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--- Canto de ontem ---

Vamos, põe teu braço no meu braço, vamos recordar os velhos tempos do nosso amor.
Passeávamos assim, e que frias eram as tuas mãos no primeiro encontro
e que dóceis teus lábios depois da rendição.

Muitas vezes perdi-me em teus lábios e não soube voltar.
Que era o mundo senão um punhado de perspectivas
que saíam do ponto coração
e se perdiam nos teus olhos?

Tanta cousa esperamos e alguma cousa colhemos
mas que triste, amor, este todo-o-dia matando
o que esperamos jamais ser tocado pelo tempo.

Tu me queres ainda, eu sei que te aninhas, por hábito ou por frio
junto ao meu corpo, e esperas.
E eu te quero ainda, muito mais pelo que deixaste nas raízes mergulhadas
e pelo que representas nas nuvens que se acumulam,
do que pelos momentos de tédio e ternura, elementos
do nosso coquetel cotidiano...

Vamos, põe teu braço em meu braço, como antigamente,
entrega-me docilmente os teus lábios, e pensa
que eu te beijo há mil anos, num tempo em que seremos sempre os mesmos
e o nosso amor imortal.

§ A.D. §

--- Tonta ---

Dizes que ficas tonta...quando em tua boca
ergo a taça da minha a transbordar de beijos,
e te dou a beber desse champanha louco
que espuma nos meus lábios para teus desejos...
Dizes...E em teu olhar incendiado talvez,
como que tonto mesmo e ardendo de calor,
vejo se refletir minha própria embriaguez
e o mundo de loucura que há no nosso amor...

E receio por ti e por mim, e receio
que um dia ao te sentir tão junto, eu enlouqueça
e aperte no meu peito a maciez do teu seio...
Dizes que ficas tonta...Hás então de ficar louca!
E eu tomando entre as mãos tua cabeça
hei de fazer sangrar de beijos tua boca!

§ J. G. de Araújo Jorge §

--- Aquarela ---

Será fácil te esquecer:
a grande praça entre sombras
as montanhas azuis, aquele banco
que ouviu por uma tarde ainda em crepúsculo
vagas palavras, quase despedida.

Será bem fácil te esquecer:
aquela doce manhã de ouro e de espera
aquelas ruas com seus homens tristes,
o sol na água parada sem repuxos
um apito - era o trem -, quem partiria?

Será bem fácil te esquecer:
aquela noite azul de estrelas trêmulas
a praça novamente, e tanta gente
sem perceber que apenas dois destinos
se encontravam na praça - nada mais -
que nossos dois destinos se encontravam.

Será bem fácil te esquecer:
basta que eu esqueça o dia, a tarde, a noite,
basta que esqueça o sol, a praça, as ruas
basta, enfim, me esquecer

--- Súcubo ---

Desde que te amo, vê, quase infalivelmente,
Tôdas as noites vens aqui. E às minhas cegas
Paixões, e ao teu furor, ninfa conscupiscente,
Como um súcubo, assim, de fato, tu te entregas...

Longe que estejas, pois, tenho-te aqui presente.
Como tu vens, não sei. Eu te invoco e tu chegas.
Trazes sôbre a nudez, flutuando docemente,
Uma túnica azul, como as túnicas gregas...

E de leve, em redor do meu leito flutuas,
Ó Demônio ideal, de uma beleza louca,
De umas palpitações radiantemente nuas!

Até, até que enfim, em carícias felinas,
O teu busto gentil ligeiramente inclinas,
E te enrolas em mim, e me mordes a bôca!

--- Remorso póstumo ---

Quando fores dormir, ó bela tenebrosa,
Em fundo de uma cripta em mármore lavrada,
Quando tiveres só por alcova e morada
O vazio abismal de carneira chuvosa;

Quando a pedra, a oprimir tua fronte medrosa,
E teus flancos a arfar de exaustão encantada,
Mudar teu coração numa furna calada
Amarrando-te os pés na rota aventurosa,

A tumba, confidente do sonho infinito
(Pois toda a vida a tumba há de entender o poeta),
Pela noite imortal de que o sono é prescrito,

Te dirá: "De que te serve, hetaira incompleta,
Não teres conhecido o que choram os mortos?"
E os vermes te roerão assim como os remorsos.

--- Realidade e sonho ---

Dança de elfos em um caminho silencioso e ensolarado
Na tarde que se estende, preguiçosa. Tua mão na minha, quente
Como um elo inconsciente ao mundo que deixamos para trás
Aquém do sonho. O que me dás, aquilo que abraço, não existe
E o que existe não importa. O que existe não compreende
As lacunas deixadas pelas folhas caindo à nossa volta.
O que existe não tem compartimento grande o suficiente
Para conter o silêncio do que nunca foi - e nunca será.
O que existe devolve em eco o impalpável, o sutil
O inconseqüente das cantigas que entoas
Na quietude ensolarada que nos cerca.
Por que razão é preciso que eu te crie
Para além da vida à nossa frente
Porque a realidade, de repente,
É tão menor que o sonho?

 

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