PADRE MARCELO ROSSI E O MOVIMENTO CARISMÁTICO
(Alguns artigos que fazem uma análise crítica do movimento carismático católico e do Pe Marcelo)
'Entertainment' e desmodernização
Fernando de Barros e Silva
(Jornal Folha de São Paulo, 07/11/1999)
Diz uma das máximas da cartilha liberal que a concorrência diversifica a oferta e aumenta o leque de escolhas por parte do consumidor. Pois bem, a realidade mostra muitas vezes o contrário. No mercado televisivo, por exemplo, a concorrência tem levado a Globo a ficar muito parecida com tudo o que ela até há pouco rejeitava como lixo. Mas não é só. No mercado da fé, a concorrência também está igualando os produtos aparentemente há tanta diferença entre neopentecostais (a Igreja Universal de Edir Macedo) e carismáticos (o Terço Bizantino de Marcelo Rossi) quanto entre Brahma e Antarctica, que aliás se fundiram. Os dois fenômenos, o da fé e o da TV, estão por sua vez imbricados, uma aprendendo a usar os recursos da outra para alavancar sua própria audiência (de fiéis ou no Ibope).
Mercantilização da fé e dessecularização da mídia andam de mãos dadas. Nesse cruzamento está condensado um dos maiores fenômenos sociais do Brasil contemporâneo, um amálgama novo e de consequências ainda não previsíveis ou bem dimensionadas, mas no qual a lógica do "entertainment", agora acoplada à religião, parece estar atuando como veículo e sintoma da desmodernização do país talvez seja esse o resumo dessa opereta ruidosa. Trata-se de um processo, lento e às vezes imperceptível, como gosta de dizer FHC, mas cujo vetor aponta na direção oposta da que pretende o presidente. Vamos por partes.
Nem a evidência do padre pop (Rossi) nem a fama do cantor carola (Roberto Carlos) nem o poder de fogo da emissora número um (Globo) explicam por si sós o fenômeno do "showmissa". Na massa ali reunida, 600 mil pessoas, cada indivíduo parecia ser o representante de seu próprio desespero e de sua própria miséria (entenda-se a palavra nos seus muitos sentidos). Isso que Edir Macedo percebeu há anos, antecipando-se ao espírito da época, a facção mais conservadora e vitoriosa da Igreja Católica percebe e mimetiza agora: a religião vai deixando de representar um caminho para a salvação eterna para se transformar em veículo de ascensão social ou em promessa de felicidade terrena; a culpabilização cede espaço para a gratificação imediata; o sentimento de solidariedade dissolve-se na busca de salvação individual.
O bordão "Saudade sim, tristeza não" traduz de modo eufemístico o espírito atual do capitalismo, que promete o que não pode cumprir, como o transe midiático das neo-religiões promete um alívio imediato da dor.
Mas para que um fenômeno como esse vingue nessas proporções é preciso contar com um terreno previamente preparado no caso uma imensa massa desgarrada, uma sociedade despedaçada por todos os lados, sem esperanças comuns ou vínculos sociais sólidos, que apenas em transe é capaz de se sentir fazendo parte de alguma coletividade ou de algo que dê sentido às suas vidas. (De passagem: que o país também esteja revelando estar mais próximo da Colômbia do que se imaginava faz parte da nossa "modernização desmodernizante" vamos acumulando evidências de que o progresso, no nosso caso, apenas atualiza, ou refuncionaliza, as marcas do atraso.)
É também por isso que de todas as novas contratações anunciadas com estardalhaço pela Globo, a mais significativa é de longe a contratação semiclandestina e não assumida oficialmente de Marcelo Rossi. A emissora que sempre se gabou de estar a serviço e à frente da modernização do país como que se curva a sua desmodernização, e sua locomotiva, agora engatada ao trem da regressão social em curso, é forte o suficiente para puxar muito mais vagões do que foram capazes até aqui seus adversários.
Nesse ponto é preciso fazer uma distinção entre Brahma e Antarctica, Marcelo Rossi e Edir Macedo, Globo e Record. A Globo, como a Igreja Católica, representa o "mainstream"; Edir Macedo e a Record seguem sendo, apesar de tudo, marginais arrivistas. O padre Marcelo Rossi é uma versão light, asséptica, socialmente aceitável e esteticamente palatável da Igreja Universal; o transe coletivo que ele mobiliza é por assim dizer epidérmico, se resolve com musiquinhas infantis e coreografias de auditório; não há, como no caso da Universal, demônio para ser enfrentado, não há necessidade de provação nem praticamente introspecção por parte dos fiéis engajados na sua fé aeróbica. As freirinhas que pulavam histéricas no Terço Bizantino são algo como a versão Disneylândia dos pastores com ar de capangas da fé da Igreja Universal.
Em sua variante global-carismática, a desmodernização brasileira parece até simpática, não apavora o povão, não assusta a classe média e até diverte a elite se faz, como convém ao país cordial, sem conflitos, seguindo à risca o figurino do "entertainment". Roberto Carlos, Sandy & Júnior, Agnaldo Rayol, Marcelo Rossi e a nova Globo... falar nesse caso em regressão estética ou em mau gosto tem algo de perfumaria perto da tragédia histórica de que eles são mensageiros (às vezes até) involuntários.
Trecho do artigo: "O bug e a TV em 99"
Fernando de Barros e Silva
(Jornal Folha de São Paulo, 26/12/1999)
Marcelo Rossi foi a grande personalidade televisiva do ano. Transformou a fé em entretenimento de auditório e colocou a religião no circuito da indústria cultural. Carismático, ultraconservador e infantilizante, é o maior símbolo e o porta-voz da regressão brasileira, o guru da desmodernização em curso. Com ele, a fé foi incorporada de vez à esfera das trocas -a religião dos nossos dias.
CNBB critica o destaque dado a 'padres cantores'
(Folha de São Paulo, 29/10/1999)
A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) criticou ontem a ênfase dos "grandes conglomerados da mídia nacional" à cobertura do "espetáculo emocional do novo catolicismo". Na opinião dos bispos, esse interesse da mídia "não é gratuito" e pode estar a serviço do esquecimento "dos grandes problemas nacionais".
O documento da CNBB refere-se ao noticiário e às análises feitas na mídia desde domingo retrasado, quando duas grandes festas católicas, em comemoração do Dia de Nossa Senhora Aparecida, juntaram mais de 320 mil pessoas.
Em Aparecida (SP), segundo a PM, estiveram 167 mil fiéis. No estádio do Maracanã, no Rio, outros 161,7 mil fiéis. O evento do Maracanã foi animado pelo chamados "padres cantores", liderados pelo padre Marcelo Rossi.
A crítica da CNBB está na análise da conjuntura nacional divulgada ontem, em Brasília, no encerramento da reunião da Comissão Episcopal de Pastoral.
Na opinião da CNBB, a mídia teria cometido o mesmo erro, nos anos 60 e 70, período do regime militar, ao ser "omissa" na divulgação do trabalho da Igreja Católica, que "se empenhava em falar como a voz dos sem-voz".
Nos anos 90, dizem os bispos, a mídia estaria "exaltando o que lhe convém" para a "manutenção do pensamento hegemônico".
Traduzindo: na visão da CNBB, as manifestações emocionais aparecem na mídia, de forma equivocada, como a essência do trabalho da Igreja Católica.
A imprensa faria isso para "adiar mudanças e críticas" ao que os bispos chamaram de "globalização equivocada, concentradora de riqueza, incrementadora de pobreza e exclusão e destruidora de valores éticos mais permanentes".
A CNBB admite, no entanto, que as manifestações de massa dos católicos, puxadas pelo movimento Renovação Carismática, provocam "evidente inquietação entre especialistas em religião e pastoral sobre esses novos fenômenos".
A análise de conjuntura da CNBB analisou também o "desprezo" da "política" e do "pensamento hegemônico veiculado constantemente pela mídia" por "toda e qualquer iniciativa de mobilização popular". Às vezes, segundo os bispos, essas manifestações são ridicularizadas e apresentadas como ações do "exército de Brancaleone".
A CNBB citou como exemplo a marcha dos sem-terra do Rio a Brasília, no início deste mês. A meta nunca foi, dizem os bispos, reunir "uma grande multidão na Esplanada dos Ministérios".
A análise de conjuntura da entidade diz que manifestações desse tipo fazem parte de uma "estratégia política silenciosa (...) para manter acesa a perspectiva de um projeto genuinamente nacional" e romper com "toda e qualquer tentativa de transformar o país numa colônia".......
'Herdeiro' de Betinho diz que governo 'patina' na questão social
MARCELO BERABA
(Jornal "Folha de São Paulo", 01/11/1999)
Herbert de Souza, o Betinho, morto em 1997, tem um herdeiro: d. Mauro Morelli, 64, paulista de Avanhandava e bispo de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, desde 1981.
D. Mauro é o principal articulador do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar. Formado por cerca de 120 entidades, o Fórum começa a fazer parceria com vários governos estaduais para a elaboração de políticas públicas para a erradicação da pobreza e o combate à fome e desnutrição.
O Fórum é a continuação de dois outros movimentos organizados e liderados por Betinho e por d. Mauro: o Movimento pela Ética na Política, nascido no calor do processo de impeachment de Fernando Collor, em 1992, e a Campanha contra a Fome, que chegou a ter mais de 7.000 comitês espalhados pelo Brasil.
Nesta entrevista, concedida na sede da Diocese de Caxias, d. Mauro criticou a política econômica do governo.
"Já entramos num período bastante grave em que as pessoas, por causa do desemprego, entram num processo óbvio de empobrecimento e até de desespero", disse. Para d. Mauro, o governo Fernando Henrique está "patinando" na questão social.
Quanto à Igreja Católica, ele fez um "mea culpa" pelos erros cometidos pela ala mais politizada, à qual pertence. Chamou de "imaturo" e se disse chocado com declarações do padre Marcelo Rossi e criticou os métodos de ação da Renovação Carismática.
Folha - Em 1993, quando o Betinho iniciou a Campanha contra a Fome, um estudo do Ipea mostrava que o Brasil tinha 32 milhões de miseráveis. De lá para cá a situação melhorou?
D. Mauro - Há um estudo do Ipea que mostra que há cerca de 85 milhões de pessoas no Brasil que tentam viver com dois salários mínimos. O que significa que não teriam condições de atender todas as suas necessidades básicas e, consequentemente, não teriam condições de se alimentar de forma adequada. De um lado temos uma redução no número de famintos, mas do outro temos um crescente empobrecimento que leva as pessoas, por tabela, a uma situação de desnutrição.
Por um certo momento nós sentimos uma melhora. Como o próprio presidente (Fernando Henrique Cardoso) se vangloriava, a população comia melhor. Mas eu acho que já entramos num período bastante grave em que as pessoas, por causa do desemprego, entram num processo óbvio de empobrecimento e até de desespero.
Caxias é um município em que circula muita riqueza, não é mais uma cidade-dormitório. Mas aqui você também encontra bolsões terríveis de inanição e fome. As favelas que temos aqui em volta são chocantes. Há muita gente passando fome.
Folha - Qual a diferença do Fórum de Segurança Alimentar que o sr. coordena para a Campanha contra a Fome, da qual também participou?
D. Mauro - A campanha do Betinho surgiu numa avaliação final da luta contra a corrupção que levou ao impeachment de Collor. Naquele instante, o Movimento pela Ética na Política concluiu que o pior tipo de corrupção que havia no Brasil, e continua havendo, é o modelo econômico que faz com que em um país como o nosso o trabalho não seja valorizado e a natureza seja degradada, o que provoca tanta exclusão social e um quadro de fome.
A convicção que nós temos é que os governos em geral não fazem administrações que interessam ao povo. Os governos não governam, os partidos políticos não formulam projetos mais globais e não conseguem catalisar a energia do povo. É preciso desenvolver novas formas de participação política e de poder político.
A ação da cidadania deve ser a principal marca dessa luta pela transformação do Brasil. E nós acentuávamos na época a solidariedade, a descentralização e a parceria e o pluralismo. Como era uma ação de cidadania, ela explodiu. Era um sentimento de humanidade e de indignação que se transformou numa energia que chegou a juntar mais de 7.000 comitês pelo Brasil.
Naquele momento nós tivemos a ousadia de fazer uma parceria com o presidente (Itamar Franco). Sentamos para discutir políticas públicas e ajudamos a acompanhar de forma crítica. Isso foi inédito. Foi uma experiência que terminou com a extinção do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar) no governo Fernando Henrique, em 10 de janeiro de 1995. Essa parceria foi muito importante para um governo de transição difícil como foi o governo de Itamar. Sem essa parceria, o governo (Fernando Henrique) ficou patinando.
Folha - Por que essa parceria não continuou?
D. Mauro - Porque eles não quiseram. O novo presidente na época entendeu que tinha outros objetivos. Nós atribuímos à Ação da Cidadania o mérito de ter colocado na agenda política, como questão prioritária, o combate à fome e à exclusão.
Folha - A Comunidade Solidária não é uma continuação dos programas do Consea?
D. Mauro - O Comunidade Solidária não foi feito para colocar como objetivo estratégico do governo o combate à fome. O objetivo estratégico do governo era a estabilização da moeda. O Consea seria conflitante com o cerne de toda a política do governo.
Folha - E o que é o Fórum?
D. Mauro - O nosso movimento é um movimento político. Nas eleições do ano passado, decidimos procurar os governadores que tinham nas suas plataformas uma visão crítica do modelo econômico. Entendíamos que deveríamos cobrar, propor e fazer parceria com os governos que diziam que era preciso mudar o rumo do desenvolvimento.
A segurança alimentar passa pela ocupação da terra, pela distribuição e comercialização dos alimentos, abastecimento, controle de qualidade. Esse é um eixo. Outro é o que se refere à educação e nutrição. A meta do governo é não aceitar a desnutrição.
Folha - E o Fórum também está voltado para ações emergenciais?
D. Mauro - No dia em que o Brasil tiver segurança alimentar, não vai precisar de cestas. Mas nós entendemos, desde a época do Betinho, que fome se combate com comida. Criança é criança agora. Até os seis anos de idade, ela atravessa um período decisivo de desenvolvimento. Fome e desnutrição nesse período significam não atingir o desenvolvimento humano a que tem direito, significa o risco de lesão cerebral. É evidente que para isso você precisa ter programas emergenciais. Defendemos a distribuição de alimentos, mas com o fortalecimento das organizações comunitárias, com uma visão de cidadania.
No caso da desnutrição infantil, é óbvio que só o poder público não vai resolver. Tem de ter um movimento de solidariedade. Quem no Brasil tem efetivamente conseguido combater a desnutrição é a Pastoral da Criança. Só no Estado de Minas ela tem 13 mil agentes voluntários.
Folha - Quais são os Estados que estão hoje comprometidos com as propostas do Fórum?
D. Mauro - O primeiro, por razões óbvias, foi Minas, por causa do presidente Itamar, que já tinha sido parceiro no Consea e se elegeu com um discurso crítico ao governo. Num encontro em Belo Horizonte (dias 18 e 19) tivemos gente do Amapá, Amazonas, Acre, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio, Minas e Alagoas. Inclusive representantes dos governos.
Folha - O governo federal acaba de lançar mais um projeto de combate à pobreza, o Comunidade Ativa, que tem proposta semelhante à do Fórum na medida em que propõe substituir o assistencialismo por programas de desenvolvimento definidos pelas comunidades.
D. Mauro - Eu não me entusiasmo com esses projetos. São bons, são importantes. Mas, se a gente continuar obedecendo a critérios que fazem com que 41% do Orçamento real para o ano 2000 seja destinado para pagar as dívidas e os serviços das dívidas, é óbvio que não vai resolver o problema da fome. Sem medidas no campo do Legislativo, sem medidas que priorizem a democratização da terra, educação, capacitação para o trabalho, criação de empregos, distribuição de renda, não vamos resolver nada.
Folha - Se o presidente Fernando Henrique o convidasse para participar do governo, como fez o presidente Itamar Franco, o sr. participaria?
D. Mauro - Eles não iriam convidar. Ele dispensou o Consea em 1995 e é um homem muito coerente, pelo menos era. O programa Comunidade Solidária é um programa secundário. O eixo da ação do governo sempre foi atrelar o Brasil à ordem econômica internacional acreditando que esse é o caminho. Eu discordo.
Acho que não temos nenhum plano de desenvolvimento para o país até hoje. E nós atrelamos a nossa navezinha brasileira a uma nave-mãe espacial que já estava à deriva havia muito tempo e que agora ela mesma, por meio de alguns de seus instrumentos de operação, como o Fundo Monetário Internacional, reconheceu que os que seguiram as suas diretrizes se deram mal.
Para uma parceria hoje com o governo federal nós temos que entrar no cerne da questão. Nós queremos discutir qual é o rumo do desenvolvimento do país. O resto vem depois.
Folha - Da mesma maneira que o país vem mudando muito ao longo desta década, a Igreja Católica também mudou. Nós assistimos nesse período, por exemplo, ao enfraquecimento da Teologia da Libertação e ao crescimento da Renovação Carismática. O que mudou na igreja? Ela está hoje mais ou menos sensível às questões sociais?
D. Mauro - Eu não diria que a igreja não está sensível. Talvez a resposta que ela busque dar traga mais consolação do que cidadania. Essa é que é uma questão séria. Nós estamos vivendo movimentos de massa, com conteúdos, com expressões, com propostas que a mim não me convencem. Primeiro, porque parece que estamos entrando numa disfarçada cruzada.
Folha - O sr. se refere exatamente a quê?
D. Mauro - Eu me refiro, por exemplo, a um evento como o que nós tivemos outro dia no Maracanã (12 de outubro). Refiro-me à valorização de um método de trabalho de alguns padres ainda bastante jovens e que se revelam imaturos. Eu, por exemplo, achei chocante a declaração do padre Marcelo Rossi em que dizia que procura mudar a imagem do padre porque essa imagem é do padre efeminado, mulherengo e alcoólatra. O padre brasileiro não é isso. Isso revela um desconhecimento do que os padres estão vivendo por este país afora, o empenho de transformação social. Eu fiquei surpreso e chocado com essa declaração porque foi extremamente ofensiva. Qual é a imagem que ele está passando? É de um padre que canta. Alguns que vi cantando cantam mal, inclusive. Como atores também não me comoveram.
Folha - Mas eles estão atraindo uma multidão que a igreja não atrai há muito tempo.
D. Mauro - Em verdade, a igreja sempre, em qualquer tempo, viveu duas realidades. A participação efetiva na comunidade eclesial no Brasil nunca foi mais de 10%. Mas em certos momentos você sempre soube atrair multidões. Como num Congresso Eucarístico. Nós, da chamada eu não gosto da palavra, mas enfim igreja empenhada na transformação social, acho que de fato descuidamos um pouco do trabalho com a massa. A gente deixou isso de lado, e acho que foi um erro bastante grave.
Mas a proposta agora não me convence. No fundo, procura-se trabalhar para reagir à invasão das seitas. Uma coisa é a Renovação Carismática como uma manifestação desse pluralismo da igreja, como uma oportunidade para as pessoas aprofundarem um pouco mais a experiência de fé. É um caminho para quem aprecia esse método. Agora, você transformar a Renovação num instrumento de conquista, eu pessoalmente acho que não é por aí.
Bispo quer compromisso com pobres
Fiel do padre Marcelo deve agir, diz CNBB
(Folha de São Paulo, 28 de novembro de 1998)
O vice-presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), d. Marcelo Carvalheira, fez ontem uma ressalva ao padre Marcelo Rossi, de São Paulo, conhecido por transformar suas missas em espetáculos que reúnem milhares de pessoas na zona sul da cidade.
Ao ser questionado sobre a forma como o padre Marcelo conduz a missa, dançando o que chama de "aeróbica do Senhor", Carvalheira afirmou que é preciso "se comprometer com empobrecidos".
"Ele se exprime por meio de ritos muito palpitantes, muito vibrantes. É um fenômeno bom, pois muitos fiéis têm retornado (à igreja). Mas, para que não fique superficial, esses fiéis terão de se comprometer com os empobrecidos e com o aprofundamento da catequese", afirmou.
Rossi é hoje o principal representante do movimento de renovação carismática, ala da Igreja Católica que se contrapõe às que defendem um maior engajamento de religiosos em questões sociais e adota ritualística semelhante à dos cultos evangélicos pentecostalistas.
Nova montagem de Marcelo Marcus Fonseca é livre adaptação do primeiro texto do Marquês de Sade
Peça "converte" padre Marcelo Rossi
ROGÉRIO EDUARDO ALVES
(Jornal "Folha de São Paulo", 30/11/1999)
"É o padre Marcelo Rossi convertido pelo Marquês de Sade." Assim o diretor e ator Marcelo Marcus Fonseca define sua nova montagem, que estréia hoje no Teatro de Arena Eugênio Kusnet.
A peça é uma adaptação livre do primeiro texto do Marquês de Sade (1740-1814), "Diálogo entre um Padre e um Homem Morrendo" ("Dialogue entre un Prêtre et un Morinbond"), de 1782, e recebe o sugestivo nome de "Exercício Aeróbico para Padre e Banda nš 1 Opus 1999", com Carolina Gonzales e Caco Mattos.
É mais uma das montagens de peças curtas, essa tem 40 minutos de duração, que estão no festival ocupArena, que vai até dezembro (leia texto nesta página).
Segundo Fonseca ("A Filosofia na Alcova"), ele teve a idéia de trabalhar com a imagem do padre-cantor por entendê-lo como símbolo da ofensiva das igrejas na mercantilização da fé.
"É um ataque desonesto desmerecendo quem não quer alcançar o perdão de Deus", comenta.
A história se passa numa espécie de capela cheia de promessas, "uma Aparecida do Norte". Um padre procura converter uma mulher, vítima da violência urbana, que se deita para morrer.
Nessa situação, a mulher passa a questionar a existência de Deus, desmembrando os argumentos clássicos da Igreja Católica, o mito de Cristo e demais fundamentos.
O diretor procura mostrar a ineficiência da caridade religiosa. "A religião só chega na hora que a ferida abriu e as moscas já pousaram em cima", afirma. "Em vez de tirar a bala do corpo, querem salvar a alma."
Mas o que incomoda ainda mais Fonseca é como se mexe com a ilusão das pessoas. Todo o ritual-show é a celebração da "alegria burra", analisa. Há o contraste entre as situações limites a que as pessoas estão sujeitas e a alegria dos padres que cantam e fazem aeróbica. "O milagre precisa do espetáculo e dos simplórios", diz.
O que se pretende com a encenação é "contra-atacar à altura" e mostrar e provocar as pessoas a pensarem em um outro lado, que o diretor identifica já na obra do escritor francês.
Para o diretor, "padre bom a igreja expulsa", basta ver Leonardo Boff. "Ele me convence de que Deus existe."
SHOWMISSA EM INTERLAGOS
Padre Marcelo apenas resvala no social
ARMANDO ANTENORE
(Jornal "Folha de São Paulo", 03 de Janeiro de 2000)
- Quem aqui, desculpe fazer a pergunta, está desempregado?
Padre Marcelo indagou a multidão enquanto iniciava o ofertório, a parte da missa em que se oferecem o pão e o vinho para "o Pai".
Se alguém chegasse à cerimônia naquela hora, poderia pensar que o sacerdote, embora constrangido, resolvera finalmente questionar as desigualdades sociais do país, como lhe cobram a ala progressista da Igreja Católica e a cúpula da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
Mas não. Diante dos muitos fiéis que ergueram os braços em resposta à pergunta, o padre comentou: "Meu Deus!". E só.
O mesmo aconteceu em outros momentos - quando parecia que a missa iria ganhar contornos mais políticos, rapidamente se mudava de assunto.
"Será que, às vezes, na vida, nós não pisamos no pé do nosso irmão, da nossa irmã? Quantos sinais de ódio, de injustiça atingem a dignidade de tantos irmãos...", lamentou o bispo dom Fernando Figueiredo, que também participava da celebração. Lançou a isca, mas não pescou peixe nenhum. Limitou-se a concluir: "É por isso que, agora, todos nós vamos pedir perdão pelos nossos pecados".
Minutos depois, o bispo abriu a homilia com uma frase de santo Agostinho, um dos maiores teólogos católicos: "Reconciliar-se é viver". Discorreu, então, sobre o tema. Falou da necessidade de os fiéis buscarem "a paz, a harmonia" e de construírem "uma sociedade fraterna, solidária". Deu exemplos: o cristão não deve "pisar no calo do vizinho" nem "virar a cara para o próximo". Evitou, no entanto, menções diretas à violência urbana.
Apenas quando tratou de patriotismo é que padre Marcelo empregou tom mais veemente. "Viva o Brasil!", gritou logo depois de puxar o Hino Nacional, já no fim do evento.
Sempre que encontrava brecha, incentivava o público a acenar os lenços verde-amarelos distribuídos pelos organizadores da missa.
Entre a primeira e a segunda partes do hino, o sacerdote convocou "os brasileiros" a se tornarem "um povo forte, ordeiro, um povo que ama sua família, que ama sua pátria". Para lembrar o piloto Ayrton Senna, pediu que Sandy e Júnior cantassem "O Imortal".
"Reconciliar? Não entendo muito o que o bispo quis dizer com isso, não. Uma palavra difícil. Na minha idade, já devia entender, né? Mas não entendi", confessou Marçal dos Santos, pedreiro aposentado de 72 anos que assistia à celebração.
Perto dele, a costureira desempregada Maria de Jesus, 51, explicou assim o sermão de dom Fernando: "O bispo está pedindo para a gente tirar o ódio do coração. Significa que o bom devoto aqui de baixo não pode odiar os figurões lá de cima, os políticos, os ricos, os poderosos, porque infelizmente eles são nossos irmãos. Eu, de minha parte, penso que não se deve odiar, mas se deve cobrar justiça. Se me dão lenço verde-amarelo, aceno com prazer, porque o problema do Brasil não é o Brasil. É o pessoal lá de cima".
(observação do Laerte: Afirmações como estas, desta costureira, nos faz acreditar numa elevação do nível de consciência do povo brasileiro. Por mais que a classe dominante e os seus ideólogos tentem, não conseguem a alienação total. É possível leituras críticas.)
(grifos de Laerte)