A DÍVIDA EXTERNA E O MERCOSUL - A DÍVIDA EXTERNA COMO PROBLEMÁTICA PARA O
DESENVOLVIMENTO DO MERCOSUL
JOÃO HÉLIO FERREIRA PES*
Introdução
A dívida externa dos países do terceiro mundo tem sido um dos grandes problemas para o desenvolvimento econômico dessas nações e por conseqüência uma das causas provocadoras de exclusão social que atinge milhões de seres humanos.
Os países integrantes do Mercosul, assim como os demais blocos econômicos formados por países em desenvolvimento, também são vítimas dessa situação, pois ao serem devedores de vultosas quantias passam a ser dependentes de políticas traçadas pelos organismos internacionais e pelas grandes potências, que não tem compromissos com o desenvolvimento econômico endógeno e, muito menos, com as populações de cada país.
A preocupação com a dívida externa fez com que, recentemente, representantes de altas instâncias dos países em desenvolvimento, como o Grupo dos 77, Movimento dos Não-Alinhados, Cnuced e organização da unidade
Africana(OUA), reunissem, um dia antes do encontro do G-8, realizado em Nago - Okinawa (Japão), para pedir aos países ricos o cumprimento da promessa, feita na reunião anterior em Colônia (Alemanha), de reduzir a dívida dos países mais pobres.
No encontro de Okinawa os representantes dos ricos, G-8: Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha, Alemanha, França, Itália, Japão e Russia, decidiram quanto à dívida , apenas, "acelerar o tratamento dos expedientes dos 20 países pobres muito endividados para que possam ter suas dívidas aliviadas neste ano". Segundo Adrian Lovett, dirigente da ONG "Jubileu 2000" em depoimento noticiado pela imprensa mundial, esta decisão atingirá só uns US$ 15 bilhões dos US$ 100 bilhões de dólares de anulação de dívidas prometidos pelos oito mais poderosos do planeta em reunião de 1999 na Alemanha.
Os líderes das sete nações mais industrializadas, mais a Rússia, ou seja, o G-8, incluíram na pauta de discussão o tema do alívio da dívida dos países pobres como forma de enfrentar as críticas de que a globalização, o crescente fluxo de comércio e o investimento internacional só beneficiam os mais ricos e os conglomerados multinacionais. No entanto, as principais decisões foram quanto às políticas econômicas e monetárias de interesse dos ricos. Por tudo isto é que os debates giraram em torno da liberalização do comércio, regulamentação da internet, novas tecnologias e outros assuntos.
A pretensão deste texto é de contribuir com a discussão atualizadíssima, mas também permanente, da problemática acerca da dívida externa, analisando a origem e o crescimento da dívida brasileira, que não é diferente da realidade dos demais países em vias de desenvolvimento, especialmente os da América Latina, concluindo com uma análise sobre os efeitos provocados pelo endividamento externo no desenvolvimento da política integracionista, almejada na criação do Mercosul
Origem da dívida externa brasileira
A dívida externa do Brasil surgiu com o advento da chegada da família real portuguesa ao nosso país em 1808, quando D. João VI, fugindo da invasão Francesa comandada por Napoleão, trouxe junto a dívida contraída pela Casa Real Portuguesa na Inglaterra. Já em 1822, por ocasião do acordo da independência, o Brasil assumiu a dívida da coroa portuguesa de 1,3 milhões de libras esterlinas, correspondente a 30% do valor de nossas exportações, o que eqüivale hoje a cerca de 15 bilhões de dólares(GONÇALVES & POMAR, 2000).
A dívida, sempre crescendo, em 1889, na proclamação da república, era de 30,4 milhões de libras esterlinas e em 1930, no fim da República Velha, era de 237,3 milhões de libras esterlinas, sendo que 64,5% eram empréstimos
britânicos e 30,3% norte-americanos.
Grande parte da dívida contraída pelo Brasil nunca chegou ao nosso território, tendo ficado nos Estados Unidos, na Europa e, mais recentemente, no Japão, para pagar dívidas velhas. Das contraídas pelo Império junto a Londres boa parte era para cobrir as comissões de credores e intermediários, posteriormente, para cobrir juros, incluídos nestes as altas taxas de risco.
O início da industrialização do Brasil, ocorrida a partir da Revolução de 30, não é resultado do endividamento externo e, sim, conseqüência da crise de 1929 e da Segunda Guerra Mundial, sendo que o endividamento, principalmente no período do Império e da república Velha, serviu para financiar importações de bens manufaturados e exportações de bens primários.
Dos poucos momentos em que nossa dívida teve uma considerável redução foi por conseqüência das renegociações ocorridas a partir da suspensão do pagamento da dívida externa efetivada pelo Estado Novo em novembro de 1937.
O estoque total da dívida caiu de 237 milhões de libras esterlinas em 1939 para 169 milhões de libras esterlinas em 1945.
A suspensão do pagamento da dívida externa que ocorreu por outras duas vezes, além daquela de 1937, sempre foi por absoluta falta de condições técnicas e não por decisão fundamentalmente política. A primeira ocorrida em 1931, foi decisão governamental fundamentada no fato do Brasil estar gastando 25% de suas receitas de exportação com o serviço da dívida.
Getúlio Vargas afirmou naquela oportunidade que: "Não pagar não é, nem pode ser, um programa. É uma contingência infeliz...". A última, foi em 1987, quando o governo brasileiro suspendeu o pagamento devido a queda no superávit comercial e redução nas reservas brasileiras, que estavam próximas de apenas 3 bilhões de dólares. No entanto o governo Sarney retomou as negociações para voltar a pagar a dívida em novembro do mesmo ano.
Os governos no Brasil, sucessivamente, têm submetido o povo aos mais penosos sacrifícios visando cumprir integralmente com os compromissos externos. E esses compromissos, ou seja, as dívidas com os banqueiros e com os organismos internacionais foram efetuadas de forma irresponsável e muitas vezes duvidosas.
Em 1931, quando da 1ª suspensão do pagamento, O ministro da Fazenda Osvaldo Aranha, ao auditar o endividamento externo do Brasil, constatou que não havia contabilidade regular da dívida externa federal, sendo que faltava cópia de 60% dos contratos de empréstimos federais e os valores reais das remessas ao exterior também eram ignorados. E para reforçar a afirmativa de haver irresponsabilidade das autoridades tomadoras de empréstimos no exterior, foi constatado, na mesma auditoria, que os contratos apresentavam cláusulas onerosíssimas e até mesmo vexatórias, como por exemplo: a cláusula que dava ao banqueiro o direito de, no caso de falta de pagamentos dos juros, cobrar, por suas próprias mãos, os impostos devidos pelo povo à administração pública contratante.
O crescimento da dívida a partir da ditadura militar
Desde o princípio o crescimento da dívida brasileira foi constante, porém com mais intensidade a partir do golpe militar de 1964. A dívida, quando os militares assumiram o governo, era de cerca de 2,5 bilhões de dólares.
Nos primeiros anos os ditadores endividaram o país relativamente pouco, no entanto, a partir de 1969 o endividamento cresceu rapidamente, chegando em 1985, quando o último general deixou o governo, a passar de 100 bilhões de dólares.
A relação da dívida com o Produto Interno Bruto-PIB demonstra com clareza o crescimento do endividamento brasileiro durante o Regime Militar. Em 1969 a dívida externa representava 11% do PIB, já em 1973 passou para 16,6%, em 1978 para 26% e em 1984 para 48,2% do PIB. (ver tabela nº 1).
O endividamento do Brasil e de outros países nesse período só foram possíveis porque havia uma enorme massa de capitais disponíveis com juros atrativos. Entre a 2ª Guerra Mundial e o final dos anos 60, o capitalismo nos países centrais cresceu tanto que parte dos lucros não podia ser reinvestido na produção, sob pena de reduzir ainda mais a taxa de lucros, por isso, um montante cada vez maior de lucros começou, então, a ser desviado para aplicações no sistema financeiro internacional.
Além disso, também outros vários fenômenos estão na origem do endividamento, traduzido pelos muitos empréstimos concedidos aos países pobres e em desenvolvimento. Entre eles destacam-se: o aumento do preço do petróleo, o aprofundamento da recessão mundial e a alta dos juros norte-americanos.
O aumento do petróleo elevou os gastos em importação. O preço do barril subiu de 12,4 dólares para 34, 4 dólares, acarretando um adicional de despesas na balança comercial brasileira de 37,3 bilhões de dólares entre 1979 e 1983.
O desenvolvimento dos países ricos começou a desacelerar a partir do final dos anos 60 e nos anos 70 veio a crise. A recessão mundial dificultava as nossas exportações. Para importar uma determinada quantidade de bens manufaturados e máquinas, tínhamos que exportar cada vez mais matérias primas e produtos agrícolas.
O aumento da taxa de juros nos Estados Unidos acarretou para o Brasil despesas extras de 26,6 bilhões de dólares somente no período compreendido entre 1975 a 1984. A taxa básica de empréstimos bancários subiu nesse período de 5,7% para 18,8%. Considerando que uma parte expressiva dos empréstimos eram contratados a taxas de juros flutuantes, ocorreu uma verdadeira sangria das riquezas dos países periféricos, os capitais que vieram como generosos empréstimos voltam engordados aos países de origem. E as transferências de riquezas que eram feitas, principalmente, sob forma de remessa de lucros, passam também a ser, com importante intensidade, sob forma de pagamento da dívida.
Na década de 80 o Brasil conseguiu um superávit na sua balança comercial (exportações menos importações) de 99,5 bilhões de dólares. Porém, o déficit na balança de serviços foi de 141,9 bilhões de dólares, portanto, foi enviado para o exterior, só nos anos 80, a quantia líquida de 42,3 bilhões de dólares.
A dívida e o governo FHC
Antes de assumir a presidência da República, o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, declarou ao Senado que estava "extremamente feliz com o fim do problema da dívida externa". Preparando sua candidatura à presidência noticiava a conclusão das negociações com os bancos estrangeiros e a adesão ao chamado Plano Brady , que estava sendo negociado desde o final do governo Collor.
O acordo firmado pelo Brasil em 1994, com base nos princípios do Plano Brady, resultou em moderados descontos na dívida do setor público com bancos comerciais estrangeiros, no entanto, na prática representou um aumento significativo dos pagamentos em comparação com a situação anterior , quando o Brasil pagava 30% dos juros devidos, pois com a entrada em vigor do acordo, substituiu-se a dívida velha por bônus que não permitem a capitalização dos juros.
Durante o primeiro mandato de Fernando Henrique (1995-98) o Brasil desembolsou cerca 126 bilhões de dólares a título de juros e amortização da dívida externa. As despesas líquidas de juros, por exemplo, subiram de 8,2 bilhões de dólares em 1995 para 15,2 bilhões de dólares em 1999(BATISTA JUNIOR, 2000). (ver tabela nº 2).
A nova moeda brasileira, o real, foi artificialmente valorizada em relação ao dólar por um longo período. Essa medida político-eleitoral desarticulou parcialmente os setores que produzem bens e serviços exportáveis ou substitutivos de importações. Como conseqüência, entre 1995 e 1999, as importações( mais baratas) superaram as exportações (mais
caras), gerando um déficit comercial acumulado de 24,7 bilhões de dólares.
A capacidade do país de gerar divisas próprias em moeda estrangeira diminuiu, nesse sentido, o endividamento ocorrido no governo FHC é pior do que o dos anos 70 (da ditadura militar).
De 1995 a 1999 o déficit acumulado na balança de transações correntes (soma do déficit comercial com o déficit de serviços) alcançou 134,7 bilhões de dólares. Para contornar esses déficits o governo brasileiro adotou várias medidas, entre as quais uma elevada taxa de juros, taxa média anualizada de juros internos várias vezes superior à taxa internacional, acarretando
inicialmente um vigoroso fluxo de capitais especulativos estrangeiros.
Com as crises do México e do Sudeste Asiático os capitais começaram a cobrar ainda mais caro para ingressar num mercado emergente como o do Brasil. Com a crise da Rússia, os capitais especulativos começaram a fugir, comprometendo a capacidade do Brasil de pagar a dívida e financiar os déficits. Para evitar a suspensão dos pagamentos, o governo brasileiro
recorreu novamente ao FMI para negociar um empréstimo preventivo.
A aceleração da desnacionalização da economia brasileira é outra conseqüência da política externa do governo FHC. Dados do BNDES, divulgados em julho de 2000, apontam que as indústrias com controle nacional detêm 62% do mercado no Brasil, enquanto que em 1995 o índice era de 67%. Já na Alemanha, empresas locais têm 88% das vendas, nos Estados
Unidos a participação é de 85%. No que se refere ao setor bancário, a participação dos grandes bancos estrangeiros no total dos ativos do sistema bancário brasileiro aumentou de 11,9% em 1995 para cerca de 24% em 1999. A
relação entre o fluxo de investimento externo direto e formação bruta de capital fixo aumentou de 2,5% em 1995 para 24,6 em 1999. E ainda, a participação estrangeira no valor das vendas das 550 maiores empresas aumentou de 33,3% em 1995 para 43,5% em 1998. (ver tabela nº 3).
Foi durante o primeiro governo Fernando Henrique que ficou consolidada a adesão do país á ortodoxia neoliberal, tarefa iniciada por Fernando Collor.
Os principais pontos do "Consenso de Washington" foram ou estão sendo implementados pelo governo brasileiro, como: cortes nos gastos públicos, abertura do mercado e liberação de importações, liberdade para entrada de investimentos externos, privatização das empresas estatais, desregulamentação da economia, redução de direitos trabalhistas, garantia de direitos de propriedade, etc.
As privatizações, realizadas durante os últimos governos, embora tenha produzido um abatimento contábil na dívida interna, aumentou a dívida externa. Um exemplo disso é o caso da Vale do Rio Doce, que depois de privatizada contraiu um empréstimo bilionário no exterior para participar da compra da Light, empresa estatal de energia elétrica. Além da dívida,
cresceu o passivo externo do país, pois os proprietários estrangeiros de empresas privatizadas remetem lucros e dividendos para o exterior, sem falar em outras formas disfarçadas de remessa de capitais. No período de 1991-99 foi remetido para o exterior 27,3 bilhões de dólares, sendo que a previsão para o ano de 2000 é de remessa líquida de 5 bilhões de dólares.
O governo FHC incentivou o chamado investimento estrangeiro direto, por meio de subsídios, renúncia fiscal e empréstimos de bancos públicos para que empresas estrangeiras comprassem as estatais. No entanto, parte considerável do capital que entrou no Brasil destinou-se à especulação e à aquisição de patrimônio já existente, portanto, não resultando em novo
investimento e crescimento econômico.
A dívida externa do Brasil que estava em 148 bilhões de dólares em 1994 passou para 234,6 bilhões de dólares em 1998, no final do 1º governo de Fernando Henrique, neste mesmo período, foi pago 126 bilhões de dólares aos credores, sob a forma de amortização do principal e juros da dívida.
Convertendo em reais o que foi transferido aos credores, ao longo do primeiro mandato do atual presidente da República, significa algo em torno de 233 bilhões de reais. Com este dinheiro teria sido possível pagar um bônus de 45 mil reais para cada família brasileira que vive com até um salário mínimo. Também, teria sido possível criar 504 mil empregos em
montadoras de automóveis, ou então criar 10 milhões e 500 mil empregos diretos em indústrias têxteis. E ainda, teria sido possível construir 15 milhões de moradias populares de 35 metros quadrados, a um custo unitário de 15 mil reais.
A dívida externa brasileira de 241,2 bilhões de dólares, registrada no final de 1999, eqüivale a 42% da riqueza que o Brasil produz durante um ano inteiro, ou eqüivale a aproximadamente cinco anos de exportações (ver tabelas nº 2 e 4).
A dívida interna brasileira, ou seja, a dívida mobiliária federal que estava em 62 bilhões de reais quando Fernando Henrique tomou posse saltou para 432 bilhões de reais em 2000, tem uma íntima ligação com o crescimento do passivo externo. As altas taxas de juros utilizadas para atrair capitais estrangeiros, além de elevar a dívida interna sobrecarrega a atividade das
empresas e pessoas que operam em reais, diferente das grandes empresas que aproveitam o diferencial de juros internos e externos e tomam emprestado no exterior e aplicam no Brasil. A dívida externa destas empresas, mesmo sendo privadas, tem o Tesouro Nacional como garantidor por meio de títulos públicos com cobertura cambial. Essas dívidas provocam, também, um grande esforço de todo o país para obter os dólares necessários para pagar tais empréstimos.
As medidas governamentais tem sido no sentido de garantir ao investidor estrangeiro que a dívida interna será honrada e que as exigências do FMI, de superávit fiscal, serão cumpridas. O receio permanente é de que os investidores abandonem os títulos do governo, transformem seus reais em dólares e saiam do país, gerando uma crise cambial. Para evitar isso, o
governo faz cortes nos gastos sociais, amplia a cobrança de tributos e impostos, corta aposentadorias miseráveis, privatiza estatais, concentra ainda mais a renda.
A dívida na América latina
Na década de 30, além do Brasil, vários países latino-americanos suspenderam o serviço de suas dívidas, facilitando o desenvolvimento e a industrialização em alguns desses países.
Já no período 1945 a 1955, a América latina remeteu ao exterior o equivalente a 10,5% de suas receitas de exportação, provocando assim, naquele período, grandes lutas políticas e sociais em defesa da economia nacional, contra o imperialismo e as perdas internacionais.
De 1950 a 1969 ingressou na América Latina 20 bilhões de dólares em forma de investimentos e empréstimos, no mesmo período foi remetido para o exterior 28 bilhões de dólares, sendo que a remessa de lucros foi o principal responsável.
Na década de 80, em apenas três anos (1981 a 1983) a América Latina pagou 81,7 bilhões de dólares de serviço da dívida, aproximadamente o dobro do que havia pago durante os anos 70.
Em 1982 o governo mexicano não conseguiu continuar pagando a sua dívida e declarou moratória. Os banqueiros privados internacionais reagiram interrompendo os créditos novos para os países devedores, inviabilizando, assim, a rolagem da dívida externa e provocando o surgimento do FMI como assegurador do pagamento da dívida externa através do processo de
reprogramação e refinanciamento das dívidas.
O Fundo Monetário Internacional (FMI), criado, por ocasião da conferência de Bretton Woods , com a função básica de fornecer recursos financeiros, tal como um banco, para aqueles países que apresentassem déficits nas contas externas, passou a ser um órgão gerenciador dos países endividados, utilizando as famosas "cartas de intenções" para implementar os programas de ajustes de caráter neoliberal.
Segundo ALOYSIO BIONDI (Julho/2000): "Em economia, a aparência freqüentemente pode ser o oposto da realidade.(...) Há décadas, a economia norte-americana mantém seu crescimento à custa de importações maciças, muito acima do valor das exportações, acumulando rombos fantásticos em sua balança comercial. Qualquer país nessa situação deficitária é forçado a
desvalorizar sua moeda, para encarecer (e reduzir) as importações e baratear (e aumentar) as exportações, em busca de equilíbrio em suas trocas com o resto do mundo. Os EUA sempre fugiram à regra, simplesmente emitindo dólares para pagar suas compras - o que, já na década de 60, fazia o presidente francês De Gaulle chamar o dólar de mero papel pintado".
Os Estados Unidos estão entre os principais beneficiados com a especulação mundial. Há um bom tempo é assim. Já em 1944, por ocasião do Acordo de Bretton Woods, os EUA e os países aliados assinaram um acordo que regulava o funcionamento do sistema monetário internacional, privilegiando os EUA, através da conversão automática do dólar em ouro, no entanto, a expansão da economia norte-americana no pós-guerra gerou a seguinte situação: o Tesouro americano detinha 13,5 mil toneladas de ouro, o equivalente a 12 bilhões de dólares; nesse mesmo momento, os estrangeiros possuíam 75 bilhões de dólares. Diante desse quadro, em 15 de agosto de 1971, o presidente Nixon decretou unilateralmente o fim da convertibilidade do dólar em ouro (GONÇALVES & POMAR, 2000).
A partir de meados de 1991 o fenômeno do ingresso de capitais estrangeiros atinge toda a América Latina. A entrada líquida total de capitais que era em 1989 de 9,3 bilhões de dólares passou passou a ser de 60,8 bilhões de dólares em 1992. Esse mesmo fenômeno de ingresso de capital especulativo aconteceu na Ásia e acabou sendo o principal causador da crise asiática de outubro de 1997.
A América Latina e os países pobres endividados de outros continentes foram vítimas das receitas do FMI. O diagnóstico era quase sempre o mesmo: "excessiva presença de empresas estatais na economia", "excessivo volume de incentivos fiscais e subsídios creditícios", "restrições às importações" e "aumentos salariais acima da produtividade". Como solução o FMI apresentava o mesmo remédio, consequentemente os países sofreram as mesmas conseqüências: "recessão econômica", "altas taxas de inflação", "crise social" e "aumento da exclusão social.
A dívida e o Mercosul
Antes do Tratado de Assunção ser assinado em 26 de março de 1991, criando o Mercado Comum do Sul, Mercosul, era impossível imaginar que Brasil e Argentina, países com rivalidades históricas, um dia poderiam fazer parte, juntos, de um projeto que pretende constituir um mercado comum entre quatro países. Porém, superadas as rivalidades surgem outras dificuldades que atrasam a consolidação de cada etapa do acordado, sendo que uma das principais é a elevada dívida externa dos países membros, principalmente Brasil e Argentina(ver tabelas nº 5 e 6)
A política externa do Brasil de aproximação com os países da América do Sul começou na década de 70, com a construção de Itaipu, exploração do gás boliviano, colaboração industrial com a Venezuela, etc. Com a Argentina ocorreu, na década de 80, a convergência de fatores entre os dois países, como exemplo, a crise da economia latino-americana, com crescimento
descontrolado da dívida externa e interna e, no aspecto político, o reencontro, quase simultâneo, com o governo civil e o afastamento do militarismo do comando de ambos os países(SEITENFUS, 1997).
O Mercosul é um fato inédito ocorrido no cone sul, ao ser esboçado em 1991 previu três fases de cooperação entre seus membros. A primeira é a construção de uma Zona de Livre Comércio(ZLC ) na região, com a eliminação de tarifas alfandegárias e não alfandegárias. A segunda, sustentar uma política comercial externa unificada, com relação a outros países,
estabelecendo uma Tarifa Externa Comum (TEC) e por último, a formação do Mercado Comum (MERCOSUL), com livre circulação dos bens, do capital, do trabalho e do conhecimento.
Dentre os problemas que incidem para que o processo de integração não seja acelerado estão os efeitos que a dívida externa vem provocando no Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. O endividamento externo acelerou a dependência externa e principalmente a perda de autonomia dos países pobres em definir as políticas econômicas internas que passaram a serem definidas pelos "pilares da atual ordem capitalista", ou seja, o G7, ou G8, o FMI, o Banco Mundial , a Organização Mundial do Comércio e o governo dos Estados Unidos. O FMI é o mais importante, passou a ser o principal agente, através da implementação de ajustes de caráter neoliberal, por meio das chamadas cartas de intenções que são verdadeiras normas internacionais.
Resolver a problemática do endividamento dos países em desenvolvimento da forma como está sendo tentada, o resultado já é conhecido: os países tornam-se cada vez mais dependentes do capital estrangeiro. Por isso é necessário encontrar outras saídas que sejam libertárias e, ao mesmo tempo, desonerosas para a população.
Da década de 80 surgiram propostas que enfatizavam a redução/reestruturação parcial da dívida, como forma de dar maior fôlego aos países devedores. Os países extremamente pobres tiveram abatimento de uma pequena parcela da dívida em troca de reformas estruturais propostas pelo FMI.
Hoje, estão surgindo novas propostas, com objetivos mais amplos, como a Taxa Tobin e até de uma "nova arquitetura" para a economia internacional.
No entanto, Os EUA que teriam condições de reformar o mercado mundial são os maiores beneficiários dessa atual "arquitetura".
Há propostas de suspensão do pagamento da dívida externa, com auditoria para verificar o exato estado das contas e determinar o que pode ou deve ser pago. Há propostas, também, que defendem simplesmente o não pagamento com o argumento de que as taxas de juros flutuantes e a capitalização dos juros fizeram com que o estoque da dívida crescesse enormemente, apesar de os países devedores terem pago uma ou mais vezes o equivalente ao que lhes fora emprestado, este argumento é fundamentado com dados relativos aos pagamentos efetuados por conta de juros e amortizações (ver tabela nº 2).
A campanha contra a dívida ganhou um estimulo importante a partir da encíclica papal sobre a Chegada de Terceiro Milênio, na qual o Papa vincula o Jubileu ao perdão da dívida dos países pobres. Mesmo que Leonardo Boff tenha razão ao alertar que: " pedir perdão é reconhecer a própria culpabilidade e, o que é pior, é deixar nas mãos dos banqueiros a decisão final", é necessário reconhecer, mesmo assim, que o posicionamento da Igreja Católica provoca a discussão do assunto relativo à dívida externa.
Como conseqüência disso, representantes do Brasil e de mais 32 países, pertencentes a diversas igrejas, lançaram em 1999,
na Àfrica do Sul, a campanha da coalizão "Jubileu Sul", vinculando a luta contra a dívida com a luta contra o modelo econômico internacional, destacando o comércio desigual e a especulação financeira.
No Brasil a campanha contra o pagamento da dívida externa tem como organizadores diversas entidades e organizações da sociedade civil. Em 1999 realizou-se, no Rio de Janeiro, o "Tribunal da Dívida Externa", que aprovou um veredito que sintetiza as opiniões de um amplo setor da sociedade brasileira, cuja conclusão básica é que; "a dívida externa é
injusta e insustentável ética, jurídica e politicamente. Ela já foi paga e persiste apenas como um mecanismo de submissão e escravização da sociedade ao poder financeiro da usura e da globalização do capital, e de transferência de riquezas para os credores".
Neste ano a campanha contra a dívida prossegue com a realização de um Plebiscito Nacional, no qual o povo brasileiro poderá dizer o que acha do acordo com o Fundo Monetário Internacional e o que deve ser feito com as dívidas interna e externa.
Os países integrantes do Mercosul, assim como os demais países endividados do mundo, são dotados de imensa dívida interna, provocada por políticas econômicas que visam atrair capitais estrangeiros e evitar as suas saídas.
E para isso as taxas de juros são fixadas várias vezes superior aos juros internacionais, para exemplificar, em maio de 2000 a taxa de juros anual norte-americana foi de 6%, enquanto que no Brasil ela era de 18%, sendo que em novembro de 1997 chegou a ser de 42%. Portanto, com os juros altíssimos, para atrair capitais estrangeiros ou para manter os mesmos aplicados nos mercados internos, esses países aumentam também suas dívidas internas.
No ano de 1997, a dívida externa dos quatro países integrantes do Mercosul era de 331,7 bilhões de dólares, equivalente a 50% de toda a dívida externa da América Latina, sendo que Brasil e Argentina são os responsáveis pela maior fatia desse bolo. (ver tabela nº 6).
Segundo Gonçalves & Pomar (2000, p.35), "A dívida externa mundial corresponde a cerca de 5% do estoque de capital financeiro existente no mundo: 2 trilhões em 37 trilhões de dólares, segundo cálculos de Eric Toussaint, economista que integra o Comitê para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo. Num só dia, o mercado financeiro internacional de câmbio
movimenta recursos eqüivalentes ao total da dívida externa mundial. Se amanhã toda a dívida externa fosse cancelada, mas continuassem de pé os fundamentos desiguais da economia mundial, não acabaria a pobreza na terra".
Esperar que o problema da dívida seja resolvido pelos organismos multilaterais, o máximo que pode acontecer é o que aconteceu na última reunião do G8, no Japão. Portanto, é fundamental que a solução seja apontada pelos próprios devedores, através de uma coalizão entre os países em desenvolvimento, buscando a negociação conjunta da dívida externa real (se é que esta existe, verificando-se após uma auditoria), a inserção no mercado de consumo de vastos setores excluídos e a discussão de uma pauta de interesses comunitários. Tratando em conjunto a problemática da dívida externa, a partir daí, poderá ser questionada a ordem econômica mundial com suas elites que excluem e oprimem homens, mulheres e crianças. Assim,
poderemos ter o Mercado Comum do Sul - Mercosul, não visto apenas pela ótica comercial, mas também como uma verdadeira integração entre os povos, para o bem dos próprios povos.
*João Hélio Ferreira Pes - Mestrando - MILA/UFSM
BIBLIOGRAFIA:
BASTOS, Vânia Lomônaco e SILVA, Maria Luíza Falcão. Para entender as economias do terceiro mundo. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995.
BATISTA JUNIOR, Paulo Nogueira. Segurança econômica do Brasil. Folha de São Paulo. São Paulo, 22, jun., 2000. p. B2.
BIONDI, Aloysio. Fim do neoliberalismo, a virada. Revista Caros Amigos. São Paulo, julho., 2000.
CHOSSUDOVSKY, Michel. A globalização da pobreza, impactos das reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo: Ed. Moderna, 1999.
COLMAN, David e NIXSON, Frederick. Desenvolvimento econômico: uma perspectiva moderna. Tradução de maria Celia Ramalho Pinto Guedes. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1981.
DREIFUSS, René Armand. A época das perplexidades: mundialização, globalização e planetarização: novos desafios. Petrópolis-RJ. Vozes, 1996.
GONÇALVES, Reinaldo & POMAR, Valter. O Brasil endividado: como nossa dívida aumentou mais de 100 bilhões de dólares nos anos 90. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2.000.
LESSARD, Donald R. e WILLIAMSON, John. Fuga de capital e a dívida do terceiro mundo. Tradução de José Livio Dantas. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
SEITENFUS, Ricardo. Manual das organizações internacionais. Porto Alegre: Ed. livraria do Advogado, 1997.
(Fonte: Reinaldo Gonçalves e Valter pomar, Do livro "O Brasil endividado", pág. 40 a 46)