Projeto nº 01/2000

apoio CeaC - Centro Equipes de Apoio Comunitário

Promoção do Voluntariado - Assessoria Comunitária - Defesa de Direitos

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O Fórum Municipal da Criança e do Adolescente, no desempenho das suas funções precípuas de formular e sugerir políticas na área do atendimento à criança e do adolescente, com o apoio do CeaC - Centro Equipes de Apoio Comunitário, submete às entidades participantes da Assembléia Geral de 09/02/2000, como subsídio à formulação de política e à definição de critérios para a captação e alocação de recursos para o Fundo Municipal da Criança e do Adolescente, o texto que segue:

FILANTROPIA ESTRATÉGICA COMO FATOR DE DESENVOLVIMENTO LOCAL INTEGRADO E SUSTENTÁVEL

por Eduardo Dutra Aydos*

"A filantropia estratégica é uma prática que vem crescendo com sucesso. No caso brasileiro, é a melhor alternativa para as empresas que querem causar o máximo impacto junto à comunidade com um mínimo de recursos." Stephen Kanitz - Consultor de Empresas (http://www.filantropia.org/paodeacucar.htm)

FILANTROPIA ESTRATÉGICA - UMA CONDIÇÃO DE COMPETITIVIDADE.

    O mundo empresarial possui sólidas razões para incluir a filantropia como um fator relevante em sua estratégia de marketing: a promoção de um ambiente proativo no interior da empresa, a obtenção de ganhos expressivos de competitividade comercial e a valorização da própria imagem no mercado.

    A empresa moderna sabe que não pode prescindir da cooperação ativa dos seus empregados. A satisfação no ambiente de trabalho e o orgulho de pertencer à empresa, são positivamente estimulados pelos investimentos sociais da empresa, e lhe retornam ganhos de qualidade e produtividade. Os dados disponíveis sobre a inserção mercadológica das empresas, por outro lado, são impressionantes. Em igualdade de qualidade e preço no mercado, os produtos de uma empresa que tem seu nome vinculado a instituições beneficentes capturam 80% mais clientes. E até mesmo em condições de pequena inferioridade de preço e qualidade, 60% dos consumidores tendem a optar pelo produto de empresas que apoiam entidades beneficentes (cfr. KANITZ, Stephen: "Filantropia Estratégica", http://www.filantropia.org/paodeacucar.htm).

    O que é mais importante, é que toda essa vantagem competitiva pode sair praticamente de graça para as empresas que ajustarem sua estratégia filantrópica a programas bem conduzidos de investimento em capital social.

INVESTIMENTO EM CAPITAL SOCIAL - UMA CONDIÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO

    Os países que consolidaram os processos mais avançados de desenvolvimento, no curso da modernidade, se caracterizaram por uma expressiva ênfase na acumulação de capital social - ou seja, pelo investimento na capacidade de auto-organização e gestão da sociedade civil. Estima-se que para construirmos, nos próximos vinte anos, condições para um desenvolvimento minimamente sustentado deveremos evoluir da taxa atual de uma associação para cada 628 habitantes, para uma associação para cada 60 a 70 habitantes. Isso significa mais do que decuplicar, em duas décadas, as 250 mil organizações da sociedade civil hoje existentes em nosso país, mobilizando, além da sua capacidade produtiva, um potencial de mais de 5 milhões de empregos diretos, considerando-se a expectativa conservadora de uma média de dois empregados em cada organização. (Vide a este respeito: FRANCO, Augusto de: "Desenvolvimento Social e Humano não é crescimento econômico", Revista Século XXI, Millenium, Brasília, Maio de 1999, p. 78-83).

    O que é mais importante, esse investimento deverá cobrir lacunas estratégicas de atuação e realização no escopo de atuação do Mercado e do Estado. O desenvolvimento de Comunidade impõe desafios e necessidades de investimento que - pela sua amplitude e escassa, senão inexistente, margem de rentabilidade - o capital empresarial não terá condições atender e que o Estado, com seus elevados custos de operação e seu viés burocrático, não terá capacidade de equacionar.

    Por essa razão, a expansão e consolidação das organizações da sociedade civil, e assim a questão da sua autonomia face ao próprio Estado e ao Mercado, se constitui numa condição estratégica do desenvolvimento sustentado.

PRIORIDADE PARA A CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

    Além de qualquer medida paliativa, o núcleo de uma política básica de desenvolvimento social é a proteção e a formação da infância e da adolescência. Duas razões decisivas apontam nessa direção: a mercadoria mais valorizada no mundo pós-moderno se chama conhecimento e a matéria prima mais maleável e fundamental para a sua produção, reprodução e disseminação, é a criança e o adolescente. Não se impede a reprodução da miséria e da violência, sem o desenvolvimento do capital humano que integra a rede de comunicações e interações que chamamos comunidade.

    Essa prioridade da política social como condição da própria sobrevivência, para o empresário inteligente, sinaliza também um foco privilegiado de sua estratégia mercadológica. Os segmentos naturalmente mais expostos à atenção da vida comunitária, constituem-se também nos que oferecem a maior sinergia e retorno potencial ao investimento em publicidade e propaganda.

    Obviamente, a proteção e promoção dos direitos da criança e do adolescente, como alternativa numa matriz estratégica de investimentos, torna-se crucial quando a própria comunidade toma consciência da sua importância e assume a iniciativa de promovê-la à condição de prioridade absoluta.

A LÓGICA DO INCENTIVO NA CAPTAÇÃO E APLICAÇÃO DE RECURSOS PARA O FUNDO MUNICIPAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

    A necessidade social e a oportunidade empresarial da filantropia estratégica tornam-se assim evidentes. Os pressupostos para esse investimento estão postos na legislação federal: com a possibilidade de dedução líquida das importâncias que forem destinadas como doações aos Fundos Municipal, Estadual e Federal da Criança e do Adolescente do imposto de renda devido pelas empresas e pessoas físicas até o limite percentual estabelecido na legislação vigente e na respectiva instrução normativa. E, no entanto, são ainda muito poucas empresas que utilizam essa via legal para o autofinanciamento de tão importante dimensão da sua estratégia mercadológica. Isso que nos leva a refletir, sobre as razões que poderiam estar contribuindo, individual e cumulativamente, para que isso aconteça.

    A primeira que nos ocorre, é a força da inércia que onera qualquer inovação nos procedimentos burocráticos de uma organização. Haverá que se dar atenção à nova alternativa de aplicação de recursos, desenvolver os procedimentos necessários para o seu depósito bancário e, assumir os riscos de sua comprovação junto à receita federal. A segunda delas, não menos importante, é a ausência de uma repercussão mercadológica significativa para os recursos canalizados ao caixa comum dos Fundos da Criança e do Adolescente. A falta de visibilidade na captação e aplicação desses recursos é fatal, desmotivando o interesse empresarial pela sua disponibilização. E a terceira, que se acrescenta às demais, é a falta de critérios claros e de uma avaliação consistente na aplicação desses recursos. A mera suspeita, que a destinação a ser dada a estes recursos possa levá-los à vala comum da ineficiência estatal ou da sua manipulação por esta ou aquela administração político-partidária, é suficiente para desestimular alguns dos mais prováveis promotores da sua efetiva transferência ao fluxo de uma doação incentivada.

    Em síntese, a mobilização do potencial da filantropia estratégica exige liderança, visibilidade e conseqüência, na captação e aplicação comunitária dos recursos incentivados.

O POTENCIAL DE MOBILIZAÇÃO DOS FÓRUNS MUNICIPAIS DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

    Todo processo de liderança envolve o desenvolvimento de uma capacidade coletiva de inovação que, eventualmente se cristaliza em torno a pessoas e instituições. No sistema brasileiro de proteção e promoção dos direitos da criança e do adolescente, esse potencial está posto na estrutura e nas funções desempenhadas pelos Fóruns Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente.

    Estes organismos, em âmbito local, constituem a base comunitária de todo o sistema. Têm abrangência universal, sendo integrados por todas as entidades que trabalham direta ou indiretamente com a criança e o adolescente. Isso que lhes assegura inserção ampla e específica na vida comunitária. Detêm prerrogativas eleitorais e funções consultivas e auxiliares dos Conselhos Municipais da Criança e do Adolescente, que lhes oportunizam existência permanente e articulação orgânica com as instituições executoras da política pública neste setor.

    Entretanto, dada a concentração da capacidade decisora e gestionária do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente em mãos dos Conselhos Municipais de Direitos, a presença e atuação dos Fóruns Municipais tem sido restrita à solenidade bianual da eleição dos respectivos conselheiros. Isso que, por um lado, reflete uma tradição pouco democrática da nossa vida comunitária e, de outro, se constitui num obstáculo à operação eficiente do sistema legislado como um todo. Desmobilizada a sua base, os Conselhos Municipais tendem a se cupulizar: seja pela dificuldade de construir a sua autonomia decisória face à influência do Poder Executivo Municipal, que compõe um terço dos seus membros; seja pela concentração da influência sobre as políticas municipais e as suas benesses ao círculo restrito das entidades eleitas que o compõem. Exatamente nesta direção flui, por outro lado, a indefinição de critérios antecipatórios da alocação dos recursos dos Fundos Municipais da Criança e do Adolescente. Os baixos índices de captação financeira que o sistema vêm apresentando, em face dos incentivos existentes, constituem-se numa conseqüência previsível desse estrangulamento institucional.

UMA PROPOSTA PARA O DESENVOLVIMENTO DE COMUNIDADE NA ÁREA DA PROTEÇÃO E PROMOÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

    O ponto de partida, para a atualização do potencial de intervenção social representado pelas instituições do sistema brasileiro dos direitos da criança e do adolescente, é a consolidação dos Fóruns Municipais. Isso que ocorrerá, com toda certeza, quando as entidades que os integram forem estimuladas a participar no processo de captação de recursos para os Fundos Municipais, e forem contempladas por uma alocação de recursos correspondentes ao seu esforço despendido.

    Uma alternativa para produzir esse resultado é a criação de programas, que assegurem destinação específica e vinculada às atividades desenvolvidas pelas entidades, interessando-as diretamente na captação de recursos para os Fundos Municipais. Um proposta concreta, neste sentido, poderia ser um programa do tipo EMPRESA MADRINHA, através do qual as creches e escolas comunitárias credenciadas junto ao sistema da criança e do adolescente, pudessem captar recursos incentivados junto ao empresariado para o custeio dos seus estudantes.

    Uma maneira bastante simples de operacionalizar esse proposta é a destinação destes recursos, pelos próprios doadores, em conta específica da entidade que pretendam beneficiar, vinculada ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente, e cujo montante, padronizado em valores correspondentes a uma ou mais vagas, lhe seria automaticamente repassado.

    Ao mesmo tempo que estimula a captação comunitária de recursos, essa proposta promove a visibilidade da respectiva doação. A(s) empresa(s), ou mesmo a(s) pessoa(s) física(s), saberão sempre qual(is) a(s) entidade(s) e, por seu intermédio, qual(is) o(s) estudante(s) que estarão beneficiando - constituindo-se os mesmos seus "afilhados institucionais".

    Caberia ao Conselho Municipal, por outro lado, a fiscalização da efetiva aplicação desses recursos, incluindo-se nisso a avaliação da respectiva eficiência. Minimamente, os investidores e a comunidade em geral deveriam ser previamente informados da estrutura de custos totais de cada instituição, podendo dessa forma canalizar seus investimentos onde eles fossem socialmente mais produtivos. Da mesma forma, a publicação das doações e a premiação dos principais doadores (em termos absolutos e relativos) constitui-se num retorno necessário de sua estratégia filantrópica.

    Não se esgota nisso, o esforço necessário para se repensar a política pública da criança e do adolescente em nosso meio. Mas certamente, trazer essas questões à discussão e submetê-las à decisão das instâncias competentes, constitui-se num primeiro passo, modesto, mas promissor.

* O autor é Coordenador do Fórum Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Gravataí e Diretor-Presidente do CeaC - Centro Equipes de Apoio Comunitário.

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