A Águia Cega

Um velho Belanca cortava os céus. Em baixo, o rio seco estava salpicado de ilhotas.

De repente a pressão do óleo começou a baixar e o piloto resolveu pousar no

primeiro lugar que aparecesse. E este lugar surgiu sob a forma de uma ilha de

tamanho considerável, que, imponentemente e sobrepujando todas as outras, era o

lugar ideal para um pouso.

As rodas do Balanca tocaram suavemente o solo arenoso, num pouso perfeito. A pane

foi sanada com a colocação do óleo que, previdentemente, existia no avião para

situações de tal natureza.

Antes de reiniciar a viagem, o piloto examinou aquele lugar. A ilha, como as demais

que a cercavam, só aparecia na época da seca e, em situação normal, era parte do

leito do Araguaia.

Lugar belíssimo, de uma areia alva e fina, cercado por águas barrentas e coberto

com pedrinhas multicores, parecia um oásis perdido no deserto verde da mata

ribeirinha.

O piloto decolou, levando consigo dez pedrinhas, escolhidas a dedo, que teriam

finalidade dupla: seriam recordação daquele lugar fabulosos e excelente presente

para sua filhinha.

Assim a ilha ficou para trás, ela pertencia ao passado; agora só uma coisa

realmente interessava, a pressão do óleo, que deveria permanecer normal até a

próxima etapa da rota.

O tempo passou...

Um tenente continuava vivendo a sua vida e uma garota loura juntara à sua coleção

de bonecas um punhado de pedrinhas.

A ilha fora esquecida!

Certo dia, um joalheiro famoso, ao visitar o oficial, teve a sua atenção despertada

para as pedrinhas, que no momento serviam de peças num jogo de três-marias.

- Tenente, onde o senhor encontrou estes cascalhos?

Essa pergunta saiu dos lábios do visitante numa forma de súplica e intensa

curiosidade. O tenente explicou então a sua rápida permanência na ilha.

- Pois saiba, concluiu o joalheiro, que essas pedras são pedras preciosas; e,

separando uma menor, preta, brilhante e luzidia, disse:

- Isto é satélite de diamante; sua filha brinca de três-marias com uma autêntica

fortuna.

Não é preciso dizer o que se passou com aquele oficial, nem afirmar que, a partir de

então, ele foi o mais constante piloto daquela rota.

O destino colocou-lhe nas mãos uma fortuna imensa; durante uma fração de tempo ele

teve aos seus pés milhares e milhares de pedras preciosas e foi um autêntico Ali Babá

na caverna dos quarenta ladrões.

Talvez tenha sido o homem mais rico da terra naquele quarto de hora em quer permaneceu

na ilha!

Mas o seu garimpo, aquele tesouro imenso, e a sua ilha existiam agora apenas na

imaginação.

O Araguaia sepultara para sempre aquele lugar e nunca mais foi possível localizá-lo.

Todos nós, como aquele piloto, encontraremos, se já não encontramos, uma ilha no vôo

de nossas vidas.

Ela conterá também um rico garimpo, o garimpo do amor, e talvez seja mais preciosa do

que a ilha encontrada no Araguaia.

Como aquele piloto, pousaremos despreocupados, conheceremos a ilha, que poderá ter o

nome doce de uma mulher ou poderá denominar-se juventude, ou talvez seja mesmo uma ilha perdida nas praias do nordeste.

Mas, se a ilusão e a ânsia por sensações novas nos fizerem decolar, sem ao menos procurarmos guardar o local onde estivemos ou deixar nele uma placa com os dizeres:

"esta ilha é minha" então levaremos somente algumas pedras preciosas, sob a forma de recordações de um beijo, de um carinho, de um mar verde e do vento pagando na areia dos nomes escritos num coração.

E quando um joalheiro famoso, conhecido como o senhor Tempo, nos disser que perdemos um garimpo, voltaremos atrás, como aquele oficial, mas será tarde, porque, como o Araguaia,

o passado terá sepultado a nossa ilha.

Ficarão apenas, como lembranças, algumas pedras: a saudade de um nome, de um carinho,

de um dia...

 

Fonte: A Esquadrilha - Dezembro 1962

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