XENOFOBIA AUMENTA NA ARGENTINA


Desemprego e crescimento da imigração de países como Peru e Bolívia alimentam fenômeno


Reportagem de Vanessa Adachi

(Jornal "Folha de São Paulo", 21 de fevereiro de 2000)

Conhecida como a mais européia das nações latino-americanas, a Argentina despertou para o xenofobismo, um sentimento latente nos países do velho continente. Ultimamente tem crescido a rejeição dos argentinos a imigrantes de países vizinhos, hoje o maior grupo estrangeiro no país.

Há duas semanas, ao discursar em uma manifestação contra a admissão da extrema direita na coalizão do governo austríaco, o ex-presidente Raúl Alfonsín alertou sobre o surgimento da xenofobia contra povos vizinhos dentro da própria Argentina.

"Está aparecendo uma xenofobia argentina contra cidadãos de países irmãos da América Latina", disse o ex-presidente em discurso diante da Embaixada da Áustria em Buenos Aires.

Para especialistas, o acirramento da xenofobia está ligado à crise econômica e ao desemprego da segunda metade do governo do ex-presidente Carlos Menem.

A rejeição aos imigrantes não é abraçada por partidos políticos ou grupos, mas está presente em manifestações públicas. Os cabelos negros, a pele morena e os traços indígenas dos "forasteiros" originários do Peru, da Bolívia e do Paraguai contrastam com as feições européias da maioria da população. Em partidas do Boca Juniors, clube de futebol mais popular do país, é comum os torcedores chamarem de "negros" os jogadores adversários de origem boliviana e peruana.

Outras manifestações são mais ostensivas. Tempos atrás, o sindicato que reúne os operários da construção civil espalhou cartazes por toda a Buenos Aires com os dizeres "que não nos roubem o pão nosso de cada dia". Era uma campanha contra a contratação da mão-de-obra imigrante.

Pela primeira vez, o censo argentino, que será realizado em outubro, deverá mostrar que a comunidade de imigrantes de países limítrofes ultrapassou com larga vantagem a quantidade de imigrantes europeus, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), um organismo intergovernamental.

As estimativas da entidade indicam que os chamados imigrantes limítrofes estão ao redor de 1,1 milhão a 1,2 milhão de pessoas, o equivalente a 3% da população total do país. Os estrangeiros de outra origem -predominantemente europeus- são menos de 800 mil. No último censo, de 1991, as duas comunidades apresentavam um certo equilíbrio.

"A entrada de europeus parou na década de 50, enquanto as populações latinas cresceram desde então, mantendo um fluxo constante", diz Lelio Marmora, representante da OIM para Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. A Argentina recebe cerca de 50 mil novos estrangeiros por ano, legais e ilegais. Cerca de 90% dos imigrantes são de países vizinhos. Boa parte -não existem números oficiais- permanece na ilegalidade, devido à facilidade de entrada e à burocracia para tirar o visto.

"Nas classes mais baixas, os imigrantes limítrofes são vistos como mão-de-obra concorrente. Nas classes médias, há a crença de que os imigrantes são delinquentes", diz o defensor público da cidade de Buenos Aires, Alejandro Nató, que cuida de casos de exploração dos trabalhadores imigrantes.

Na opinião de especialistas, o que atrai outros latino-americanos à Argentina é justamente a imagem de um país europeizado e o mais rico entre os países latinos de língua espanhola. Por causa da crise, essa imagem desbotou, contribuindo para a xenofobia: a Argentina enfrenta um desemprego de 14%, enquanto outros 40% dos trabalhadores vivem na economia informal.

"Antes, o imigrante chegava para contribuir para o crescimento do país. Hoje é visto como alguém que chega para roubar o trabalho do argentino", afirma Marmora.

1