Deixe Minha Sobrinha em Paz!
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Morei 7 anos na Suíça. Minha firma ficava em Lucerna, no meio da parte alemã. Um dia
tive que ir a Londres com um colega da companhia. Usávamos sempre o aeroporto de Zurique.
Saímos de carro às 11 da manhã para pegar o avião das 2 da tarde. No caminho, o tempo
fechou. De garoa, passou à neve molhada, fazendo gelo no asfalto. O carro patinava. Meu
colega, italiano experimentado, concluiu:
- Caríssimo, não vamos viajar hoje. O aeroporto vai fechar. Melhor passar a noite num
hotel em Zurique. Sei o que estou dizendo, não perde tempo, entra no desvio direto para a
cidade.
Segui os sinais, acabamos bem no meio da cidade, na estação central de trens. Alí,
fomos direto ao balcão da Swissair para remarcar as passagnes.
- O senhor tem razão, - o aeroporto está fechado. - Posso remarcar para amanhã, 10:30,
Swissair, está bom?
*
Em frente da estação, ficava o Hotel Hauptbahnhof, tradicional, prédio, começo do
século. - Você vai comer a melhor truta com amêndoas da tua vida - disse o meu amigo.
Tinha razão. Tão bom, que acabei pedindo uma segunda garrafa de Chablis. Depois, no
embalo, fui tomando uns dois kirsh com a sobremesa. Durante o jantar, meu amigo, me
contou:
- Hitler ficou neste hotel. Os suíços não falam nisso, dizem que Hitler nunca veio à
Suíça. Veio sim, em segredo, botar dinheiro sujo nos bancos, ou fazer algum acordo com
os suíços. Ou ambos.
A história me deixou impressionado. Meu amigo foi dormir. Eu fui à recepção:
- Escuta, o meu quarto é muito barulhento, o tráfico, os bondes. Será que posso mudar?
- Pois não.
- Eu gostaria de ficar no quarto que Hitler ocupou.
- Hitler nunca veio à Suíça, senhor, se veio não ficou neste hotel.
Tirei uma nota de 50 francos e entreguei ao rapaz.
- É o 37D, no 3o andar. Mas é uma suite, o senhor só tem quarto de solteiro.
- Pago a diferença.
*
Passei a pior noite da minha vida. O vinho, a cachaça de cereja, sei lá. Sono leve,
cheio de pesadelo. Só via o Hitler. Em uniforme cáqui, de paletó marron, com quépi,
sem quépi, à paisana, e até de pijama. Sempre com a suástica, voz estridente,
repetindo sempre a mesma ordem:
- Deixa minha sobrinha em paz! Deixa minha sobrinha em paz!.
Eu fazia esforço para acordar. Não podia, estava grudado na cama. E o Hitler andando de
um lado pro outro do quarto, me olhando brabo, levantava a mão, dedo em riste:
- Deixa minha sobrinha em paz!
De madrugada, consegui acordar, com enjôo. Fui ao banheiro para vomitar. Sentado na
latrina, lá esteva ele, Hitler, com a calça de pijama no calcanhar. Levantou, limpou a
bunda, e balançou o papel sujo na minha cara:
- Deixa minha sobrinha em paz! - vomitei toda minha alma. Ele ficou o resto da noite
sentado na poltrona, em fronte da minha cama. Toda vez que eu abria os olhos, lá estava
ele, o dedo ameaçador.
*
Passamos a sexta-feira em Londres. Meu amigo voltou para a Suíça. Eu fui passar o fim de
semana com um galho meu: a Elena. Era só uma conhecida. Não trabalhava para a nossa
companhia, mas fazia pesquisas de mercado para nós. Foi assim que a conheci. Há mais de
um ano. Sempre tive a impressão de que ela topava uma brincadeira sem compromisso. Tinha
chegado o dia de averiguar. Ele me convidou para visitar a casinha de campo que tinha
comprado. Me recebeu com uma câmera Polaroid na mão. Passamos o sábado tirando
fotografias, pelados, na cama, na sala, no banheiro. No amar, ela não era nem boa, nem
ruim. Nota 6. Papai-mamãe, cachorrinho de lado, e a tal posição da tesoura. Nada mais.
Beijo frio, nada de chupadas. Tinha corpo bem proporcionado. Loira, cabelos lisos, testa
larga, olhos azuis de peixe morto. Era imprevisível, temperamental. Queria, não queria.
Quero agora. Agora não. O que me atraía mais na Elena era a conversa inteligente. Era
educada, falávamos de negócios, política, artes. Casa acolhedora,
madeira exposta, lareira enorme, tudo decorado com bom gosto, antiguidades. Mas não tinha
nada na dispensa. Comemos corn-beef em lata com biscoitos d'água, para acompanhar a
champanha. No domingo, como manda a etiqueta de amante temporário, convidei-a para
almoçar no restaurante da aldeia.
Sabia que ela era divorciada, se dedicava ao trabalho, e que tinha um namorado permanente.
A etiqueta do bom amante manda que não se fale em outros homens, mas, durante o almoço,
já tínhamos esgotado os assuntos. Não resisti :
- Hilton é o seu sobrenome de casada?
- Não. É o sobrenome de solteira. Quando me divorciei, voltei a usar Hilton, tem mais
impacto comercial. Não gosta? O pessoal associa logo com o Hotel, não que eu esteja
aberta para todos
Ri, segurando a mão dela. Ela retirou a mão, não era lá muito afetuosa. Mesmo agora
tendo trocado fluidos corporais comigo, mantinha distância. Era assim, conversa
inteligente, fotos eróticas, nheco-nheco, e pronto. Nada de carinhos, nada de ternura. *
Quando ela me levou de carro à estação de ônibus, perguntei, um pouco encafifado com a
dureza sexual dela:
- Então dona Hilton? Quando podemos nos ver de novo? Tem planos de ir à Suíça? Se for,
fica comigo. - O sexo não era lá grande coisa, mas sexo é sexo, não faço lá muita
escolha, quando se está com fome, um sanduíche é banquete. O convite era uma maneira de
dizer sutilmente que tinha gostado da safanagem, fotos, e tudo, e agradecia a
hospitalidade da Hilton.
- Sei lá. Mando telex se for. Obrigada.
- O prazer será meu, - no fundo tinha chegado à conclusão de que ela não gostava muito
de sexo, era só parte do intercâmbio, conversas, fotos eróticas.
- E não fica me chamando de dona Hilton. Gosto mais de Elena. Meu pai era alemão,
imigrou para a Inglaterra, antes da guerra. O sobrenome verdadeiro não é Hilton, ele
mudou o sobrenome, anglicizou para Hilton, justamente por causa da guerra.
- É? Qual era o nome original?
- Hitler. Mas você entende que um sobrenome desses não caía bem durante a guerra.
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"Juro, em cartório, que a história acima é verdadeira. O nome Elena foi a única
coisa inventada nesta história, para proteger a anonimidade da verdadeira mulher."
enviado por Almeida Santos