As causas do desemprego
PAUL SINGER
(Jornal "Folha de São Paulo", 24/03/1999)
Infelizmente, a discussão é de máxima atualidade. O desemprego tem crescido entre nós de forma espantosa, tornando mais agudo o debate entre liberais e intervencionistas. Os liberais insistem nas causas microeconômicas, ou seja, nas circunstâncias que impedem ou dificultam que as empresas empreguem mais gente.
Entre essas causas, as mais importantes seriam:1) as que encarecem a mão-de-obra, como o salário mínimo, a proibição do trabalho infantil, os encargos que gravam a folha de pagamento etc.;2) a falta de qualificação dos trabalhadores em face das exigências das tecnologias mais avançadas;3) as inovações tecnológicas, que levam as empresas a substituir trabalhadores por equipamentos na produção.
Os intervencionistas não negam que esses fatores limitam o volume de emprego, mas não concordam que eles sejam causas do crescimento do desemprego. A legislação do trabalho, que onera o custo da mão-de-obra, não foi ampliada nos anos recentes, quando o desemprego atingiu níveis inéditos. Quanto à qualificação dos trabalhadores, a sua escolaridade tem se expandido incessantemente; nos últimos anos, tem se multiplicado o número de pessoas altamente qualificadas _administradores de empresas, engenheiros, economistas, técnicos etc._ que perderam seus empregos e têm tido extraordinária dificuldade de encontrar outros.
Quanto ao desemprego tecnológico, ele resulta do aumento da produtividade, que amplia o excedente potencial da economia. Quando, graças a uma inovação, é possível produzir com 50 pessoas o que antes requeria cem, há uma liberação de 50 pessoas para produzir mais do mesmo ou de outros artigos. O efeito do avanço tecnológico é ampliar o nível de produção, de consumo e de emprego, desde que a renda adicional, advinda do ganho de produtividade, seja gasta.
Em outras palavras: cada vez que o avanço tecnológico elimina determinado número de postos de trabalho, é necessário que assalariados, empresas e/ou governos ampliem seus gastos de modo a gerar um número equivalente ou maior de novos postos de trabalho.É importante entender que esse gasto adicional é perfeitamente normal, pois uma nova técnica proporciona sempre um acréscimo de renda às empresas que passam a aplicá-la.
Se a inovação não fosse lucrativa, não a adotariam. Em condições normais, o acréscimo de renda é repartido entre os acionistas da empresa, os trabalhadores e o governo, sob as formas de lucros maiores, salários maiores e impostos maiores. O que deve induzir acionistas, trabalhadores e governos a ampliar seus gastos, do que resulta o crescimento da economia.
Mas, no Brasil, nos últimos anos (assim como em numerosos outros países), as políticas monetárias e fiscais têm sido antagônicas ao aumento do gasto privado e público. O gasto privado tem sido contido ou até mesmo reduzido por políticas que cortam a disponibilidade de crédito e elevam os juros a patamares escorchantes.
Os consumidores de bens e serviços de maior valor, que são usualmente comprados a prazo, têm sido coagidos a limitar ou adiar suas compras ou se expõem ao risco de ficar inadimplentes, isto é, de lhes faltar dinheiro para cumprir as obrigações assumidas. Todos se recordam de que, desde 1995, no Brasil, tanto os juros como os índices de inadimplência estão lá no alto.
A política monetária também pune os gastos das empresas, tanto para formar estoques como para adquirir equipamentos e instalações. E a política fiscal está praticamente o tempo todo "ajustando" o gasto público para baixo. O governo federal tem cortado fundo seu próprio gasto e usa o endividamento de Estados e municípios para obrigar seus governantes a fazer o mesmo.
Quando as novas técnicas eliminam postos de trabalho e o aumento potencial de produção é impedido de se realizar porque a demanda efetiva (isto é, de todos os agentes) é forçada a não se expandir, o desemprego tecnológico não só não é compensado por novo emprego, mas é multiplicado pela queda da demanda.
Isso ocorre porque os trabalhadores substituídos por máquinas ficam sem trabalho e, portanto, reduzem fortemente seu gasto, o que faz com que os trabalhadores que produziam o que eles deixam de comprar também percam seus empregos. Estes também cortam seus gastos, o que acarreta novo desemprego _e assim por diante.O aumento do desemprego tem sido causado por essas políticas recessivas.
Portanto o governo federal pode pôr um paradeiro à incessante alta do desemprego entre nós. Se ele não o faz, é porque prioriza a reconquista da credibilidade junto dos aplicadores de capital externo. Parece claro que as pretensões desses aplicadores contrariam os interesses fundamentais dos trabalhadores e empresários que vivem neste país.
Paul Singer, 64, economista, é professor titular da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). Foi secretário municipal do Planejamento de São Paulo (gestão Luiza Erundina).