NEOLIBERALISMO NO BRASIL
Marilena Chauí
(Folha de São Paulo, 24/04/94)
. A oposição ao neoliberalismo se deve aos seguintes pontos principais:
a) a política neoliberal, em seus primórdios, instalou-se em países com forte tradição política social-democrata ou voltada para a constituição do Estado do Bem-Estar Social, desmontando-a em consonância com as novas exigências do capital que não só não precisa desse tipo de Estado para acumular-se e reproduzir-se, mas ainda nele vê um obstáculo. Ora, no Brasil, nunca tivemos o estado de Bem-Estar Social, pelo contrário, aqui reina a república oligárquica a serviço dos interesses de uma classe social.
Aqui, portanto, o neoliberalismo sequer possui, no Estado existente, um adversário a combater, não precisa destruir muitos direitos adquiridos pelos trabalhadores, pois estes sequer alcançaram a cidadania no plano dos direitos sociais. Entre nós, a proposta neolibral não é o "moderno" tão decantado, mas a conservação do arcaico poder das oligarquias;
b) a política neoliberal, em seus primórdios instalou-se em países com forte tradição democrática, portanto, onde os direitos estavam consolidados, tornando compreensível que, à medida que seus efeitos se faziam sentir, um a oposição pudesse organizar-se contra ela, a partir a sociedade. Ora, a sociedade brasileira não possui essa tradição, mas, pior do que isto, é atravessada por uma divisão social que bloqueia o próprio advento da democracia.
De fato, nossa sociedade é polarizada pela divisão entre a carência e o privilégio. A marca da primeira é ser sempre específica e particular, não conseguindo generalizar-se num interesse comum nem universalizar-se num direito. Por seu turno, a marca do privilégio é a particularidade, não podendo generalizar-se num interesse comum e muito menos universalizar-se num direito sem deixar de ser privilégio. A marca, porém, da democracia é a criação de direitos e, assim, nossa sociedade encontra-se estruturada de tal modo que não há como consolidar a democracia. É preciso criá-la. Ora, o neoliberalismo, como vimos, opera por exclusão, pela polarização de bolsões de privilégios e de misérias, pela destruição dos direitos sociais e políticos.
Como, portanto, esperar que seja agente democrático? E como esperar que encontre forte oposição democrática se a democracia ainda precisa ser criada entre nós? Donde a ilusão de muitos intelectuais que julgam estar navegando a favor da corrente do tempo histórico quando apostam num projeto neoliberal para o país;
c) é preciso, no Brasil, uma reforma do Estado. Esta afirmação, porém, pode ser abstrata, se não indagarmos qual é o Estado a ser reformado e qual a reforma necessária. Uma das marcas mais impressionantes do Estado brasileiro é seu modo de relação com a classe dominante: esta não o vê como um instrumento de poder para auxiliá-la na dominação, devendo, porém, cumprir outras funções políticas e sociais que lhe permitam aparecer como poder público e representativo, mas o vê e o utiliza como poder privado a serviço exclusivamente de seus próprios interesses.
A classe dominante brasileira privatizou o Estado, ou seja, tornou impossível a distinção entre o público e o privado. Collor e os Sete Anões são apenas uma espuma flutuante que esconde as profundezas de uma estrutura que impede verdadeiramente a política, isto é, a natureza pública e simbólica do poder. Se assim é, então o projeto neoliberal de reforma do Estado por meio da privatização das empresas estatais e dos serviços sociais (saúde, educação, habitação, transporte, cultura, etc.) surge, no Brasil, como uma caricatura perversa, uma vez que a "privatização" consiste em passar do monopólio estatal, que regula os preços dos produtos segundo exigências da própria classe dominante, ao oligopólio propriamente privado.
Noutras palavras, como não há no Brasil o que se entende classicamente por sociedade civil –isto é, o mercado como esfera independente do Estado–, uma vez que a classe dominante domina o mercado, graças à ação protecionista do estado, o projeto neolibeal de reforma do Estado e a privatização consistem em impedir, paradoxalmente, a existência da esfera pública estatal propriamente dita como representante dos direitos da maioria.
Da república oligárquica que hoje governa o país (a gestão Itamar Franco já estabeleceu um governo do PFL e do PSDB) ao neoliberalismo como projeto explícito para a próxima gestão presidencial, nada muda e, pior, são postas as condições para que uma república democrática não seja instituída no país.