vêem aplicações de um projeto inteligente (intelligent
design) na disciplina deles já dá coragem às pessoas para explorar esses
problemas.
Assim, isto [a conferência] foi um esforço inovador, não tanto para qualquer idéia
particular que resulte disto, mas do conhecimento de que todos estão trabalhando em
grupo.
RI: Que benefícios pessoais você recebeu através da conferência da
Simples Criação?
Behe: Bem, eu encontrei várias pessoas que eu só conhecia por email. Eu
pude ver também como o projeto inteligente poderia ser aproveitado em outras disciplinas.
Eu assisti a uma palestra de um biólogo da Alemanha chamado Siegfried Scherer, e ele
mostrou slides de animais híbridos, cruzamentos entre espécies que normalmente não
ocorrem na natureza. Uma imagem que particularmente me impressionou foi um cruzamento
entre uma zebra e um animal que parecia um cavalo. Quando eu vi a imagem disse a mim
mesmo, "Bem, veja, essa é a imagem do cruzamento entre um burro e uma zebra".
Mas não era, era um cruzamento entre um cavalo e uma zebra, mas simplesmente se parecia
com um burro. A sua idéia principal é que já existe uma variação oculta presente nos
animais que pode explicar muitas das características do mundo biológico que nós vemos.
E esta era uma idéia totalmente nova para mim, e pelo que eu sei, está inexplorada.
Foi bom conhecer pessoas como Siegfried Scherer e Jon Wells, que é um embriólogo que
trabalha sobre problemas no seu próprio campo. E foi bom ver que há bons problemas
intelectuais lá fora apenas esperando para serem resolvidos; ninguém os está explorando
agora, e eu estou ansioso para ajudar.
RI: Que impacto tem o livro de Michael Denton Evolution: A Theory
in Crisis [Adler & Adler, 1986] em sua jornada?
Behe: Como católico romano fui sempre ensinado que Deus fez a vida, e
como Ele fez era problema d'Ele. Fui ensinado de que a melhor resposta científica, até
agora, de como Deus fez a vida era a evolução Darwiniana. Isso fazia sentido para mim,
desse modo eu nunca dei muita imporância para a evolução. Fui ensinado nos meus anos de
estudante universitário e durante meus estudos acadêmicos em bioquímica de que todos
estes sistemas fantasticamente complicados que eu estava aprendendo eram o resultado da
evolução Darwiniana. Eu tinha uma tese para terminar, assim eu não pensei muito nisto.
Porém, ao redor de 1987, eu li Evolution: A Theory in Crisis (Evolução: Uma
Teoria em Crise) de Michael Denton. O livro me chocou porque ele disse que havia problemas
enormes com a teoria evolutiva sem serem discutidos. De fato, havia uma boa chance de que
a teoria estava incorreta; ela não poderia realmente descrever como a vida surgiu. Quando
eu li o livro fiquei furioso; estava chateado porque eu percebi que muito da minha visão
de mundo não estava baseada em ciência, mas sim naquilo que as pessoas diziam,
"Bem, sim, este é o modo que aconteceu. Não se preocupe com isto. Talvez você
não saiba como aconteceu, mas alguém sabe".
Bem, ler o livro de Denton me fez perceber que ninguém mais conhecia os problemas. E dali
em diante eu fiquei cada vez mais interessado nisso. Eu procurei no meu próprio campo da
bioquímica e na Academia Nacional de Ciências e no Jornal de Biologia Molecular e
lugares como esses por pesquisas que pudessem dizer como estes sistemas bioquímicos foram
gradualmente reunidos. Eu descobri rapidamente que tais documentos não existiam. Assim,
com o passar do tempo eu desenvolvi a idéia que de fato estes sistemas eram o resultado
de um projeto inteligente.
Eu estive bem isolado durante algum tempo, mas o livro de Phil Johnson saiu e eu o li e
gostei bastante. Então eu vi num número da revista Science que havia uma
resenha do livro de Johnson. Eu estava muito excitado e pensei, "Oh, isto é demais.
Eles terão que discutir alguns destes assuntos, e nós veremos o que eles têm a dizer
sobre isto." Eu voltei à resenha e não era uma resenha, era simplesmente uma
advertência dizendo, "Uh oh. Este livro anti-evolução está por aí. Advirta seus
estudantes; está confundindo o público". E novamente eu fiquei bem furioso porque
eles não discutiam a substância do livro. Não era nem mesmo uma refutação, era uma
advertência. Isto não é o que a ciência deve ser.
Assim eu escrevi uma carta ao editor de Science mostrando que eles deveriam
discutir os assuntos intelectuais envolvidos e não apenas rejeitar algo. Science
publicou a carta e Phil Johnson a viu e escreveu a mim, e nós começamos a nos
corresponder. Desde então eu fui convidado a algumas reuniões nas quais ele está
envolvido, e essa é a maneira como eu me envolvi nesta comunidade de pessoas interessadas
neste problema.
RI: É importante que o livro de Michael Denton seja essencialmente
não-religioso?
Behe: Era importante para mim porque eu sou um cientista e quero chegar
à conclusões sobre o mundo físico pela experiência. Novamente, eu sou católico romano
e acredito que Deus criou o mundo e é responsável pela vida dentro dele, mas eu não
tive a priori quaisquer objeções teológicas a essa vida ser produzida através de
processos completamente naturais. Eu não sou nenhum perito em teologia, e quando as
pessoas usam argumentos teológicos para chegar a uma conclusão científica eu sou sempre
um pouco desconfiado. Denton criticou a evolução de um ponto de vista completamente
científico. E de fato, naquela época. . . ele era basicamente um agnóstico. Para mim,
isso deu mais força aos seus argumentos - ele não tinha segundas intenções. Eu poderia
julgar pelo meu próprio background que o que ele estava dizendo estava basicamente
correto. E assim essas duas combinações tiveram um grande impacto em mim.
RI: Como sua mudança de foco, no que concerne à evolução
bioquímica, afetou o seu ensino?
Behe: Uma vez que eu li o livro de Denton eu estava espantado em ver que
as pessoas acreditavam na evolução quando havia este óbvio argumento contra ela. Mas
vamos admitir, a maioria dos cientistas realmente acreditou na evolução, e o argumento
em favor dela é melhor resumido num livro chamado O Relojoeiro Cego [Cia
das Letras] de Richard Dawkins. O livro de Dawkins é fascinante de ler juntamente com o de Denton
porque ambos os livros usam exemplos semelhantes, mas chegam à conclusões completamente
diferentes. Denton usa uma analogia com o idioma inglês dizendo que orações são
difíceis de se criar. Dawkins tem uma seção onde ele usa um computador para gerar uma
oração para mostrar que a evolução é fácil. Eu percebi que estes livros discutiam o
problema num nível muito básico, não apenas em relação à ciência, mas ao
conhecimento em geral; quer dizer, como você sabe algo; como você apóia uma teoria com
evidência; e quais extrapolações são legítimas?
No fim de 1980, a Universidade de Lehigh decidiu desenvolver um programa de seminários
para calouros; os seminários são cursos que tem o objetivo de. . . fazer os
novatos ficarem entusiasmados sobre as suas carreiras de faculdade. Assim, a
administração estava procurando por voluntários que sugerissem cursos. Eu desenvolvi um
curso que chamei de "Argumentos Populares sobre Evolução" na qual nós lemos
Denton e Dawkins. Tem sido muito popular com os estudantes. A maioria deles entra
acreditando na história evolutiva normal, mas muitos deles, quando deixam o curso, dizem
que embora ainda acreditem na evolução, agora vêem o assunto como muito mais complexo e
problemático. Como professor é meu objetivo fazê-los pensar por si mesmos e não
simplesmente confiar no que as pessoas dizem, como eu fiz uma vez.
RI: Qual é o tema básico d'A Caixa Preta de Darwin?
Behe: Em ciência, uma caixa preta é uma máquina, dispositivo, ou
sistema que faz algo, mas você não sabe como funciona; é completamente misterioso. Pode
ser misterioso porque você não pode ver dentro ou porque você simplesmente não pode
compreendê-lo. Para Darwin e para seus contemporâneos do século XIX a célula era uma
caixa preta. A célula que agora nós sabemos ser a base da vida era simplesmente muito
pequena, e a ciência daquela época não tinha nenhuma ferramenta para investigá-la; os
microscópios daquele tempo ainda eram bem grosseiros e as pessoas podiam ver só os
contornos de uma célula. Assim, muitos cientistas pensaram que a célula era bastante
simples, como uma gota de geléia microscópica.
A partir daquela época, a ciência tem mostrado que a célula é um sistema extremamente
complexo que contém proteínas e ácidos nucleicos e todos os tipos de máquinas
miniaturizadas. No meu livro eu examino várias destas máquinas e argumento que a
seleção natural Darwiniana não pode tê-las produzido porque elas têm uma propriedade
chamada de complexidade irredutível; quer dizer, elas consistem de várias partes, todas
as quais devem estar presentes para a máquina funcionar. Complexidade irredutível é
como uma ratoeira que tem várias partes, e todas as partes devem estar presentes antes
que ela possa funcionar.
Eu argumento que tais sistemas são melhor explicados como o resultado de um deliberado
projeto inteligente. Eu cheguei àquela conclusão por um tipo de argumento lógico
indutivo: sempre que vemos tais sistemas no mundo real, no mundo macroscópico da nossa
vida cotidiana, nós descobrimos que eles são, de fato, projetados. Ninguém se depara
com uma ratoeira e se pergunta se foi projetada ou não. Assim, eu me pergundo se nós
deveríamos de fato aceitar a idéia de projeto inteligente e trabalhar nela para ver
aonde ela conduzirá a ciência.
RI: Houve uma reação comum dos críticos ao seu livro?
Behe: Os críticos do meu livro têm uma reação notavelmente semelhante
e variam em intensidade dependendo da personalidade das pessoas envolvidas. A primeira
reação da maioria dos críticos é dizer, "Bem, isto é apenas criacionismo
levemente disfarçado". E em resenhas do meu livro por cientistas eles falam
freqüentemente sobre os primeiros capítulos do Gênesis e do Julgamento da Criação de
Arkansas (1), nenhum dos quais eu menciono no livro.
Assim, eles tentam condenar o livro através do processo de associação. Eles também
não vêem que há uma distinção entre chegar a uma conclusão simplesmente pela
observação do mundo físico, como é suposto que um cientista o faça, e chegar a uma
conclusão baseado nas escrituras ou em convicções religiosas.
Adicionalmente, os críticos do meu livro concordaram de forma unânime que os sistemas
bioquímicos que eu descrevo são enormemente complexos e atualmente sem explicação, mas
eles diferem nas suas prescrições. Alguns deles dizem, "Bem, o Darwinismo
eventualmente explicará isto" . Outras pessoas dizem, "Bem, nós não sabemos
como será explicado, mas nós surgiremos com algo num futuro próximo". Minha
resposta é que o algo que nós podemos trazer à tona num futuro próximo é a
teoria do projeto inteligente. É uma idéia legítima e perfeitamente científica e não
há nenhuma razão para evitá-la.
Uma analogia que eu gosto de traçar é com a física: muitos físicos estavam infelizes
com a idéia do Big Bang porque parecia ter implicações teológicas óbvias. Todavia, os
físicos a aceitaram como uma teoria científica legítima e trabalharam sobre ela. Eu
vejo o projeto inteligente do mesmo modo; pode ter implicações religiosas mas é uma
teoria científica clara baseada apenas em observações de sistemas bioquímicos, e nós
deveríamos aceitá-los e trabalhar a partir deles.
RI: Você teve notícias de Richard Dawkins?
Behe: Não, eu não tive notícias diretamente de Dawkins, mas eu ouvi
indiretamente o que ele pensa do meu livro. Um programa de TV público chamado "Think
Tank" estava interessado em organizar um debate entre mim e Dawkins . Eles
perguntaram se eu estaria disposto a participar, e eu alegremente disse que sim. Eles
entraram em contato com Richard Dawkins, mas ele se recusou a aparecer comigo dizendo que
era insuficientemente versado em bioquímica para discutir o assunto. Entretanto, o
programa de TV pediu para Dawkins aparecer sozinho no programa, o que ele fez. Durante a
entrevista, que eu tive oportunidade de ver recentemente, o apresentador do programa
perguntou a ele sobre o meu livro. Ele pareceu pegar a idéia de complexidade irredutível
muito bem. Porém, ele disse que era covarde e preguiçoso da minha parte chegar a
conclusão de um projeto inteligente, e disse que se eu pensasse por mim mesmo eu iria
perceber que deve haver em algum lugar uma explicação Darwiniana, e que eu deveria
levantar o meu traseiro e ir procurá-la.
Richard Dawkins tem certamente direito às suas enérgicas opiniões. Mas, de fato, pela
evidência, eu acho que o projeto inteligente é a melhor explicação. E não é uma
questão de eu gostar da idéia ou não, ou de eu gostar de dormir tarde e ser
preguiçoso, ao contrário, é de que o Darwinismo está batendo na porta errada e eu acho
que a melhor explicação científica é o projeto inteligente.
Não obstante, eu espero poder me encontrar com Richard Dawkins no futuro.
RI: Um alicerce no naturalismo é essencial para um avanço constante
da ciência e da tecnologia?
Behe: As suposições Darwinianas não são necessárias para o
trabalho cotidiano da ciência. Como eu mostrei no meu livro, se você procura na
literatura bioquímica por documentos científicos que tentam explicar como sistemas
bioquímicos se desenvolveram passo a passo num estilo Darwiniano, verá que não há
nenhum. É surpreendente.
Há um jornal chamado Journal of Molecular Evolution que tem aproximadamente 25
anos e que publicou mais de 1000 artigos desde seu começo. O jornal publica muito sobre
tentativas de determinar quais proteínas, genes, e ácidos nucleicos estão relacionados
a outros olhando para a sua proteína ou sucessão de nucleotídeos. Isso pode ser
interessante, e pode ser uma questão legítima por direito próprio, mas comparar
sequências simplesmente não pode lhe dizer como estas complexas máquinas
moleculares surgiram pelo passo-a-passo Darwiniano. Então, essencialmente, durante os
seus 25 anos, o Journal of Molecular Evolution evitou completamente a real
questão de como estes sistemas extremamente complexos poderiam ter sido criados.
Assim, a maioria dos cientistas ignora completamente a evolução no seu funcionamento, e
aqueles que pensam no assunto simplesmente procuram por associações e não se preocupam
com o Darwinismo. Extraordinariamente, isso tem muito pouco a ver com o trabalho cotidiano
da ciência e serve basicamente como um suporte filosófico que, na minha opinião, está
apenas inibindo a verdadeira pesquisa sobre como a vida se desenvolveu.
RI: Um não-teísta pode aceitar o conceito de projeto inteligente?
Behe: Sim, eu acho que sim. Mas sem dúvida seria psicologicamente
difícil para ele. Eu gosto de contar a história de Francis Crick, que como se sabe é
Prêmio Nobel e co-descobridor da dupla-hélice de DNA. Crick escreveu várias vezes que
os problemas de uma origem de vida ao acaso na Terra são tão grandes que nós
deveríamos considerar a idéia de que alienígenas espaciais enviaram uma nave à Terra
para semeá-la com esporos para iniciar a vida.
Bem, essa é uma idéia incomum mas você pode ver que ela se ajusta com a teoria de
projeto inteligente; ele está invocando uma causa externa para o surgimento da vida. Se
Francis Crick afirmou que alienígenas inteligentes não apenas semearam a vida na terra,
mas de fato a projetaram, eu não poderia apresentar um sistema bioquímico e discutir com
ele. Eu poderia pensar que é um pouco forçado, mas eu teria que partir para argumentos
filosóficos, teológicos ou históricos para contradizer isso. Assim, eu acho que
não-teístas poderiam chegar a uma conclusão de um projeto inteligente, mas
realisticamente eu acho que será psicologicamente difícil para eles.
RI: Quando você começará seu próximo livro e o qual será o
assunto?
Behe: Escrever é doloroso. Eu acho que a escritora Dorothy Parker foi
uma vez perguntada no começo do século se ela gostava de escrever, e ela respondeu que
gostava de ter escrito. Eu concordo completamente com esse sentimento. No momento estou
apenas absorvendo a reação ao meu livro e uma vez que eu veja o resultado disso, então
eu avaliarei o que pode ser o meu próximo projeto . Mas eu não me vejo principalmente
como um escritor, mas como um cientista. O que eu estou realmente ansioso por fazer é
redigir propostas de bolsa para poder pesquisar a respeito de algumas das idéias que
tenho como resultado da teoria do projeto inteligente. Assim, veremos o que o futuro nos
guarda.
Publicado no site Origins - 06/02/99