CONJETURAS, REFUTAÇÕES E CONVERGÊNCIAS... SOBRE OS IMPACTOS DA REFORMA ELEITORAL NO RGS.
Eduardo Dutra Aydos* Em recente artigo (Nota 1), que ora circula no meio parlamentar, o cientista político Carlos Alberto Marques Novaes desenvolve um interessante e provocativo estudo de simulação sobre a implantação do chamado voto distrital misto (projeto da Comissão Especial do Senado) no Estado do Rio Grande do Sul.Em síntese, os aspectos enfatizados no estudo de NOVAES, que o autor pretende "centrais" e "empíricos", tendem a subsidiar um forte apelo à oposição ao projeto de reforma eleitoral, com base em argumentos que se pretendem como evidências empíricas, mas bem melhor seriam classificados como razões de "política real".
1. O enxugamento do quadro partidário é uma tendência já-dada.
O texto de NOVAES revela paradoxos, inteligentemente explicitados, nos quais parece sossobrar qualquer possibilidade de sustentação racional do projeto nuclear da reforma eleitoral capitaneada pelo Senador Sérgio Machado, pela maioria da bancada federal do RGS:
genericamente, o grande beneficiado pela mudança seria o PT; | |
a mudança favoreceria a polarização dos dois maiores partidos PT x PMDB, criando dificuldades adicionais à construção de uma hegemonia alternativa à direita desse espectro pelo PPB; | |
como resultados marginais, ainda, o PDT seria engolfado pelo PT e as demais forças de centro e direita tenderiam a ser absorvidas pelo PMDB e pelo PPB. |
Desde logo, nessa equação tout court do realismo político, que parece informar o estudo de NOVAES, poderíamos configurar um empate técnico nos prognósticos de votação do projeto do sistema distrital misto pela bancada gaúcha, desde logo sustentado pelo interesse dos 15 votos partidos, dados como imediatamente favorecidos pelo seu esperado efeito de polarização (8 do PT e 7 do PMDB), e supostamente confrontado pelo interesse eleitoral dos 16 votos das demais siglas.
A manipulação dessas expectativas sobre o desempenho agregado dos partidos numa eleição que seria 50% distritalizada, entretanto, não parece suficiente para a cristalização dos interesses políticos necessária ao bloqueio da tramitação e votação daquele projeto, que tem a seu favor o apoio formal da maioria parlamentar que sustenta o governo federal.
As expectativas de redução do quadro partidário, e da absorção do potencial eleitoral dos pequenos partidos por quatro ou cinco grandes siglas nacionais, conquanto eventualmente pudessem ser agudizadas pela mudança do sistema eleitoral, já estão em curso (Nota 2). Seria, mesmo, preferível que essa aglutinação ocorresse pelos efeitos de um sistema articulado e conseqüente de interações políticas, que pela regra impositiva da cláusula de barreira, que passará a viger em 2.002. São essas expectativas, aliás, que determinam hoje as estratégias de aproximação e distanciamento político-partidário, que se cozinham no bafo dos preparativos para as eleições do ano 2.000, e que deverão eclodir em aberta fusão ou incorporação de siglas, tão logo se conheça o cacife de cada um na respectiva contagem dos votos.
2. Uma invocação contrafactual do instinto de sobrevivência política dos parlamentares.Deve-se, ainda, levar em conta que as articulações políticas, que resultarão no alinhamento parlamentar das votações da Reforma Eleitoral, respondem também a outros fatores de consideração, capazes de obliterar o impacto das mudanças esperadas sobre os agregados do desempenho partidário, entre eles:
a consideração de interesses ainda mais particularistas e egoísticos, e que dizem respeito ao cálculo de sobrevivência política de cada parlamentar eleito; e | |
os elementos de convicção e pressão coletivas, de natureza ideológica e até mesmo corporativa, exercidos no âmbito de cada partido ou grupamento de partidos, e que apelam a distintas representações do significado institucional da proposta em pauta. |
Essas últimas questões emergem no estudo de NOVAES, mediante a apresentação de evidências empíricas e argumentos adicionais, que parecem reforçar a tese da inviabilidade de aprovação do projeto do Senado, e que representam a efetiva novidade de sua contribuição nesse debate, apontando:
evidências empíricas sobre desvantagens competitivas, que o sistema supostamente traria aos candidatos eleitos de cada partido, em relação aos não-eleitos; | |
argumentos adicionais, que enfatizam a indesejabilidade das incertezas introduzidas pela mudança no processo eleitoral; nisso que são previstas disputas no processo da sua implementação: pelo desenho dos distritos; pela indicação dos candidatos distritais; e, afinal, pela composição das listas partidárias fechadas. |
A evidência empírica utilizada para sustentar a primeira tese, das desvantagens relativas da mudança aos eleitos, é obtida pela identificação dos candidatos mais distritalizáveis de cada partido (candidatos com reduto forte, ou seja, 50% dos votos em um mesmo distrito). NOVAES revela que, dentre esses, que somam 36, apenas 12 se elegeram; sendo que portanto, 24 candidatos ditos distritalizáveis não chegaram à Câmara. Disso logo retira a conclusão, que a implantação do novo sistema de voto distrital misto representaria um risco adicional ao sucesso eleitoral desses 12 eleitos, pressionados ou confrontados por um número duas vezes superior de adversários com reduto forte nas eleições distritalizadas.
Considerando-se, ainda, o fato que as eleições distritais colocariam em disputa 16 vagas, a evidência proposta por NOVAES implica a existência de, pelo menos, 4 parlamentares hoje eleitos por conta dessas mesmas vagas (ou seja, 25% da bancada distrital), e que não teriam suporte eleitoral (o reduto forte) para enfrentar aqueles 24 postulantes não eleitos. O argumento toca no instinto de sobrevivência política do quadro parlamentar eleito e afirma, textualmente: "os partidos que desejarem a mudança terão que convencer seus deputados a votarem num modelo que gera possibilidades de êxito para adversários que foram vencidos no modelo atual (aliás, essa parece ser a razão para que muitos digam que o novo modelo interessa sobretudo a quem não se elegeu)" (NOVAES, 1999).
Não obstante, os mesmos dados utilizados por NOVAES, podem ser utilizados para demonstrar exatamente o contrário da tese que sustenta, eis que manifestam uma altíssima correlação estatística, entre os candidatos com reduto forte que ganharam a eleição nos distritos simulados e a ocorrência da respectiva eleição. A tabela abaixo apropria esses dados no estudo de NOVAES e explicita sua contradição às conclusões do autor:
CANDIDATOS |
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PERDEDORES NOS DISTRITOS |
ELEITOS |
8 (80%) |
4 (20%) |
NÃO-ELEITOS |
2 (20%) |
22 (80%) |
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Vê-se bem que, dos 36 candidatos com 50% ou mais da sua votação num distrito, oitenta por cento dos que venceram as eleições nos distritos simulados lograram eleger-se, e apenas 20% dos que ficaram em segundo ou terceiro lugar nessa simulação lograram diplomar-se deputados em 1998. O sistema analisado reforça, portanto, ao invés de enfraquecer, na sua parte distrital, a sobrevivência política dos deputados eleitos que dispõem de redutos eleitorais fortes e que neles obtiveram vitória sobre seus competidores, numa probabilidade de 80 contra 20.
Isso representa, diga-se de passagem, uma taxa de sobrevivência política sensivelmente superior ao índice efetivo da bancada gaúcha, que foi de 64,5% nas eleições de 1998. De fato, um dos efeitos mais prováveis da implantação do voto distrital, em qualquer modalidade, no país, opera, exatamente, no sentido contrário da tendência, aparentemente visualizada por NOVAES, como um efetivo redutor das elevadas taxas de renovação, que vem sendo historicamente apresentadas pela Câmara Federal (onde dos 513 deputados eleitos em 1994, 238 não retornaram em 1998).
3. O engessamento de critérios normativos de realce compara- tivo e relacional.Alguns argumentos substantivos contra a implantação do voto distrital, aparecem contrabandeados na conclusão desse estudo, que se propõe não-normativo. Isso que, desde logo, transparece como observações tangenciais e menos elaborada mas que, desde logo, se demonstram conseqüentes ao inteiro conteúdo do texto e igualmente contraditórias. Assim, uma condição de fato supreendida pela simulação, o tamanho diferenciado dos distritos, torna-se premissa de uma refutação genérica - algo ingênua e fugaz - da inadequação substancial do modelo proposto no projeto do Senado:
a amplitude territoral de alguns distritos (que chegam a ter cerca de 35 mil km2 e 50 a 60 municípios) transforma-se em contra-argumento da impossibilidade absoluta da "proximidade entre eleito e eleitor", que é uma das justificativas para a mudança do sistema; e | |
a variação desse tamanho territorial, por sua vez, entre os vários distritos, tornar-se-ia responsável pelo inconveniente de uma "grande disparidade de campanhas: um candidato por um dos distritos de Porto Alegre teria gastos muito menores (transporte, faixas, comícios, etc.) do que um candidato por um distrito do interior..." (NOVAES, 1999) |
Tratam-se aqui de alegações pouco convincentes, eis que tomam por critérios absolutos o que, obviamente, tem caráter relativo. De um lado, a maior "proximidade entre eleito e eleitor", mesmo no âmbito de um distrito, é um conceito de valor, cuja aplicação empírica deve ser relativizada; com toda a certeza, será muito menos possível de ser atingida, no âmbito de uma circunscrição estadual, que no interior de uma subdivisão da mesma, seja qual for a sua dimensão. De outro, a disparidade das campanhas eleitorais, e os respectivos custos, sempre serão menores considerando-se as eleições distritais, do que as condições atuais da campanha eleitoral, que os candidatos enfrentam numa eleição proporcional abrangente de todo o território da circunscrição estadual. Além disso, e muito obviamente, as variações no tamanho dos distritos, com certeza não afetam a condição da igualdade competitiva pelo mandato, eis que sua disputa para todos os efeitos se circunscreve aos candidatos que atuam nas fronteiras de um mesmo distrito.
Finalmente, questionar as possibilidades da Justiça eleitoral, para promover uma adequada divisão dos distritos, é uma subestimação da inteligência de uma das poucas conquistas institucionais mais relevantes da nossa experiência democrática acumulada desde o fim da Primeira República.
Basta ver, que um cientista político, dotado de lápis, papel e calculadora, isolado na sua mesa de trabalho, conseguiu desenhar distritos com razoável consistência política, para chegar à conclusão - aliás, convergente com estudo que realizei há vinte anos atrás(Nota 3) - que, no frigir dos ovos, pouco importam as variações do desenho, quando os critérios de divisão distrital representam restrições de monta à manipulação político-partidária da divisão distrital. Por que não poderia fazê-lo, um órgão técnico especializado como a Justiça Eleitoral? Alegar a possibilidade de demandas e impugnações de candidatos e interessados, como argumento em desfavor da distritalização constitui-se, na melhor das hipóteses, numa injustificada descrença da sua capacidade jurisdicional; e na pior, incorre no equívoco de se tentar eliminar o conflito ao invés de buscar a sua solução, e lá mesmo onde ele é inerente à expressão e consolidação da cidadania democrática.
Diga-se de passagem, que a atribuição da divisão distrital à Justiça Eleitoral, se constitui num significativo avanço do projeto elaborado no Senado, sobre as alternativas adotadas e consolidadas em países onde esse desenho territorial é elaborado pelo Parlamento ou pelo Poder Executivo, com riscos adicionais de manipulação por estas instituições, que resultam sempre corporativamente interessadas na sua manipulação.
4. Observações pontuais sobre a disputa das candidaturas nos distritos.Não fossem suficientes os maus presságios que NOVAES perscruta, sobre as expectativas de sobrevivência política dos parlamentares eleitos, seu estudo avança pontualmente, na identificação de estrangulamentos e obstáculos contextuais aos interesses eletivos de algumas das principais lideranças parlamentares da bancada gaúcha. Suas conjeturas, sobre os possíveis cenários de uma eleição distrital em sete dos dezesseis distritos do Rio Grande do Sul, realça as idiosincrasias possíveis da competição pessoal-partidária, com endereço certo ao desencorajamento do suporte parlamentar ao projeto do sistema de voto distrital misto.
Não obstante, também, aqui os resultados de sua abordagem são questionáveis e, até mesmo, contraditórios.
Primeiramente, é preciso alertar-se que as simulações de voto obtido no sistema proporcional, para inferir resultados que ocorreriam na hipótese de implantação de um sistema de voto distrital, tem um conteúdo inferencial muito relativo e devem ser encaradas como uma mera conjetura, até porque:
mantendo-se constantes as regras do jogo eleitoral, simulações de voto baseadas em resultados eleitorais passados oferecem ampla margem de êrro na projeção de resultados possíveis; | |
isso ainda é muito mais verdadeiro, quando o que se pretende projetar não é o sucesso de eleitoral dos agregados partidários, mas a sobrevivência eleitoral de indivíduos candidatos; | |
a modificação das regras do jogo eleitoral, se já impacta significativamente no comportamento dos agregados partidários, torna, praticamente, imprevisível o desempenho eleitoral dos atores individuais. |
Não obstante, é nessa direção, que o estudo de NOVAES avança criativamente. E adentra esse espaço de conjeturas, no efetivo exercício de uma intervenção política, que tematiza uma incerteza em relação ao futuro, capaz de bloquear adesões parlamentares ao projeto da reforma eleitoral. Indisfarçável, aqui, o vêso de uma "evidência empírica" que se atrela à lógica do sistema vigente, para sustentá-lo... e às suas mazelas!
Veja-se, por exemplo, as razões que a análise de NOVAES releva, como uma possível assintonia dos interesses eleitorais do deputado Germano Rigotto com a distritalização do processo eleitoral: "Rigotto tem prestígio em Caxias do Sul, reduto cuja força foi como que se espalhando pela região (a conhecida "expansão do reduto") e alimentou e foi realimentada pela presença ali do PMDB como partido. Dado o tamanho dos eleitorados dos maiores municípios daquela região do estado, fica impossível reuni-los num mesmo distrito respeitando o princípio de buscar que todos os distritos tenham o mesmo número de eleitores. Assim, o reduto de Rigotto terá de ser segmentado em mais de um distrito. Que vantagem ele teria ficando confinado num distrito que já "controla", se o atual modelo lhe permite expandir seu eleitorado, evolução importante para pretensões futuras (senado, governo)?"
Respondendo a essa questão poderia se invocar o velho ditado popular: "as árvores crescem até a altura que elas atingem". Isso que tráz implícita a compreensão, muito contemporânea, ecológica e holista, que existem limites ao crescimento possível dos seres vivos, e assim das suas relações orgânicas e, até mesmo, significativas. Isso que nos leva a perscrutar as implicações mútuas dos conceitos de intensidade e extensão da representação; que se refletem, também, na qualidade e estabilidade da relação entre eleitores e eleitos.
Para usar os mesmos termos cunhados por NOVAES, poderíamos contestar que, é mais fácil manter controle sobre o eleitorado de um distrito delimitado, do que sobre um "reduto expandido". Desde logo, o confinamento do deputado Germano Rigotto a um único distrito, lhe asseguraria maior intensidade e maior estabilidade de representação; e, o que é mais importante, lhe permitiria desviar atenção e recursos políticos, de uma estratégia de crescimento pessoal, visualizada pelo autor como a expansão ilimitada do seu potencial eleitoral (por isso mesmo, invasiva de outros "redutos" e crescentemente conflitiva); para uma estratégia focada sobre o desempenho parlamentar, que não exclui o esforço de construção partidária além fronteiras do seu distrito, mas já então em bases claramente cooperativas.
Não existe uma única via para a construção de liderança, capaz de projetar-se em candidaturas majoritárias. Existem sim, vias privilegiadas pelos condicionamentos de cada sistema eleitoral. E no sistema que temos, a via privilegiada é aquela que a análise de NOVAES releva - a dos "puxadores de votos", que alimenta o caudilhismo (mandonismo) crônico da nossa política tradicional. Com a introdução de um sistema distrital (preferencialmente, com a exclusiva extração distrital da representação), a limitação natural do crescimento eleitoral de cada parlamentar arrefeceria essa tendência. No contexto de nossa história política isso repercutiria de forma muito positiva, diria mesmo crucial, na construção da democracia interna dos partidos políticos - uma condição desejável para a sua consolidação, tão reclamada, quanto inviabilizada no sistema eleitoral vigente.
Em que pese, o impacto possível das suas observações pontuais, na decisão de votar dos parlamentares citados, o raciocínio de NOVAES aplica às expectativas do comportamento de indivíduos, sob as condições de um sistema futuro, a mesma lógica que comanda as suas ações no sistema presente. E isso não tem suporte científico, metodologicamente se constitui numa falácia ecológica.
Não obstante, existe uma contradição mais flagrante e palpável, entre a tese central que NOVAES defende, segundo a qual a implantação do sistema distrital seria mais vantajosa para os candidatos não-eleitos, e a evidência empírica que coletou para sete dos dezesseis distritos desenhados em seu exercício de simulação.
Identificando os dez candidatos mais votados em cada um desses sete distritos, NOVAES chega a resultados surpreendentes. Dentre os 31 deputados federais eleitos no Rio Grande do Sul:
6 aparecem como os mais votados nas eleições dos 7 distritos; | |
8 aparecem nos dois mais votados; | |
11 aparecem nos três mais votados; | |
16 aparecem entre os cinco mais votados; e | |
23 aparecem entre os dez mais votados. |
Supondo que os distritos escolhidos por NOVAES sejam uma amostra representativa dos demais na circunscrição estadual, uma projeção linear desses dados, para o total de 16 distritos, nos permitiria afirmar com folga, que pelo menos dois terços dos deputados eleitos seriam muito competitivos (aparecendo entre os três mais votados em algum distrito); e que praticamente todos os 31 deputados eleitos no Rio Grande do Sul apresentam um perfil competitivo, (aparecendo entre os cinco mais votados em algum distrito), passível portanto de uma adequação tática aos desafios da sobrevivência política nas eleições distritais.
5. Duas convergências, por uma conclusão provisória.
Obviamente, a conversão do comportamento do eleitor, das estratégias partidárias e das táticas individuais, ao contexto das eleições distritais, envolve deslocamentos, realinhamentos e movimentos, cuja amplitude não é passível de ser antecipada. Com certeza, a condição eletiva agrega vantagens diferenciais aos pretendentes a essa conversão. Não obstante, o argumento conservador da incerteza face ao desconhecido - que alimenta a reação a qualquer processo mudança - persiste como um obstáculo a ser vencido na viabilização da reforma eleitoral. Talvez, escancará-lo ao debate seja o principal mérito do texto de NOVAES.
5.1. No enfrentamento da incerteza eleitoral: a necessidade de uma estratégia de reforma abrangente (dos três níveis de eleição) e gradual (com precedência nos níveis municipal e estadual).
Isso que nos oportuniza uma observação e a correspondente sugestão. Tem passado desapercebido o fato que o projeto de reforma eleitoral focaliza apenas as eleições para a Câmara Federal. Se a pretensão é de um aperfeiçoamento do processo representativo no Brasil, a mudança deve estender-se, também, às eleições de base estadual e municipal. E, por aí, não parecem haver razões preponderantes, seja para que a mudança ocorra em todos os níveis ao mesmo tempo, ou para que a seqüência da mudança inicie pelas eleições nacionais, para depois estender-se, de baixo para cima, aos níveis estaduais e municipais.
De um lado, promover-se a mudança simultânea em todos os níveis implica numa desnecessária e, eventualmente, obstaculizante acumulação de tarefas, quais sejam o desenho de três conjuntos diferenciados de distritos (municipais, estaduais e federais) no mesmo espaço eleitoral.
De outro lado, existem razões técnicas e substantivas que recomendam a implantação gradual da mudança e a sua articulação nas três esferas de representação:
a distritalização municipal poderia facilitar a adoção de ajustes marginais na composição territorial dos distritos estaduais, para assegurar-se o princípio de "um homem, um voto"; | |
a distritalização estadual, por sua vez, deveria responder a um número de vagas na Assembléia Estadual, que fosse múltiplo da representação federal, facilitando o desenho dos respectivos distritos e a articulação das respectivas candidaturas e campanhas (no Rio Grande do Sul, por exemplo, para 31 distritos federais, deveríamos compor 62 distritos estaduais - se sorte que, no mesmo espaço eleitoral concorressem dois candidatos a deputado estadual e um a federal de cada partido); | |
a complexidade desse conjunto de mudanças recomenda sua implantação gradual, pelo menos em duas etapas: na primeira seriam desenhados e ajustados os distritos municipais e estaduais; e na segunda seriam compostos os distritos federais; | |
finalmente, o enfrentamento do efeito de incerteza, que condiciona a viabilidade política da reforma no âmbito da Câmara Federal, sugere que essa seqüência seja iniciada no âmbito estadual/municipal (em 2.002) e completada no âmbito federal (em 2.006) - assim, o corpo legislativo que votará a mudança, não experimentará diretamente os seus efeitos; e a Legislatura que experimentará a respectiva transição, terá todos os seus quatro anos de mandato para adequar-se aos respectivos desafios. |
5.2. No enfrentamento dos efeitos oligarquizantes do modelo de sistema misto proposto, a denúncia e obstaculização do critério de lista proporcional fechada.
Tenho por bem estabelecido, já me manifestei claramente sobre esse ponto em outro texto, e neste particular assino embaixo das observações de NOVAES, que o calcanhar de Aquiles do projeto de reforma eleitoral do Senado é a adoção da lista fechada na eleição da sua parte proporcional. Seja, pelo efeito da promoção às cadeiras cativas dos primeiros lugares da lista partidária de burocratas partidários sem potencial eleitoral; ou seja, como o aponta tangencialmente Novaes, pela conseqüência inversa, de um atravancamento no caminho de candidatos que, embora fortes nas urnas, são integrantes de minorias partidárias ativas, que criam dificuldades para esses grupos dominantes; a lista partidária é uma arma e um filtro poderosíssimo para ser entregue, de mão beijada, às oligarquias (tradicionais ou modernas, fisiológicas ou burocráticas) dos partidos políticos brasileiros.
Nesse sentido, duas sugestões são impositivas: numa linha de menor resistência, mas também de menor eficácia da mudança, a manutenção do sistema atual de listas abertas na parte proporcional do sistema proposto; ou, o que seria mais conseqüente, a adoção de uma reforma em maior profundidade, com a universalização do processo de extração distrital da representação, mantida e assegurada a proporcionalidade das vagas aos partidos no Parlamento - a exemplo de proposta que desenvolvi em texto anterior (Nota 4).
2. Veja-se a respeito: AYDOS, Eduardo Dutra: PARA UMA SISMOGRAFIA DA REFORMA POLÍTICA, disponibilizado em: http://www.direito.ufrgs.br/forum21rs\gt1analise1.htm. (Retorna ao texto)
3. AYDOS, Eduardo Dutra: "VOTO DISTRITAL: UMA ARMA PARA O GOVERNO?", in Coorjornal, Ano Vi, nº 43, Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, julho de 1979. (Retorna ao texto) 4. AYDOS, Eduardo Dutra: "REFORMA POLÍTICA: A HORA DE CONSTRUIR UM SISTEMA ELEITORAL-PARTIDÁRIO CONSISTENTE E RESPONSÁVEL", Revista Século XXI, nº 3, Ed. Millenium, setembro de 1999, Brasília. Texto disponibilizado em: http://geocities.datacellar.net/Athens/Cyprus/4536/reforma.htm (Retorna ao texto)