Racismo é impasse europeu, diz Fifa

ALCINO LEITE NETO

Folha de São Paulo, segunda, 6 de julho de 1998

"O problema do racismo no futebol não é universal: diz respeito sobretudo à Europa Central e do Norte", declarou o assessor de imprensa da Fifa, Keith Cooper, na conferência internacional "O Futebol e a Copa do Mundo", realizada ontem e no dia 1º em Paris.

O encontro reuniu 17 intelectuais e pesquisadores de várias partes do mundo e, a partir do que se discutiu, o racismo deve emergir como uma das grandes questões sociais ligadas ao futebol.

O racismo tem a ver com as mudanças por que estão passando os Estados nacionais, o recrudescimento das identidades locais diante da mundialização, as ondas migratórias e a exportação de jogadores dos países periféricos para a Europa - outro tema discutido.

É o mundo da política invadindo o estádio, mesmo que a contragosto da Fifa. "A política não tem nada a ver conosco", disse Cooper. A Fifa tem 198 membros e a Organização das Nações Unidas, 186.

O racismo no futebol é um tema particularmente grave no Reino Unido, segundo Piara Power, representante do movimento "Kick it Out" (chute para fora), contra o preconceito racial no esporte.

Na sua opinião, o futebol é uma atividade que perpetua o racismo no Reino Unido, bem como na França, na Alemanha e na Bélgica. "O futebol conseguiu manter uma relação desequilibrada entre as raças, fechando os olhos ao assunto quando ele começou a ser discutido na sociedade", afirmou.

Power afirmou que o número de jogadores negros em equipes profissionais no país ainda é pequeno e que não há nenhum quadro superior de negros (técnicos, por exemplo) no futebol profissional, mas só nos juniores. Isso, num país onde, hoje, de 15% a 20% dos jogadores são negros, segundo o professor Jas Bains, da Universidade de Leicester (Reino Unido).

As manifestações violentas dos hooligans ingleses na Copa-98, frequentemente racistas, tornaram inevitável dirigir o foco das discussões à torcida e ao futebol ingleses durante a conferência.

"A imprensa popular inglesa foi extremamente chauvinista", disse John Williams, da Universidade de Leicester, citando as reações da mídia sensacionalista à violência dos hooligans em Marselha.

Para Cooper, a mídia vive o paradoxo de criticar os racistas e a violência no esporte ao mesmo tempo em que dá ampla cobertura às agressões. "Um jornal francês dedicou três páginas à violência e uma apenas ao futebol", disse.

O otimismo acrítico e o congraçamento social talvez não digam respeito ao jornalismo sério, que é mais próximo de um olhar questionador da realidade, mas a condenação da imprensa sensacionalista e de alguma mídia televisiva é frequente entre os pesquisadores que discutem o hooliganismo.

A mídia tem sido apontada como "co-produtora" de hooligans, ao difundir sinais de identidade entre torcedores sem vínculos entre si e, mais ainda, ao evocar fetiches e preconceitos nacionais e raciais. "A TV e outros meios ajudam a criar os estereótipos da nacionalidade", declarou o professor argentino Eduardo Archetti, da Universidade de Oslo (Noruega).

O único brasileiro a participar da conferência foi o professor José Sérgio Leite Lopes, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele discutiu a relação entre a construção da identidade nacional a partir dos anos 30 e a profissionalização do futebol.

Segundo Lopes, com a profissionalização, o esporte deixou de pertencer às elites (que defendiam o amadorismo) e pôde incluir na sua prática os excluídos sociais e o negro recém-saído da escravidão.

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