Internação dos menores
DANIELA FALCÃO
Jornal "Folha de São Paulo", 14/07/1999
65% dos adolescentes infratores internados deveriam cumprir medidas socioeducativas 13 mil jovens não deveriam estar 'presos'.
Dos 20 mil adolescentes que estão cumprindo medidas de privação de liberdade no Brasil, 65% não deveriam estar internados se o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) fosse cumprido à risca.
Esses 13 mil adolescentes cometeram crimes contra o patrimônio (roubo, furtos e depredação) e, de acordo com os princípios do ECA, deveriam estar cumprindo medidas socioeducativas, como prestação de serviços à comunidade, com liberdade assistida.
Entretanto, a maioria termina sendo sentenciada a cumprir medidas de privação de liberdade.O artigo 122 do ECA diz que a internação só pode ser aplicada quando se tratar de ato infracional "cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa".
As únicas outras situações em que o adolescente pode ser internado são em caso de reincidência ou de descumprimento sucessivo da medida que havia sido imposta.
Segundo especialistas, os adolescentes infratores são equivocadamente internados porque ainda há na sociedade e, principalmente, na Justiça, uma mentalidade punitiva contra o infrator.
"A Justiça é viciada, tem uma visão carcerária, que enfatiza a punição. Não tem sentido um menino que roubou uma bicicleta ou que depredou algum bem ficar enchendo os centros de internação", critica Mário Volpi, representante do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).
Embora o ECA permita a internação, o próprio artigo 122 a desaconselha ao determinar que "em nenhuma hipótese será aplicada a internação", se houver "outra medida adequada".Outro problema que contribui para que adolescentes sejam desnecessariamente internados é a dificuldade de os Estados e municípios colocarem em prática as medidas socioeducativas que poderiam ser aplicadas em substituição à internação."Medidas como a liberdade assistida carecem de condições reais de aplicação por falta de retaguardas efetivas para o encaminhamento do adolescente.
A semiliberdade também nunca foi aplicada de maneira consistente no Brasil", diz o educador Antônio Carlos Gomes da Costa.Por falhas como essas, apenas um terço dos Estados cumpre adequadamente o ECA, que completou nove anos ontem, entre os quais Rio Grande do Sul, Pará e Pernambuco (leia abaixo).
Para que as experiências bem-sucedidas sejam disseminadas, o Ministério da Justiça e o Unicef promoverão nos próximos 12 meses estudos e pesquisas de avaliação da aplicação do ECA.
Além da não-aplicação das medidas socioeducativas, as maiores violações ao ECA são a inexistência de delegacias e de varas de Proteção à Infância que investiguem e punam os autores de crimes contra crianças e adolescentes.
Na maioria dos Estados, só há delegacias para cuidar do menor infrator, embora o ECA estabeleça que deva haver uma delegacia separada para tratar de crimes cometidos contra a criança, como abuso sexual e violência familiar.Outro problema é a concentração dos centros de restrição de liberdade nas capitais, afastando o adolescente do convívio com a família e contribuindo para a superlotação. "Em vez de grandes centros na capital, como a Febem de São Paulo, os Estados deveriam construir pequenas unidades pelo interior", defende Mário Volpi.