REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E DESEMPREGO
Vicente Paulo da Silva
(presidente da CUT)
O desemprego é hoje um dos principais Problemas a serem enfrentados pelo trabalhadores e pelo movimento sindical. Não só no Brasil. Em todos os países está em curso um processo de destruição e de precarização dos postos de trabalho. Por um lado, isso faz parte de um fenômeno mais amplo, que são as novas formas de produção de bens e serviços e de reprodução do capital, o que remete à discussão da globalização, das novas tecnologias e de novos processos produtivos...
Por outro lado, o desemprego é conseqüência direta das políticas de ajuste adotadas por vários países frente às crises econômicas pelas quais passaram nos últimos anos, sobretudo ao longo dos anos 80. São políticas de caráter neoliberal, que enfatizam a supremacia dos mecanismos de mercado, a retirada do Estado da economia e o incentivo aos círculos de excelência produtiva, viabilizando o crescimento com a exclusão de parcelas crescentes da população.
No caso do Brasil, o problema do desemprego assume características particularmente graves. Primeiro porque o período de grande crescimento econômico, que se estendeu dos anos 30 até os anos 80, caracterizou-se por intensos processos de concentração de renda e de exclusão social. Segundo porque também o Brasil sofre os impactos da globalização, dos novos processos produtivos e das novas tecnologias, mas agindo sobre a desigual estrutura social herdada do período anterior. E terceiro porque as políticas econômicas em curso nos últimos anos, principalmente com o Plano Real, têm-se pautado pela adoção do modelo neoliberal, com a contenção do investimento e do poder de compra, atuando no sentido de reforçar o desemprego e a exclusão.
Esse quadro exige do movimento sindical uma atuação cada vez mais ampliada e qualificada. É preciso atuar desde o interior das empresas até as políticas públicas, com movimentos e propostas capazes de barrar a implantação do modelo neoliberal e viabilizar um novo padrão de desenvolvimento.
Neste texto, apresentamos o diagnóstico e as propostas que têm orientado a atuação da CUT na luta contra o desemprego. Priorizamos o enfoque sobre os processos produtivos e o mundo do trabalho e sobre alguns temas centrais de políticas públicas, sem abandonar a perspectiva geral já exposta.
1. Principais características da reestruturação produtiva
A reestruturação produtiva teve um primeiro impulso no Brasil no início dos anos 80, quando as principais empresas lançaram-se ao mercado externo como forma de atenuar o impacto da recessão.
Foi, portanto, por conta da exigência dos seus clientes internacionais que as empresas brasileiras passaram a adotar programas de qualidade e a introduzir inovações tecnológicas e organizacionais no processo produtivo. Daí se explica porque as inovações se concentraram nas empresas exportadoras e nas plantas ou linhas dos produtos exportados nesse período.
Além disso, as inovações tecnológicas foram introduzidas no interior das empresas apenas parcialmente, em particular nas etapas de produção que condicionam o ritmo de trabalho e naquelas responsáveis pelo controle de qualidade no final do processo produtivo. A gestão autoritária do processo de trabalho manteve-se inalterada, mas agora é associada à tentativa de garantir a adesão passiva dos trabalhadores aos círculos de controle de qualidade (CCQ), aos programas participativos etc.
Além dos setores exportadores, o setor bancário também passou a utilizar internamente a dinâmica das inovações tecnológicas, ainda que não estivesse sujeito a pressões externas. Nossos companheiros desse setor passaram a enfrentar no cotidiano os desafios e os dilemas das inovações tecnológicas e, em especial, os seus impactos sobre o nível de emprego ainda nos anos 80.
No entanto, somente a partir dos início da, década de 90 as inovações tecnológicas e organizacionais passaram a difundir-se para o conjunto da economia, basicamente em razão da recessão conjugada à abertura indiscriminada das importações, ambas promovidas pelo governo Collor. As empresas, por sua vez, para reagir à crise e à maior concorrência, fizeram uso das inovações tecnológicas de base microeletrônica com o objetivo de aumentar a produtividade, reduzir custos de produção e melhorar a qualidade dos seus produtos.
Ou seja, as exigências de qualidade e produtividade e a pressão por redução de custos se generalizaram para u m universo cada vez maior de empresas, não ficando mais restritas às empresas exportadoras mas estendendo-se também àquelas vinculadas mais diretamente ao mercado interno (alimentos, têxtil, informática etc.). O comércio e até os serviços públicos (hospitais, escolas etc.) também passaram a aplicar programas de qualidade, produtividade e redução de custos. Portanto, nos anos 90, os impactos das inovações tecnológicas, organizacionais e gerenciais começaram a afetar um número muito maior de trabalhadores.
Em razão dessas exigências, o maior desafio para as empresas passou a ser a flexibilidade produtiva. As empresas procuram organizar a produção e o trabalho de tal forma que uma planta industrial seja capaz de produzir uma gama cada vez maior de produtos numa mesma linha de produção e Ter capacidade de enfrentar as oscilações do mercado.
Assim a introdução das inovações tecnológicas (CNCS, CLPS, robôs, CAD/CAM, terminais de computadores etc.) é acompanhada e subordinada à implementação de novas formas de organização da produção e do trabalho (células ou ilhas de produção, grupos de trabalho participativos e polivalentes etc.) e inúmeros programas de controle e desenvolvimento da qualidade (TQC, Kaizen, CEPs etc.).
Entretanto, a marca mais característica da reestruturação produtiva no país é a predominância das inovações organizacionais e gerenciais.
Ainda é pouca expressiva a incorporação das novas máquinas e equipamentos de base microeletrônica. Na maioria dos casos de reestruturação, as empresas alteram a organização da produção e do trabalho mantendo as mesmas máquinas e equipamentos.
Entre as inovações organizacionais e gerenciais mais difundidas estão a terceirização e o just-in-time. A adoção da terceirização pelas empresas consiste em concentrar esforços naquilo que é a vantagem competitiva da empresa e transferir o conjunto das atividades, seja de apoio ou mesmo de produção, para outras empresas, com o objetivo de reduzir custos e simplificar o processo produtivo. A terceirização pode manter as mesmas atividades no interior das empresas ou deslocá-las para as plantas das empresas que passam a ser responsáveis pelo fornecimento dos serviços ou produtos.
Uma pesquisa realizada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC revela que a terceirização atinge não só as atividades de apoio (limpeza, restaurante, transporte e enfermaria), mas também a manutenção, ferramentaria, usinagem e caldeiraria. Esse processo tem uma natureza perversa e selvagem, pois envolve rebaixamento salarial e informalização das relações de trabalho.
Segundo essa mesma pesquisa, em 92% dos casos de terceirização houve redução de salários, em 52% dos casos os trabalhadores perderam benefícios sociais e trabalhistas e em mais de 33% das empresas pesquisadas houve aumento da jornada de trabalho.
O just-in-time interno, por sua vez, é um instrumento de controle da produção cujo objetivo básico é atender o cliente da empresa com a maior rapidez possível, reduzindo os estoques de matéria-prima, de bens intermediários e finais.
Para tanto, utiliza-se um sistema de informações que procura estabelecer o momento exato de articulação entre as várias etapas de fabricação, o material exato para o processo de produção e a quantidade exata de produção. Esse sistema pode tanto envolver somente as várias etapas de produção no interior das empresas como também os fornecedores externos.
Em geral, o just-in-time está associado à implementação das células de fabricação e tecnologias de grupo, pois ao operar com níveis muitos mais reduzidos de insumos, ele acaba exigindo uma enorme coordenação entre as diversas etapas de produção. As células ou ilhas de fabricação são uma nova forma de organizar a produção, já que as máquinas são ordenadas de acordo com o fluxo das peças e não mais pelo tipo de máquinas. Além disso, esses sistemas são acompanhados pela utilização do CEP, Kaizen ou TQC - cujo papel é integrar o controle de qualidade à produção envolvendo todas as atividades e postos de trabalho.
A tendência mais recente das relações com os fornecedores externos é a criação de pólos industriais e condomínios de empresas. O polo industrial consiste na aproximação geográfica dos fornecedores das empresas que utilizam uma gama muito variada de peças para a fabricação de um determinado produto final. O condomínio industrial, por sua vez, envolve a instalação dos fornecedores no terreno ou mesmo no interior da planta da empresa-mãe.
Essas duas formas de organização espacial da relação das empresas com os seus fornecedores vê crescendo no setor automotivo, na informática, na eletrônica de consumo e na chamada linha branca (televisão, geladeira, freezer, fogão etc.).
As empresas, na reestruturação produtiva, não estão optando somente por estabelecer novas relações produtivas e comerciais com vistas a uma maior aproximação geográfica com os seus fornecedores. Essa política é acompanhada pela globalização das compras – global sourcing – ou seja, as chamadas empresas-mãe passam a importar grande parte dos insumos (partes, peças e componentes) utilizados nos seus processos industriais.
Outra técnica organizacional bastante utilizada é a redução dos níveis hierárquicos, cujo objetivo é aumentar a rapidez na aplicação das decisões tomadas pelas empresas, o que é viabilizado principalmente por meio de uma maior coordenação interna entre as suas várias áreas e departamentos.
Muitas empresas, de diversos setores, vêm reduzindo para menos da metade esses níveis, promovendo o desemprego de profissionais até então dificilmente atingidos por demissões em virtude de períodos de recessão econômica.
Essas mudanças têm gerado alterações na natureza do trabalho e das funções e profissões. Os trabalhadores, além de responsáveis por múltiplas funções de operação, limpeza, manutenção e controle de qualidade, passam a ser submetidos a ritmos muito mais intensos de trabalho. O trabalho tende a se concentrar mais na execução de operações de sistemas, máquinas e equipamentos do que naquele associado á manipulação direta do material ou insumo em processo de fabricação. Essas mudanças no trabalho exercido no interior das empresas têm reforçado as características dos chamados operadores e eliminado diversas profissões, como por exemplo, o torneiro mecânico na indústria metalúrgica e o inspetor de qualidade.
Não se pode esquecer, no entanto, que a polivalência no Brasil, ao contrário de diversas experiências internacionais, não significa necessariamente que o trabalho dos operários seja valorizado ou enriquecido. Na maioria das vezes, o trabalhador passa a executar as mesmas atividades que antes eram executadas por um número maior de trabalhadores, sem haver alterações salariais e nem das condições de trabalho.
Essa situação reflete não só o descaso pelo trabalhador enquanto ator fundamental no processo de geração de riqueza, mas também o paradoxo do sistema educacional e de formação profissional do nosso país. Assim, os baixos níveis de qualidade do ensino básico e o pensamento empresarial em conceber a formação profissional como mero adestramento são incoerentes com as novas prerrogativas de um trabalhador dotado de conhecimentos universais e de uma qualificação profissional polivalente.
2. A emergência do desemprego estrutural e do aumento da precarização e da informalização do mercado de trabalho
O denominador comum da reestruturação produtiva nas várias empresas é a atitude predatória e ao mesmo tempo conservadora que concebe o trabalho como custo e não como investimento, o que fica patente na gestão autoritária das relações de trabalho, quando se questiona, por exemplo, o direito à livre organização sindical dos trabalhadores.
O corte nas despesas salariais das empresas, por meio da redução de salários e das demissões em massa, é uma das principais formas de reajuste estrutural frente à necessidade de menores custos. As inovações tecnológicas, ao pouparem mão-de-obra, também cumprem o mesmo papel. No entanto, muito raramente a sua introdução vem acompanhada de discussão com os respectivos sindicatos.
Essa visão conservadora do papel do trabalho no processo produtivo no Brasil trouxe como resultado uma maior flexibilização do mercado de trabalho na década de 90, chegando-se a registrar uma taxa de rotatividade da mão-de-obra de 30% em 1993 - o que significa um terço dos trabalhadores obrigados a trocar de emprego anualmente, na sua grande maioria para ocupar postos criados no setor informal e sem as garantias da legislação trabalhista.
Assim, a reestruturação industrial em curso no Brasil - marcada por um forte conservadorismo empresarial e pela ausência de políticas indutoras da competitividade social - tem agravado a concentração de renda, a precarização e a informalização do mercado de trabalho que já estavam presentes nos anos 80. Nesse período, apesar de a taxa anual de geração de empregos ter sido de 3,5% - superando a taxa anual de crescimento do PIB, de 1,5% - houve uma queda de 14% do salário médio real e de 50% do salário mínimo real. Ou seja: foram gerados empregos de menor qualidade e com baixos salários. Ainda assim, o total de empregos gerados no país esteve aquém das nossas necessidades, já que a cada ano 1,5 milhão de jovens engrossam o contingente da força de trabalho.
No entanto, a mudança dos anos 80 para os anos 90 criou pela primeira vez uma situação nova e mais complexa para a realidade do mercado de trabalho. Segundo dados do IBGE, entre 1988 e 1992, foram eliminados 2,1 milhões de empregos na indústria – quase 33% do total da força de trabalho nesse setor. O mais dramático, entretanto, é que o emprego na indústria não se alterou frente a uma elevação do produto industrial de 18% no biênio 1993/1994. Isso significa que a indústria não contribuiu, como no passado, para a geração de novos empregos no país.
Esse processo resultou, em grande medida, numa taxa de desemprego aberto que resistiu a uma queda inferior a 5%, o que significa quase 4 milhões de brasileiros permanentemente desprovidos de um dos direitos mais elementares da cidadania: o emprego. No caso dos dados de desemprego elaborados pelo convênio Dieese-Seade, somente na grande São Paulo, o desemprego atinge mais de 13%.
O período de duração do desemprego tem aumentado em virtude dos novos requisitos de seleção para contratações, por parte das empresas, maiores exigências de escolaridade e de adaptação ao trabalho junto aos novos processos produtivos. Assim parcela crescente dos desempregados tem tido dificuldades cada vez maiores de reinserção no mercado formal de trabalho – a contratação em regime de assalariado por tempo indeterminado e com carteira assinada.
Dessa forma, eles são obrigados a exercer vários tipo de bicos e regimes especiais de trabalho com uma visível deterioração das suas condições de trabalho em prol da sobrevivência diária.
No entanto,, esse nível de desemprego não dá conta da complexa real idade do mercado de trabalho brasileiro. E fundamental importância é o contingente de 50% da população ocupada composta de trabalhadores informais, autônomos, enfrentando condições precárias de trabalho, o que representa um total de 30 milhões de brasileiros.
O cerne do problema da exclusão social no Brasil está na convivência de níveis elevados de desemprego, pelos padrões históricos do país, com a proliferação de formas precárias de emprego. Assim sendo, cada vez menos a posse de um emprego é determinante de qualidade de vida, dada a recente deterioração da qualidade dos empregos. Exemplo disso diminuição da população assalariada em relação ao total de ocupados e o aumento, dentro da população assalariada, daqueles que não têm carteira assinada nos últimos anos. dentro da população assalariada, daqueles que não têm carteira assinada nos últimos anos.
Além disso, por volta de 40 milhões de brasileiros vivem em condições de pobreza, dos quais 20 milhões são indigentes, ou seja, não ganham nem mesmo o suficiente para satisfazer suas necessidades alimentares.
Dessa forma, o desafio da erradicação da exclusão social no Brasil é de tal importância que programas assistencialistas estilo Comunidade Solidária podem, no máximo, gerar um alívio temporário das condições subumanas em que vive grande parte de população. Para superar a exclusão temos que gerar empregos, e de qualidade. O seguro-desemprego e a formação profissional, portanto, devem funcionar em prol de um objetivo mais geral, ou seja, a realocação efetiva e consistente da mão-de-obra desempregada.
Isso tudo é inviável sem crescimento, mas muito mais inviável sem distribuição de renda.
A elevação a produtividade da indústria entre 1991 e 1994 foi superior a 35%, mas os trabalhadores (por meio de ganhos de produtividade) e a sociedade (por meio de redução real de preços) não se beneficiaram desse crescimento.
Esses elevados níveis de produtividade têm sido obtidos não só por intermédio das inovações tecnológicas e organizacionais no processo produtivo como também pela utilização indiscriminada de jornadas extraordinárias de trabalho.
A desigualdade é o fator unificador do mercado de trabalho brasileiro. Melhorar a distribuição pessoal da renda e aumentar a participação dos salários na renda total são um desafio, mas isoladamente não bastam. O combate à desigualdade e à exclusão social no Brasil deve vir acompanhado de um enorme esforço social contrário à discriminação das mulheres e dos negros no local de trabalho. Em 1990, os salários das mulheres eram cerca da metade do valor dos salários dos homens, enquanto os negros recebiam menos da metade que os brancos nas mesmas funções e atividades.
Essa luta não é só por melhoria das condições de vida, mas também pela afirmação da cidadania e dignidade do trabalhador. Por isso, o trabalho escravo deve ser combatido a todo custo. É inadmissível que, após 300 anos da morte de Zumbi - líder do Quilombo dos Palmares -, completados no ano passado, existam ainda formas de trabalho escravo no país. Somos também intransigentemente contra o trabalho infantil, pois reproduz no futuro as condições de miséria da população brasileira e perpetua o elevado analfabetismo nas futuras gerações.
Esse conjunto de questões relativas ao mundo do trabalho tem colocado para os sindicatos a exigência de articular um universo cada vez mais amplo de interesses dos trabalhadores numa estratégia comum de ação, tendo como objetivo central a consolidação dos valores básicos de solidariedade e sociabilidade. Esse quadro dá a dimensão dos nossos desafios.
3. As diretrizes da CUT para combater o desemprego e a exclusão social
A CUT, desde o II Congresso Nacional, vem gradativamente incorporando a agenda da reestruturação produtiva e dos novos modelos de organização do trabalho às suas prioridades e decisões congressuais.
A Central não se opõe, em princípio, à inovação tecnológica, organizacional ou, em linhas gerais, à modernização industrial. As inovações podem ter um importante papel na valorização do trabalho e na redução das desigualdades sociais, de renda, regionais e culturais nesse Brasil tão sofrido e excludente.
Além disso, a crescente incapacidade do setor produtivo de incorporar parcela desse enorme contingente de excluídos do setor formal (desempregados, informais, autônomos) não se deve isoladamente á crescente difusão das inovações tecnológicas, mas também ao fato de que uma parcela significativa desse setor produtivo não tem sido capaz d se reestruturar e se modernizar. Em virtude do aumento da concorrência interna e externa, muitas empresas reduzem constantemente os seus níveis de produção e de emprego ou desativam totalmente a produção.
Queremos dizer com isso que não são apenas as inovações tecnológicas e organizacionais os fatores responsáveis pelo aumento do desemprego, já que também a ausência de inovações pode ter efeitos semelhantes sobre o nível de emprego.
Dessa forma, a atitude sindical frente à reestruturação produtiva e à modernização tecnológica deve ultrapassar tanto a aceitação passiva quanto a recusa a qualquer iniciativa das empresas de promover mudanças.
A opção pela recusa à inovação não tem resultado em conquistas para os trabalhadores e muito menos no fortalecimento e na maior representatividde dos sindicatos.
Ao contrário, essa opção acaba facilitando a estratégia empresarial de estabelecer vínculos individuais ou mesmo coletivos diretamente com os trabalhadores em torno de consensos mínimos no local de trabalho.
A simples afirmação de que tais negociações são sempre uma forma de cooptação dos trabalhadores para o projeto da empresa não dá conta da complexidade desse processo e pode criar um distanciamento entre os trabalhadores e a orientação dos sindicatos.
Em função do acelerado crescimento da produtividade e da estagnação do emprego na indústria desde o princípio dos anos 90, alguns sindicatos e comissões de fábrica têm obtido, por intermédio de acordos com a direção das empresas, jornadas semanais em média de 40 horas sem redução de salários e com a adoção de mecanismos que coíbem a extensão da jornada extraordinária do trabalho. Dentre esses acordos, o da Mercedes-Benz assumiu enorme importância mobilizadora para o conjunto da categoria dos metalúrgicos do ABC.
Da mesma forma que os sindicatos mais organizados, as instâncias horizontais e verticais da CUT estão discutindo formas e mecanismos de ação comuns com o objetivo de fazer com que essas conquistas por empresa ou de sindicatos revertam em benefícios para o conjunto dos trabalhadores.
4.2. Organização por local de trabalho
A organização por local de trabalho é uma das melhores maneiras de se negociar e garantir a implementação dos acordos relativos à reestruturação produtiva nas empresas. Aliás, o enfrentamento efetivo e propositivo da reestruturação exige de nós um empenho para reforçar o trabalho de base com vistas a generalizar a garantia da representação sindical no local de trabalho.
As categorias ou sindicatos que conseguiram firmar acordos com a direção das empresas e garantir a sua aplicação já tinham comissões de fábrica ou outras instâncias de representação sindical nas empresas.
Portanto, para nós, a organização por local de trabalho (OLT) não representa somente a conquista da liberdade de organização sindical, mas um dos mais importantes instrumentos de representação coletiva capaz de propiciar a defesa efetiva dos trabalhadores nas negociações relativas à reestruturação produtiva
4.3. Mudanças organizacionais e tecnológicas
Os sindicatos e as comissões de fábrica têm conseguido, ou estão em processo de negociações, obter importantes conquistas relativas às mudanças organizacionais e tecnológicas.
Dentre as mais significativas, destacamos:
Dessa forma, a CUT está elaborando uma proposta concreta para a integração desses dois processos educacionais com o objetivo de abrir um amplo debate nacional que envolva desde os aspectos relacionados ao conteúdo básico da formação à participação das entidades sindicais no controle das diversas modalidades e níveis do processo de formação e da estrutura de financiamento. Além disso, os sindicatos têm conquistado de forma crescente junto às empresas a criação de modalidades de processos formativos e de reciclagem profissional para o conjunto dos trabalhadores, na forma de recursos homem/ano. Essas reivindicações ou mesmo conquistas têm como objetivo prioritário a elaboração, por parte dos próprios trabalhadores, dos sindicatos e OLT's, de propostas alternativas de organização do trabalho com vistas a privilegiar o enriquecimento do trabalho, a autonomia dos trabalhadores sobre o processo de trabalho, a melhoria da qualidade de vida no local de trabalho e a influenciar o número de trabalhadores necessários para cumprir as metas de produção das empresas.
Nesse sentido, realizou-se um acordo muito importante com a Mercedes-Benz. Pela primeira vez na história sindical dos metalúrgicos do ABC, conseguiu-se que a empresa aceitasse a constituição de grupos de trabalho semi-autônomos como forma de organização do trabalho compatível com as chamadas células ou ilhas de produção. O mais importante é que esse acordo foi conquistado sem que se abrisse mão de nenhum dos nossos princípios sindicais, em especial do reconhecimento do conflito de interesses nas relações entre capital e trabalho. abrisse mão de nenhum dos nossos princípios sindicais, em especial do reconhecimento do conflito de interesses nas relações entre capital e trabalho.
De toda forma, acordos dessa natureza são ainda pouco numerosos no sindicalismo brasileiro. O nosso objetivo para os próximos anos é reunir experiências que possam servir de referências para outros sindicatos, em particular aglutinadas por setor, tipo de processo industrial ou mesmo ramos de produção. Essa forma de aglutinação de experiências nos permitiria parâmetros semelhantes de negociações e a generalização de processos negociados de reestruturação.
5. Propostas no campo das políticas públicas
5.1. Democratização das políticas públicas
A maioria dos países que vêm liderando os processos de reestruturação econômica e industrial está reconhecendo progressivamente o indispensável papel dos trabalhadores, não só no âmbito das empresas como também no campo das políticas públicas. No Brasil, após as experiências positivas das câmaras setoriais, o governo FHC promoveu um recuo nesse processo. Para a CUT, esse instrumento, ou outros mecanismos semelhantes de participação da sociedade na definição das políticas públicas, deve ser reconhecido não só como importante para a democratização das decisões governamentais, mas também como essencial para a eficiência na aplicação de medidas que afetam extensos grupos da sociedade.
5.2. Política Industrial e de Comércio Exterior
O principal objetivo da política industrial é a promoção do desenvolvimento em bases democráticas. Para isso, lutamos por uma nova estratégia industrial que estimule o crescimento econômico e a modernização da estrutura industrial a partir do desenvolvimento social.
Portanto, o principal desafio de uma nova estratégia industrial para o país é tornar compatíveis as necessidades presentes de reestruturação industrial com as necessidades de reversão das desigualdades sociais e regionais e de incorporação da grande massa de excluídos ao desenvolvimento. Isso implica encarar os trabalhadores de uma só vez como consumidores, produtores e cidadãos.
5.2.1. A elevação da renda dos trabalhadores e a redução das desigualdades regionais podem ser compatíveis com o objetivo de aumento da competitividade industrial
Os novos fatores de competitividade devem estar baseados em trabalhadores integrados ao mercado de consumo (política de rendas e regionais) e ao mercado de trabalho (políticas de estímulo aos investimentos e de expansão do emprego). Isso significa que não consideramos a redistribuição de renda e a redução das desigualdades regionais somente como princípios de democracia social, mas também como elementos essenciais para a elevação contínua e sustentada da competitividade dos sistema produtivo brasileiro.
A elevação progressiva da renda dos trabalhadores e do ingresso dos excluídos no mercado de consumo permitiria aumentar as escalas de produção do sistema produtivo e tornaria a indústria mais forte para enfrentar a concorrência internacional no mercado interno.
5.2.2 A elevação da Produtividade industrial deve resultar da elevação da produtividade social e não da demissão em massa de trabalhadores e da crescente precarização e informalização do mercado de trabalho
A elevação da produtividade social é fundamental para garantir o aumento contínuo da produtividade industrial. Para tanto, é essencial a ampliação dos investimentos no saber e no conhecimento (educação, pesquisa científica e tecnológica e formação profissional) e a reconstrução, modernização e expansão da infra-estrutura econômica e social (transporte de massas, energia, telecomunicações, habitação e saneamento).
Essas áreas deveriam compor o núcleo central das políticas indutoras da competitividade social.
5.2.3. A política industrial deve estar subordinada aos objetivos da geração de empregos e do fortalecimento da estrutura produtiva na geração da riqueza nacional Isso requer a adoção de políticas setoriais
Tal como está hoje, a estrutura produtiva do país não é compatível seja com o aumento da participação dos trabalhadores na renda nacional seja com a geração de empregos.
Isso exige uma ação do Estado no sentido de orientar e facilitar os investimentos nos setores produtores de bens de consumo de massa e intensivos em mão-de-obra (construção civil, têxtil e confecções, couros e calçados, farmacêutico e turismo).
Portanto, a prioridade da ação pública, no curto prazo, seria estimular a expansão da capacidade instalada, o aumento da qualidade dos produtos e a redução real de preços nesses setores.
No entanto, esses mesmos setores (exceto o farmacêutico) são reconhecidamente os que absorvem majoritariamente a mão-de-obra menos qualificada da indústria e nos quais se concentram os níveis mais baixos da distribuição funcional da renda e os maiores níveis de informalidade no trabalho.
Se a definição desses setores como prioritários na agenda das políticas setoriais produz efeitos positivos na absorção dos setores mais marginalizados da sociedade (desempregados e excluídos do mercado de trabalho), eles não são capazes de, no médio e longo prazos, contribuir para a elevação contínua e consistente da renda e da qualificação profissional dos trabalhadores. Ou seja, não são capazes de liderar a expansão do conjunto da indústria. Esse elemento exige a incorporação de outros setores industriais entre as prioridades de política industrial, em particular do complexo metalmecânico, do setor químico e dos setores de fronteira tecnológica (informática, telecomunicações, equipamentos, software, biotecnologia, química fina, novos materiais etc.)
Tais setores são essenciais, pois cumprem o papel de liderança do crescimento industrial e de difusão das inovações tecnológicas e organizacionais para o conjunto da base industrial, já que são capazes de absorver trabalho qualificado e de promover níveis de renda mais elevados, além de apresentar participação expressiva e crescente no mercado mundial.
Entretanto, não são todos os setores desses complexos industriais que necessitam de políticas setoriais de fomento e nem sempre elas são da mesma natureza. Ou seja, para alguns setores, as exigências, no curto e médio prazos, estão mais relacionadas à expansão da capacidade instalada; para outros, à reorganização do mix de produção; e ainda há setores que exigem uma rápida modernização do processo industrial sob o risco de serem eliminados pela concorrência internacional.
Isso exigiria a adoção de seletividade na política industrial por meio de escolha prévia dos setores ou mesmo famílias de produtos de acordo com as necessidades mais prementes dos distintos' setores e também pela respectiva importância deles no emprego industrial (direto e indireto) para a atividade econômica. Além disso, os setores de fronteira tecnológica, apesar de não terem presença significativa no nosso perfil produtivo, deveriam estar presente entre as prioridades nacionais, pois são essenciais para gerar inovações tecnológicas para o conjunto da indústria.
5.2.4. Revisão da atual política de abertura externa: o gradualismo e a seletividade na liberalização das importações
Não somos contra a abertura externa e nem consideramos que o país é capaz de garantir a totalidade do consumo industrial e da sociedade sem a contribuição do comércio externo. O excessivo fechamento da economia brasileira até o final dos anos 70 teve efeitos positivos para o nosso processo de industrialização, mas ao mesmo tempo foi funcional para a concentração da renda e do poder no Brasil.
Além disso, o descompasso em relação às transformações produtivas e tecnológicas - que já ocorriam nos principais países desenvolvidos na metade dos anos 70 - foi ignorado na formulação e execução da política industrial pelo regime militar e também pelo governo civil dos anos 80. A ausência de uma política industrial que desse conta dessas transformações tornou mais crítica as diferenças tecnológicas e de escala produtiva entre o Brasil e os países centrais.
Entretanto, a abertura externa, para cumprir um papel positivo para o país e contribuir para a modernização e restruturação industrial com justiça social, deve ser realizada de forma gradual, seletiva e vir acompanhada por políticas industriais e setoriais de desenvolvimento que sejam capazes de modernizar os setores, antes de concluir-se pela sua franca exposição á concorrência internacional. Nos casos em que os custos sociais decorrentes da proteção e dos incentivos sejam superiores àqueles resultantes da eliminação desses mesmos incentivos, deve-se promover a reconversão negociada desses setores com o prévio compromisso público e privado de requalificação e realocação dos trabalhadores afetados pelas mudanças.
O governo não pode, por intermédio da abertura externa indiscriminada - tal como vem sendo feita desde o governo Collor, agravada pelo Plano Real, que, além da abertura, baseia-se na supervalorização cambial -, decidir previamente pela exclusão ou fragilização de importantes setores produtivos com fortes impactos no aumento da exclusão social. A política de abertura deve orientar-se pelas escolhas de qual é o perfil produtivo que desejamos para o futuro, contando para isso com o envolvimento de toda a sociedade.
De toda forma, a proteção excessiva e permanente também não é capaz de beneficiar os trabalhadores e a sociedade. As empresas, sem a pressão da concorrência externa, optam pela segurança de produzir para uma pequena parcela da sociedade em razão de terem a liberdade de praticar preços elevados associada a uma pequena capacidade de ofertar empregos.
5.3. Os incentivos públicos devem ser condicionados a contrapartidas sociais
É fundamental a desprivatização dos cursos públicos com base na democratização das decisões de investimentos públicos, dos critérios e prioridades dos incentivos fiscais e creditícios e das políticas de compras e de concessões da União, dos estados e municípios. Assim, a concessão de todo tipo de incentivo deve estar condicionada a metas de emprego, salários, produção, investimentos, preços e de cumprimento por parte das empresas de todas as suas obrigações tributárias e também aquelas relativas às contribuições sociais e trabalhistas.
Os fundos sociais dos trabalhadores - FGTS e FAT - e outros, como o FDS, são ferramentas-chave na definição das políticas públicas (notadamente a industrial, a agrícola e a de emprego), já que têm a capacidade de influenciar o investimento na economia. Até agora, os empresários têm feito uso de forma indiscriminada desses recursos para objetivos privados. Por sua vez, os governos utilizam-nos para objetivos de curto prazo de suas políticas econômicas.
Estamos elaborando propostas concretas para a definição de critérios para o seu funcionamento e utilização, por parte dos diversos atores, de acordo com parâmetros e prioridades sociais, bem como a criação de mecanismos de participação direta na fiscalização dos fundos públicos. A CUT busca igualmente a ampliação do controle social sobre outras fontes !e financiamento como o SBPE, os Fundos de Pensões Fechados e o BNDES (banco estatal que geralmente concede facilidades creditícias para o capital sem avaliar as conseqüências sociais das estratégias empresariais).
Para a CUT, a utilização desses fundos deve estar orientada por uma política de desenvolvimento com distribuição de renda, e deve visar, em primeiro lugar, a melhoria dos níveis e da qualidade do emprego. Igualmente, deve-se consolidar o controle social sobre eles por meio de participação dos trabalhadores nos seus órgãos deliberativos.
A Central tem como prioridades gerais de sua atuação nos fundos de que participa:
5.5. Cooperativas urbanas e rurais e empresas autogeridas
A CUT defende o fomento de empresas cooperativas de trabalho organizadas pelos próprios trabalhadores. Para tanto, essas empresas devem estar submetidas a uma legislação especial, na qual transpareça a sua particularidade e sejam considerados os aspectos trabalhistas, fiscais e previdenciários.
Diversos sindicatos têm enfrentado os efeitos da recessão organizando os trabalhadores nas empresas visando conter as possibilidades de se lançar os trabalhadores ao desemprego. Para isso, deve-se buscar a criação de mecanismos de amparo a essas empresas, na forma de concessão de créditos em condições mais favoráveis, prazos para quitação de débitos fiscais e previdenciários e, até mesmo, uma legislação de suporte com base no papel social da empresa à sua transferência sem ônus aos trabalhadores quando comprovada a situação de crise.
Dentre outras propostas que defendemos, as que aqui apresentamos demonstram nossa disposição de participar decisivamente das questões referentes ao mundo do trabalho, de interesse da sociedade brasileira com uma visão ampla, procurando extrapolar o corporativismo e o economicismo. papel de uma central sindical assumir tal visão.
Entendemos que não basta somente dizer não, bem como não basta tampouco somente ter propostas. As atuais propostas e outras que virão devem resultar de um amplo trabalho sindical de base em consonância com a comunidade sem, contudo, abrir mão de nenhum dos nossos princípios - liberdade, autonomia e classismo – e da nossa capacidade de lutas. Assim, estaremos construindo um mundo melhor.
Referências Bibliográficas
FONTE:
REVISTA "O (DES)EMPREGO NO PAÍS DO REAL" – Partido dos Trabalhadores - Abril 1996