Arquitetura do nazismo
Produções, em VHS e DVD, retratam facetas do nazismo e do neonazismo
JAIME SPITZCOVSKY
(Jornal "Folha de São Paulo", 17/01/2000)
"Arquitetura da
Destruição", documentário do sueco
Peter Cohen, oferece uma interessante
visão da maior barbárie cometida no mundo contemporâneo, o nazismo.
O filme
busca explicar o fenômeno alemão por meio da influência da
"estética nazista", da arte e da arquitetura nos planos e no ideário
de Adolf Hitler. Deixa em segundo plano instrumentos mais frequentes em leituras históricas, como a política e a economia.
Cohen, ele mesmo filho de um
judeu alemão que fugiu de Berlim
em 1938, focaliza o nazismo como
uma empreitada arquitetada para
"embelezar" o mundo, livrando-o
de "dejetos".
Os campos de extermínio eram um instrumento de
"embelezamento", diz o narrador
do documentário, descrevendo o
que Cohen vê como o objetivo final do genocídio de judeus, ciganos e outras minorias.
Logo no início da produção, o
diretor sueco prefere percorrer
caminhos diferentes da estética.
Aborda aspectos da psicologia de
Hitler e de outros líderes da Alemanha nazista, a fim de estabelecer um elo entre a formação deles
e os critérios usados para modelar
a ideologia que se baseava na busca "da beleza e da pureza raciais".
"Artistas frustrados eram uma
constante na liderança do Terceiro Reich", conta o documentário.
Cohen alinha as trajetórias fracassadas no mundo das artes de
homens como Joseph Goebbels, o
rei da avassaladora máquina de
propaganda nazista.
De Hitler, relata: "Era um pintor que sonhava
ser arquiteto". O nazismo, portanto, seria uma maneira de o artista frustrado impor seu projeto
arquitetônico -a arquitetura da
destruição- a todo o planeta.
O hitlerismo queria destruir tudo o que fosse "repugnante" para
seus afiados valores estéticos. Padrões de beleza física encontravam raízes na Antiguidade, em
gregos e em romanos, além de fisgar modelos em mitos medievais
alemães.
A arte nazista contrastava com o "bolchevismo cultural
instigado pelos judeus".
Hitler, com sua defesa da eugenia e da pureza racial, não colocava apenas sobre arquitetos e artistas o fardo de construir uma "Alemanha resplandecente".
Recorria
também aos médicos, a quem
chamava de "guerreiros biológicos que cuidam da beleza da raça", para montar teorias racistas e
aplicar monstruosos programas
de eutanásia, de eliminação de
portadores de deficiências físicas
ou mentais e para contribuir com
o esforço de "limpar o Terceiro
Reich de sujeira biológica", numa
referência aos judeus.
Os médicos
formavam, segundo Peter Cohen,
a categoria profissional com
maior número de adeptos do nazismo: 45% deles eram filiados.
Cohen destaca um aspecto menos conhecido do perfil psicológico de Adolf Hitler: a admiração do
ditador nazista pela obra de Karl
May. Escritor de livros infantis,
ele foi um autor popular entre as
crianças alemãs com suas histórias sobre índios e mitos de outras
paragens, desconhecidos naquele
mundo germânico.
Hitler bebeu
dessa fonte, que exaltava o heroísmo, também em sua vida adulta.
"Arquitetura da Destruição" se
equilibra ainda sobre a linha cronológica. Conta o desenrolar da
Segunda Guerra Mundial como
pano de fundo para desenvolver
sua tese a respeito dos valores estéticos de Hitler e sua importância
na gênese do nazismo.
O documentário traz imagens pouco conhecidas da ofensiva nazista sobre território soviético, em 1941,
oferece cenas de filmes de propaganda que infestavam os cinemas
de Berlim nos anos 30 e 40.
O filme é rico em imagens dos
planos mirabolantes de Adolf Hitler no mundo da arquitetura, como a idéia de construir um megamuseu na cidade austríaca de
Linz ou outros projetos faraônicos destinados a perpetuar a homenagem a uma sonhada vitória
nazista. O documentário mostra
maquetes e plantas, algumas rabiscadas pela mão do próprio ditador, que tinham como objetivo
dar à Alemanha e ao mundo os
contornos visuais do nazismo. E
que de belos não tinham nada.