DE OLHOS BEM FECHADOS
Adaptações de Kubrick
(Jornal "Folha de São Paulo", Domingo, 05 de Setembro de 1999)
LOLITA
Vladimir Nabokov (1899-1977) só aceitou escrever a adaptação de sua obra para o cinema após ver-se num sonho lendo o roteiro. Suas 400 páginas foram refeitas por Kubrick e o produtor. Incomodado com o resultado cinematográfico, Nabokov publicou posteriormente o seu roteiro sem as modificações. Ainda assim, o escritor e Kubrick concordavam que a tensão básica da narrativa era a conquista da ninfeta. A principal mudança, além da inversão prólogo-final, foi o "flashback". O filme (1962), disponível em vídeo no Brasil, equacionou censura e liberdade no sistema de produção. A má acolhida crítica revela mais sobre a idéia de expectativa de adaptação do livro do que a ojeriza às metáforas ambíguas que compensam a frigidez calculada imposta ao erotismo da linguagem nabokoviana. Kubrick propõe abandonar o estilo que impregna um grande livro para alcançar as emoções e os pensamentos que se guardam sob este estilo.2001
"2001 - Uma Odisséia no Espaço" (2001 -A Space Odissey, 1968) inspirou-se em "The Sentinel", do escritor britânico Arthur C. Clarke, autor do roteiro com Kubrick. Enquanto o diretor fazia sua obra, o escritor escrevia uma nova versão do romance, a partir do filme, editada depois. Filme ambicioso e pessimista, "2001" pretende-se uma síntese da história humana, desde os tempos pré-históricos. O filme marcou desde então o gênero sci-fi com sua arrojada concepção visual, rigorosa na construção dos ambientes futuristas e contemplativa e psicodélica em sua visão do espaço.LARANJA MECÂNICA
Para Anthony Burgess (1917-1993), seu livro "A Clockwork Orange", escrito em 62, "deveria ser apagado da memória literária do mundo". No verão de 69, Kubrick lê e se encanta com a obra, que, quando publicada nos EUA, teve seu capítulo final cortado da edição. "Laranja Mecânica", de Kubrick, é lançado em 71. Em 86, uma reedição restaura o capítulo cortado e introduz um ensaio de Burgess ("A Clockwork Orange Resucked"). A mistura de sátira social, psicodrama e conto de fadas sobre "o imbecil unidimensional" foi banida da Inglaterra por Kubrick, sob pressão da Justiça, por supostamente incitar crimes no país. O título vem de velha expressão cockney, que indica a incongruência do orgânico e do mecânico.BARRY LYNDON
O clássico do escritor inglês William Makepeace Thackeray (1811-1863) surgiu serializado em uma revista (1884) e só depois foi publicado em livro. Ao roteirizar a ascensão e queda de um trapaceiro (interpretado por Ryan O'Neal) no universo da aristocracia do século 18, Kubrick mudou o foco narrativo da primeira para a terceira pessoa, pois "o estilo de narrador desconfiável funciona na comédia, mas não no drama". Um dos feitos do filme (lançado em 1975) é a iluminação "natural". As cenas noturnas em interiores foram filmadas à luz de velas, candelabros e lâmpadas a óleo. Para tanto, o diretor expandiu a exposição do negativo e a Nasa criou lentes sensíveis à baixa luminosidade.O ILUMINADO
Psicológico e sobrenatural, "The Shining", romance de Stephen King, forneceu forte descarga elétrica de terror no cinema. Kubrick inventou para este filme (lançado em 1980 e disponível em vídeo) um dispositivo técnico para estabilizar imagens tomadas com câmera na mão. Para filmar a família assolada num hotel isolado, assombrado pelo próprio pai (Jack Nicholson), o diretor leu Freud e Bruno Bettelheim ("Usos do Encantamento"). O que fascinou Kubrick no romance de King foi "o modo como o leitor é desorientado", dando vazão a "arquétipos do inconsciente".OUTROS FILMES
Day of Fight (1951, curta);