"Argentino quer se sentir um europeu"
Entrevista realizada por Vanessa Adachi
(Jornal "Folha de São Paulo", 21 de fevereiro de 2000)
Para o especialista em migrações Lelio Marmora, a crise econômica é a razão para o aumento
da xenofobia na Argentina.
"O aumento da desocupação
alimentou os sentimentos de rechaço e xenofobia. Esse é um momento de queda social na Argentina. As classes médias deslocadas
para baixo buscam se diferenciar
dos outros pobres discriminando-os pela cor ou pela raça", disse
Marmora, que ensina sociologia
das migrações na Universidade
de Buenos Aires e representa a
Organização Internacional para
as Migrações na região.
Marmora, que é argentino, também descreve a herança histórica
e cultural da população do país
como uma das causas da xenofobia atual. "Principalmente em
Buenos Aires, sempre houve um
complexo muito grande de se
sentir europeu. E tudo que não é
europeu é discriminado."
Folha - O que tem causado o
aumento da xenofobia na Argentina?
Lelio Marmora - Não creio que
haja relação entre o número de
imigrantes e o conflito. O fenômeno deve-se mais ao desemprego.
Folha - O preconceito se baseia na crença de que imigrantes dos países vizinhos roubam
as oportunidades de trabalho
dos argentinos. Isso é verdade?
Marmora - Não. Em geral, os
imigrantes fazem trabalhos que
os argentinos não querem. Além
disso, podem voltar a seus países
quando a crise aperta.
Folha - O que causa esses movimentos migratórios atuais?
Marmora - Diferentemente da
década de 70, quando as causas
eram políticas, por causa das ditaduras latino-americanas, hoje o
problema é econômico.
Folha - Quais são os principais
grupos que chegam hoje?
Marmora - A maior parte é de
bolivianos e paraguaios. Mais recentemente, nos últimos cinco
anos, começou uma migração peruana. É a mais nova corrente.
Folha - A herança européia na
formação dos argentinos tem
relação com essa rejeição?
Marmora - Os europeus inventaram a fundamentação científica
do racismo. Há uma herança
muito forte desse racismo nos argentinos. Mesmo os argentinos
do norte do país, que têm traços
indígenas, são discriminados,
chamados de "negros". Ser negro
aqui é ser pobre, do interior e não
ter traços europeus.
Folha - Os imigrantes não roubam o emprego dos argentinos
e tampouco praticam mais delitos. O que acontece então?
Marmora - O problema está
com os argentinos, que vivem um
mau momento, e não com os imigrantes. Os argentinos precisam
aprender a viver com tolerância e
respeito. Essa já foi uma terra generosa com os imigrantes -só
que então eles eram europeus e
não descendentes dos incas.