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Criação de São Bernardo para consumo humano DATONG, China - Na opinião de Zhang Weilin, na medida em que o paladar chinês tornar-se mais exigente e sofisticado, será apenas questão de tempo para que a indústria de carne canina decole. Com seus 90 cachorros são-bernardo, ele pretende estar na linha de frente da revolução. "Com a abertura da China, o mercado de carne canina e a criação de cães vai ser igual a criar vacas ou carneiros", disse Zhang, um homem de meia-idade. "As pessoas gastarão mais e seus hábitos alimentares mudarão, e a industrialização da criação de cães não vai demorar tanto quanto a de vacas e carneiros."Ele sabe que tem um longo caminho a percorrer. "Não é fácil começar uma nova indústria. A criação de cães (para carne) nunca foi feita em larga escala", diz. Zhang administra, segundo ele, o maior centro de criação de são-bernardos da China e o único dirigido pelo Estado. O famoso cão que presta socorro nas montanhas é cruzado com raças locais para produzir híbridos que podem ser vendidos para consumo. "A vantagem dos cães locais é que eles têm muita carne magra", disse Zhang. "A vantagem dos são-bernardos é que eles são grandes, crescem depressa e não adoecem." Até agora a fazenda de Zhang é a única que cria cães, e não os abate. Mas ele pretende construir o que será a primeira fábrica de carne canina em larga escala. Desde que foi inaugurado, há dois anos, o centro se tornou um dos empreendimentos mais lucrativos do departamento estatal de mineração de Datong, o maior empregador nessa cidade cinzenta de 2 milhões de habitantes, a cerca de 256 quilômetros a oeste de Pequim. Quando a indústria do carvão entrou em recessão, alguns anos atrás, e começou a ficar sem dinheiro para pagar os trabalhadores, o governo ordenou que se encontrassem fontes de renda alternativas. Zhang e outros funcionários do departamento passaram mais de seis meses avaliando as possibilidades antes de se decidir pela carne canina. "Através de análises de mercado e pesquisas, descobrimos que havia uma enorme demanda por carne canina", disse Cui Liguo, um ex-planejador da indústria de carvão, hoje gerente do centro de criação de são-bernardos. "Existem muitos consumidores de carne canina e poucos criadores." A decisão de usar o são-bernardo também ocorreu depois de extensa pesquisa científica, segundo Cui e Zhang. "Para desenvolver essa indústria você precisa de uma boa raça. As raças locais não são boas o suficiente. Os cientistas chineses fizeram muita pesquisa comparativa e o são-bernardo foi sua primeira opção", disse Zhang. Além de grandes, os são-bernardos machos podem atingir mais de 90 quilos, além de serem muito férteis, adaptáveis a diversas condições climáticas e de fácil cuidado. Na fazenda de Zhang, um casal de filhotes é vendido por US$ 1.800 e tem de ser encomendado com meses de antecedência. O são-bernardo adulto, que é cruzado com outros cães para produzir carne para consumo, custa entre US$ 3.600 e US$ 6 mil. Os compradores são fazendeiros e pequenos empresários que vêm de toda a China com a intenção de ganhar dinheiro extra criando cachorros. Eles são atraídos por anúncios que ressaltam o alto índice de retorno: a criação é três vezes mais lucrativa que a de aves e quatro vezes mais que a de porcos. Zhang disse que seu centro recuperou o investimento inicial de US$ 324 mil em apenas um ano. Ele salienta que os são-bernardos não são para comer. O chefe da divisão florestal do departamento de mineração, Gao Yuanping, disse que sabe que os amantes de cães protestariam se achassem que os são-bernardos são mortos. Grupos de defesa dos animais da Suíça tentaram impedir a venda de são-bernardos para países asiáticos. Mas segundo Cui os animais suíços são muito caros, de qualquer forma; a maioria de seus são-bernardos vem da Rússia e do Cazaquistão. Para os grupos americanos de defesa dos animais, no entanto, a raça do cachorro é uma questão secundária. "Assim como os porcos, as vacas e galinhas, todos os cães são animais inteligentes, que merecem respeito e não ser explorados nas mãos de gananciosos", disse Cem Akin, porta-voz da organização People for the Ethical Treatment of Animals (Peta). Ele disse que atualmente a Peta está enfrentando uma situação semelhante na Coréia, que sediará a Copa do Mundo de futebol em 2002. O grupo alega que nesse país é prática comum consumir carne canina, depois de espancar, torturar e estrangular o animal para aumentar seu nível de adrenalina. Acredita-se que isso torna mais viril o homem que consome a carne, disse Akin. Gao sabe que os americanos não comem carne de cachorro. "Para os americanos isso é muito estranho", disse. "O cão é o melhor amigo do homem." Mas acrescenta que aceita investidores dos Estados Unidos ou de qualquer outro lugar para ajudá-lo a expandir suas operações. "Eles precisam gostar de cachorros", afirma entusiasticamente. A carne canina é considerada nutritiva e adequada para consumo no inverno porque aquece o corpo. Segundo Gao, todas as partes do cão podem ser comidas, com exceção dos pulmões. "Coração de lobo, pulmão de cachorro", é um insulto chinês que significa "cruel e selvagem". Alguns restaurantes oferecem um banquete completo com até 100 pratos diferentes feitos de um único cão. "A carne de cachorro é muito saborosa", acrescenta Gao. Enquanto o paladar americano raramente se aventura além do tradicional, os asiáticos são bem mais aventureiros e apreciam pés de galinha, cérebro de porco e inúmeros outros pratos que podem parecer repulsivos. Mas em Pequim e várias outras cidades chinesas não se consome carne canina com freqüência, e só é encontrada em alguns restaurantes. É mais popular no nordeste, que tem grande população de origem coreana, e na província de Guangdong, no sul. Cada vez mais chineses que vivem em cidades e têm renda suficiente estão criando cães como animais de estimação. Cui, o gerente da fazenda, já foi um ávido consumidor de carne canina, mas disse que deixou de comê-la depois que começou a trabalhar com os cães. "Eu sinto carinho por eles", disse ele, que nunca os havia criado antes do atual emprego. "Os cachorros são inteligentes. Não são como gado. Esse é um dos motivos pelos quais a criação de cães não se desenvolveu durante milhares de anos. Os cachorros são mais inteligentes que os outros animais e têm sentimentos. Eles conseguem entender as pessoas."
Uol - 04/09/2000.