Por que está ocorrendo a tragédia na Febem?

Cenise Monte Vicente

Jornal "Folha de São Paulo", 28/10/1999

1. O modelo existente centrado na vigilância e punição, com zero de educação, é perverso, pois não atende a decisão de sócio-educar nem a decisão de privar de liberdade;

2. A Secretaria da Assistência e Desenvolvimento Social não tem demonstrado competência para apresentar alternativas ao modelo, não construiu abordagem adequada para os jovens autores de atos infracionais, nem para suas famílias nem para as instituições destinadas a essa clientela;

3. O governo democrático herda redutos autoritários, nos quais se soma a cultura da violência com o pior corporativismo, num panorama político no qual a juventude é tratada e vista somente como problema;

4. O empreguismo interfere desde sempre nas contratações da Febem e explica parte da má qualidade de seus recursos humanos (as exceções só confirmam a regra);

5. Os diversos protagonistas _instituições e pessoas_ não se entendem. E jogam o empurra-empurra no qual a co-responsabilidade não tem possibilidade de ocorrer, e cada jogador encontra uma justificativa para desculpabilizar-se;

6. A incapacidade de realizar alternativas de educação para os jovens mais difíceis fomenta o sentimento de impotência civil, e a demanda social qualificada praticamente inexiste;

7. Os imediatistas e superficiais aproximam-se inconscientemente dos fascistas e possibilitam a retomada da discussão do rebaixamento da idade penal, a serviço da desqualificação do Estatuto da Criança e Adolescente. Essa crítica ao ECA tem como base um total desconhecimento da lei e de sua não implementação;

8. O apoio silencioso de grande parte da população não à pena de morte, mas às execuções, colabora para que a solução seja postergada;

9. A violência desses adolescentes é emergente de outras questões graves que passam pela falta de perspectiva para os jovens, sistema educacional excludente, pobreza e ausência de educação para a convivência;

10. Não há política de apoio, auxílio e orientação para a família.

Algumas ações:

1. Alterar o que existe depende de uma decisão do governador: colocar esta questão como o principal desafio de seu governo;

2. O atendimento ao jovem autor de ato infracional é um problema da educação, dentro de uma política mais ampla para a juventude;

3. É preciso discutir mais a proposta pedagógica do que a segurança e as fugas, desenvolver projetos sócio-educativos e avaliar os resultados, priorizando escolaridade e a convivência;

4. É preciso fazer a análise crítica da utilização do orçamento da Febem, remanejando tudo o que for necessário para cumprir a finalidade de educar;

5. Também definir e implementar uma política de atenção à família;

6. Ampliar e intensificar a articulação das diversas secretarias de Estado na ação educativa, bem como incluir em programas específicos a sociedade civil organizada e ONGs;

7. Garantir a participação crítica de representação de famílias e adolescentes na gestão da Febem;

8. Enfrentar os interesses de fornecedores, padrinhos políticos e a máfia de torturadores;

9. Acabar com a superlotação imediatamente, utilizando espaços e áreas estatais, sem submeter a decisão ao parecer preconceituoso de líderes municipais e suas respectivas comunidades locais;

10. Agendar para dezembro de 2002 um evento na Febem, apresentando o balanço social do modelo sócio-educativo desenvolvido em São Paulo.


CENISE MONTE VICENTE, 42, é mestre em psicologia social e co-autora de "Dez Medidas Básicas para a Infância Brasileira" (do Unicef/Fundação Abrinq, 1994), entre outros.


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