SETE
ANOS DE PASTOR….
Sete anos de pastor
Jacob servia
Labão, pai
de Raquel, serrana bela;
Mas não servia
ao pai, servia a ela,
E a ela só
por prémio pretendia.
Os dias, na esperança
de um só dia
Passava, contentando-se
com vê-la;
Porém o pai,
usando de cautela,
Em lugar de Raquel
lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor
que com enganos
Lhe fora assi negada
a sua pastora,
Como se a não
tivera merecida;
Começa de servir
outros sete anos,
Dizendo: – Mais servira,
se não fora
Para tão longo
amor tão curta a vida!
Luís
de Camões
AMOR
É FOGO…
Amor é fogo
que arde sem se ver;
É ferida que
dói e não se sente;
É um contentamento
descontente;
É dor que desatina
sem doer;
É um não
querer mais que bem-querer;
É solitário
andar por entre a gente;
É nunca contentar-se
de contente;
É cuidar que
se ganha em se perder;
É querer estar
preso por vontade;
É servir a
quem vence, o vencedor;
É ter com quem
nos mata lealdade.
Mas como causar pode
seu favor
Nos corações
humanos amizade,
Se tão contrário
a si é o mesmo Amor?
Luís
de Camões
EU...ME
CONFESSO
Aqui, diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como
sou.
Me confesso o bom
e o mau
Que vão em
leme da nau
Nesta deriva em que
vou.
Me confesso
Possesso
Das virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais
Que são sete,
Quando a terra não
repete
Que são mais
Me confesso,
O dono das minhas
horas.
O das facadas cegas
e raivosas
E das ternuras lúcidas
e mansas.
E de ser de qualquer
modo
Andanças
Do mesmo todo. Me
confesso de ser charco
E luar de charco,
à mistura.
De ser a corda do
arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha
altura.
Me confesso de ser
tudo
Que possa nascer em
mim.
De ter raízes
no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel
e de Caim.
Me confesso de ser
Homem.
De ser anjo caído
Do tal céu
que Deus governa;
De ser o monstro saído
Do buraco mais fundo
da caverna.
Me confesso de ser
eu.
Eu, tal e qual como
vim
Para dizer que sou
eu
Aqui, diante de mim!
Miguel
Torga, O outro livro de Job
NÃO,
NÃO VOU POR AÍ!
"Vem por aqui",dizem-me
alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços,
e seguros
De que seria bom se
eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem
por aqui"!
Eu olho-os com olhos
lassos,
(Há, nos meus
olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória
é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar
ninguém.
Que eu vivo com o
mesmo sem-vontade
Com que rasguei o
ventre a minha mãe.
Não, não
vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios
passos...
Se ao que busco saber
nenhum de vós responde,
Por que me repetis:
"vem por aqui"?
Prefiro escorregar
nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar
os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar
florestas virgens,
E desenhar meus próprios
pés na areia inexplorada!
O mais que faço
não vale nada.
Como, pois, sereis
vós
Que me dareis machados,
ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os
meus obstáculos?...
Corre, nas vossas
veias, sangue velho dos avós,
E vós amais
o que é fácil!
Eu amo o Longe e a
Miragem,
Amo os abismos, as
torrentes, os desertos...
Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes
canteiros,
Tendes pátrias,
tendes tectos,
E tendes regras, e
tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um
facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e
sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é
que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai,
todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca
principio nem acabo,
Nasci do amor que
há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém
me dê piedosas intenções!
Ninguém me
peça definições!
Ninguém me
diga: "vem por aqui"!
A minha vida é
um vendaval que se soltou.
É uma onda
que se alevantou.
É um átomo
a mais que se animou...
Não sei por
onde vou,
Não sei para
onde vou,
Sei que não
vou por aí.
José
Régio, Cântico Negro
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