Piscicultura

 

1) Introdução

            Criar peixes é uma atividade muito antiga. Registros que datam de 2000 a.c. já se referem à criação de tilápias em piscinas de nobres egípcios. De 500 a.c. data o livro mais  antigo deste ramo de criação: “Práticas de cultivo de peixes”.

            Em  países como Japão, Israel e E.U.A., a piscicultura, vem sendo aperfeiçoadas com técnicas que envolvem o conhecimento profundo de outras ciências.

            No Brasil a piscicultura tomou grande impulso nos últimos vinte anos, a partir dos projetos de irrigação desenvolvidos no Nordeste por entidades governamentais, tais como o DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra a Seca) e CODEFASF (Cia. de desenvolvimento do Vale do são Francisco), que se dedicaram a estudar  a biologia e as possibilidades de cultivo de espécies nativas das regiões onde atuam, como o tambaqui (Colossoma macropomum), pirapitinga (C. brachypomum), curimatã (Mugil sp), pacú (C. mitrei) e outros.

            As dimensões continentais, o clima e o grande recurso hídrico dão ao Brasil o potencial para ser, em um futuro próximo, o maior produtor mundial de peixes.

 2) Objetivos, vantagens e problemas

            A piscicultura pode ter vários objetivos: comercial, social, sanitário e recreativo.

             Algumas das vantagens da piscicultura são:  a) a transformação de subprodutos da agricultura  e pecuária em carne de alto valor protéico; b) a utilização de áreas até então improdutivas; c) a obtenção, nos cultivos intensivo, de grande produção em pequenas áreas; d) baixo custo de produção , quando comparada a outras atividades agropecuárias; e) proporciona lazer a pesca nos criatórios.

             Os problemas relacionados à piscicultura são basicamente: a) necessidade  de muita água (para criar 1kg de peixe, é necessária mais água do  que em outras atividades); b) falta de estudos em relação a várias espécies de peixes; c)  furto de peixes; d) o perigo das espinhas que limitam o consumo; e) conservação (a carne do peixe é mais perecível que as dos outros animais).

             A atividade é empolgante, mas como todo empreendimento o risco existe, é preciso adquirir  o “Know-how”, para começar obter bons resultados.

 3) Sistemas de criação

             O tipo de piscicultura que existe depende da quantidade de peixes que se deseja produzir. Alguns autores dividem a piscicultura em extensiva, semi-extensiva, intensiva e superintensiva.

a)       Extensiva: os peixes existentes ou colocados num manancial  hídrico, não são alimentados pelo piscicultor, ficando a mesma, a cargo do que é naturalmente encontrado na água. A baixa produtividade é a desvantagem desse sistema, que não ultrapassa 150  kg/ha/ano.

b)      Semi-Intensiva: já se dispensa algum cuidado, tais como a adubação da água e o fornecimento de algum tipo de alimentação. A produção pode chegar a 3.000 kg/ha/ano.

c)       Intensivo: é aquela feita com finalidades lucrativas, contando-se para isto, com o controle de fatores físicos e químicos da água. Portanto é praticada em tanques ou viveiros construídos especialmente para a criação de peixes. No Brasil, em alguns viveiros são produzidos mais de 10.000 kg/ha/ano.

d)      Super-Intensivo: é desenvolvida em tanques e viveiros e em países onde a criação de peixes alcançou níveis técnicos dos mais elevados. A alimentação é baseada em rações concentradas e balanceadas e a renovação de água deve ser elevada.

  4) Fatores básicos para criação

            Para uma criação racional os fatores básicos para a criação são: local e terreno, água, alimento, técnica e administração.

Em piscicultura tanque ou viveiro, é praticamente a mesma coisa, embora alguns autores prefiram chamar de tanques os recintos menores construídos de terra ou alvenaria, destinados à reprodução, estocagem de alevinos e matrizes e manejo de peixes;  e de viveiros os recintos maiores destinados ao crescimento e engorda.

 a)       Local e Terreno:  quanto a esses fatores, o criador deve considerar:

·        Obtenção de Águas: água de rios,  riachos e reservatórios, geralmente são boas para  piscicultura, desde que não estejam poluídas com dejetos urbanos e industriais. As águas subterrâneas não são desejáveis por conter baixas concentrações de oxigênio, além do custo para a sua extração.

Observação: um solo é considerado impermeável quando tiver níveis de infiltração de até 7 mm de água/dia.

 b)      Água: a quantidade e qualidade da água são um fator preponderante para o criador decidir a espécie de peixe a ser criada.

·        Quantidade: deve ser suficiente para encher os tanques ou viveiros e compensar as perdas causadas pela evaporação e infiltração da água. Nos dias de intenso calor, uma vazão de l/s é suficiente para compensar as perdas em 10.000 m2 de tanque ou viveiro. A vazão deve ser muito bem controlada, aumentar muito a vazão não é desejável, pois as águas dos viveiros são fertilizadas para aumentar a produção do plâncton, com o abastecimento excessivo esses fertilizantes são perdidos pelas caixas de escoamento.

·        Temperatura: a temperatura e a variação da temperatura durante o dia irão determinar a espécie de peixe a ser criada, pois a temperatura influencia em todos os aspectos da vida do peixe (crescimento, desova, alimentação, respiração, etc.); na quantidade de oxigênio dissolvido no meio.

·        Cor:  as colorações verde e  verde-azulada são as mais indicadas para a piscicultura, pois são as que demonstram a maior presença de nutrientes.

·        Turbidez: é medida pela quantidade de materiais em suspensão na água. Quanto mais turva a água menor a penetração de luz solar, conseqüentemente menor será fotossíntese (processo importante no desenvolvimento de plantas e microrganismos aquáticos, que servirão de alimento para os peixes). Outra desvantagem da água turva é o entupimento das brânquias dos peixes pelo material em suspensão, que pode levar a morte de peixes. A turbidez é determinada pela profundidade que um objeto desaparece à vista.

·        pH: os peixes não suportam variações bruscas do pH, sendo a faixa ideal 6,5 e 8,0. Quando o pH está baixo, deve-se realizar a calagem, que é a aplicação de carbonato de cálcio, sobre o fundo do açude quando vazio, de forma bem espalhada. Em seqüência volta-se a encher o açude  até uma altura de 50  cm. Espera-se três a quatro dias mede-se o pH.  Se este parâmetro estiver acima de seis então se completa a altura da água até o nível normal.  Já para abaixar o pH, a adubação química da água é suficiente.

·        Oxigênio dissolvido na água: os peixes herbívoros tropicais se dão bem em água com 3 ppm de oxigênio ou mais. Os carnívoros, especialmente de águas frias, exigem, pelo menos, 5 ppm de oxigênio dissolvido. Num viveiro, as principais fontes de oxigênio são o fitoplâncton, as reservas carregadas pelas águas novas e principalmente, a aeração devido o  vento sobre a superfície da água. Sabe-se que a quantidade de oxigênio é inversamente proporcional às temperaturas: quanto mais baixa a temperatura da água mais oxigênio ela conterá. Por isso que é necessário verificar a temperatura do tanque ou viveiro diariamente, pois de acordo com a temperatura, a aeração artificial será necessária. A falta de oxigênio na água pode ser identificada de várias maneiras: Mau cheiro da água; presença de peixes na superfície da água com a boca aberta e comportamento do peixe, que nada menos, próximos à superfície.

·        Nutrientes: os peixes, na sua primeira fase de vida (fase larval) usam como alimento microrganismos aquáticos. Estes, por sua vez, necessitam de nutrientes dissolvidos na água para o seu desenvolvimento, como os nitratos (NO3) e  os fosfatos (PO4). Para que estas duas substâncias mantenham-se em níveis ideais faz-se necessário um processo de adubação, mesclando-se adubo orgânico e  químico, conforme observado no Quadro 1.

QUADRO1. Quantidade total de adubo químico, aplicado em 1ha de viveiro.

Adubação Química

Nitrogênio                   (Sulfato de Amônia)

Fósforo (Superfosfato Simples)

kg/ha de viveiro

100 a 200

100 a 300

 Essas quantidades devem ser parceladas e aplicadas através de um balde perfurado, com um flutuador, onde os fertilizantes se dissolvem na água e fertiliza o meio. O Superfosfato Simples pode ser parcela em 4 vezes, sendo assim aplicado trimestralmente. Já o Sulfato de amônio pode ser parcelado em dois e aplicado a lanço no viveiro.

·        Produtos Metabólicos  e Fezes: o fator mais importante é a amônia, excretada pelos peixes. Níveis como 1,5 a 4 ppm de amônia são considerados ótimos para uma criação superintensiva. Provavelmente, um teor de 1 a 2 ppm seja mais adequado para uma criação intensiva de peixes. As fezes dos peixes não são muito tóxicas, mas há utilização de oxigênio quando estão sendo decomposta.

 

5) Características desejáveis na espécie de cultivo

 5.1) Adaptação ao Clima       

            A adaptação ao clima local é uma condição essencial que limita a criação de peixes. As espécies do norte do país, como por exemplo, o tucunaré (Cichla ocellaris), que é uma ótima espécie para a criação consorciada com a tilápia do nilo (Sarotherodon niloticus) em açudes, não resiste às quedas bruscas de temperatura, tão comuns em várias regiões do estado de São Paulo, e só se adaptam onde a temperatura da água nos meses de inverno é superior a  15 0C.

Por outro lado à truta arco-íris (Salmo irideus) é uma espécie exótica das regiões montanhosas do E.U.A. e Canadá, onde a água permanece com temperatura em torno de  10 0C n inverno e raramente ultrapassa 20 0C no verão.

Já carpa (Cyprinus carpio) é uma espécie que suporta grandes variações de temperatura, de 0 a 40 0C, e por isso é disseminada no mundo inteiro.

5.2) Rápido Crescimento

           Para a piscicultura intensiva o crescimento do peixe deve ser o mais rápido possível, para que os gastos com alimentação serem significativamente reduzidos e a utilização do tanque ou viveiro ser otimizada. A carpa e tilápia do nilo são ótimas espécies para a piscicultura, pois podem atingir um kg em apenas um ano.

5.3) Fácil reprodução em tanques

            Algumas espécies necessitam da aplicação de hormônios hiposifários para induzir a   desova em tanques, e fertilização do óvulo com o espermatozóide é artificial, para realizar tal operação é necessário um laboratório com incubatório, além de domínio da prática, o que torna-se inviável para um pequeno produtor. Por tanto  espécies, tais como: Tilápia nilótica, carpa-comum, cará-manteiga e o peixe-rei, são as idéias para os pequenos piscicultores. Outra alternativa seria a compra de alevinos das espécies de difícil reprodução.

5.4) Comportamento social das espécies

           Um peixe para ser cultivado em tanques numa concentração por área que permita uma exploração economicamente rentável, deve ter um bom comportamento social. Espécies que apresentam canibalismo quando criadas densamente, como o trairão  (Hoplias lacerdae), black-bass (Micropterus salmoides) e outros peixes carnívoros que na fase de alevino devoram-se uns aos outros, devem receber cuidados especiais  na alimentação e durante o crescimento.

5.5) Rusticidade

           As carpas e tilápias tornaram-se conhecidas no mundo inteiro principalmente  pela sua rusticidade.

            Portanto resistência à manipulação durante o cultivo, às mudanças de temperatura e principalmente, a doenças é altamente desejável.

5.6) Exigências do consumidor

            Se a piscicultura que estamos desenvolvendo tem como meta principal à produção de carne, é indispensável que este alimento agrade ao gosto do consumidor.  Esta é a única condição que justifica a criação de peixes que necessitam de técnicas especiais para a reprodução em tanques; que tenham um crescimento relativamente lento e que sejam originários de regiões climáticas diferentes.

5.7) Alimentação de baixo custo

            Para uma piscicultura significativamente rentável, é necessário que o peixe cultivado aceite uma alimentação artificial de baixo custo. De maneira geral os peixes planctófagos (alimenta-se do plâncton) e onívoros (alimenta-se de  vegetais ou animais vivos) são os mais indicados.

5.8) Considerações finais

           É muito difícil que uma única espécie satisfaça todas essas exigências, pois nem sempre a fácil reprodução natural em tanques está relacionada com o bom tamanho, o crescimento rápido ou adaptação ao clima da região. Entretanto, o exame desses itens pode conduzir à escolha dos peixes adequados, nacionais ou exóticos, adaptáveis às nossas condições.

6) Bibliografia

GALLI, L. F. Introdução à piscicultura. Campinas, Fundação Cargill, 1981.

MARDINI, C. V & SANTOS, G. O. Criação de peixes em tanques e açudes. – 30 ed. Porto Alegre, RS: Sagra - DC Luzzato, 1994.

YANCEY, D. R & MENEZES, J. R. R. Manual de criação de peixes. Campinas, Fundação Cargill, 1982.

Autor: Luciano Malaguti dos Reis

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