"Bolsa de trabalho" reúne imigrantes
Reportagem de Vanessa Adachi
(Jornal "Folha de São Paulo", 21 de fevereiro de 2000)
Na esquina das ruas Cobo e
Curapaligue, no bairro portenho
de Bajo Flores, todos os dias centenas de bolivianos e peruanos
se acotovelam para conseguir
um emprego.
Os imigrantes vão até lá para
se oferecer para qualquer um
que queira lhes dar um trabalho
temporário, o que fez com que a
esquina ficasse conhecida como
"bolsa de trabalho". Como há
mais candidatos do que ofertas
de emprego, qualquer pessoa
que se aproxime é logo cercada
por dezenas de pessoas pedindo
trabalho.
A bolsa existe há oito anos,
mas foi nos últimos dois que começou a juntar mais gente. Lá, a
Defensoria do Povo da Cidade
de Buenos Aires constatou uma
das mais graves formas de marginalização dos imigrantes.
"Há muitos que se sujeitam a
trabalhar em condições de servidão. São como escravos", diz o
defensor público Alejandro Nató. "Como não têm documentos,
são abusados, porque não têm
como reclamar", diz Nató.
Há muitos relatos de imigrantes que foram ameaçados ou
chegaram a sofrer violência física por denunciar a falta de pagamento.
Mesmo quando recebem,
também são discriminados. O
salário pago a um imigrante é
metade do que receberia um argentino. Um mês em uma tecelagem trabalhando 12 horas por
dia vale US$ 200 para bolivianos
e peruanos.
Na última quinta-feira, a reportagem da Folha visitou a
"bolsa de trabalho" acompanhada de funcionários da defensoria. Ao ver a máquina fotográfica, a primeira reação da maioria
das pessoas foi esconder o rosto.
Quase todos estão em situação
ilegal no país.
Ao saberem que se tratava de
um jornal brasileiro, ficaram
mais à vontade: não corriam risco de ser identificados pela polícia argentina. Falaram da discriminação, dos maus tratos, das
condições precárias de trabalho
e da saudade de seu país de origem.
"Não estamos aqui para roubar o emprego de ninguém e
nem roubamos dinheiro. Nos
acusam dessas coisas aqui na
Argentina, mas tudo o que conseguimos é com nosso trabalho", disse Jaime Alarcom, 28,
nascido na Bolívia.
O boliviano Santos Vivanco,
32, não tem documentos e já foi
pego várias vezes pela polícia.
"Nos identificam pela cara que
temos, logo sabem que não somos argentinos", disse ele, referindo-se aos traços da descendência indígena.
Pai de um filho, Rodolfo Mamani, 24, é dos que acreditam
que a vida na Argentina ainda é
melhor que em seu país. Está desempregado há duas semanas e
já passou por quatro trabalhos
diferentes -na construção e na
tecelagem- desde que chegou,
há um ano. Mesmo assim, diz
que ganha mais dinheiro agora
do que quando morava em Potosi, Bolívia.