Quando, por solicitação de
amigos, penetramos o quarto de Alfredo Lúcio, para acudi-lo no processo
de desencarnação, o diário que o tempo amarelecera
estava aberto e podíamos ler, em trechos curtos, a história
da sua experiência.
22 de Outubro - Nesta noite inesquecível
do ano de 1923, faço a minha profissão de fé. Acompanhei
reunião íntima no Centro Espírita Vicente de Paulo,
e pude ouvir a palavra de minha mãe que eu supunha morta. Ela mesma.
Falava-me do Méier. Chorei muito. Estou transformado. Sou agora
espírita. Peço a Deus que me abençõe os votos
solenes de trabalhar pela grande causa.
23 de Outubro - Tentei a mediunidade escrevente
e consegui. Maravilhoso! A ideia escorria-me da cabeça com a mesma
rapidez com que a frase escrita me saía da mão. Recebi
confortadora mensagem assinada por Amélia Hartley Antunes Maciel,
a baronesa de Três Serros, que foi companheira de infância
de minha mãe. Aconselhou-me a aperfeiçoar a mediunidade,
a fim de cooperar. Sim, sim, obedecerei...
24 de Outubro - Procurei o confrade Augusto
Ramos, da direcção do «Vicente de Paulo», e falei-lhe
dos meus planos. Encorajou-me. Foi para mim valioso entendimento espiritual.
Quero servir, servir.
25 de Outubro - Congreguei vários
irmãos no Centro, em animada conversação sobre os
desastres morais. A imprensa está repleta de casos tristes. Suicídios,
homicídios. Comentamos o imperativo da mediunidade apostólica.
É muito sofrimento nascido da ignorância! Deus de bondade
infinita, darei minha vida pelo esclarecimento dos meus irmãos em
Humanidade!...
26 de Outubro - Avistei-me hoje com Leopoldo
Cirne e sua estimada esposa, na residência deles próprios.
Orámos. A baronesa comunicou-se, exortando-me ao cumprimento do
dever. Convidou-me a estudos sérios. O sr. Cirne falou-me, bondoso,
quanto à necessidade do discernimento.
27 de Outubro - Continuo a trabalhar activamente
na psicografia...
10 de Novembro - O presidente da nossa
casa espírita ponderou comigo que é importante não
acelerar o desenvolvimento mediúnico. Entretanto, não concordei.
A ignorância e a dor esperam por mensagens do Alto. Nas últimas
seis noites recebi páginas e páginas do espírito que
se deu a conhecer como sendo Filon, de Atenas, desencarnado na Grécia
antiga. Disse-me que tenho grande missão a cumprir...
2 de Dezembro - É tanta gente a
falar-me sobre estudo, que deixei de frequentar o Centro... Preciso trabalhar,
trabalhar. Filon está escrevendo 4 horas diariamente por meu intermédio.
Está a preparar dois livros, através das minhas faculdades.
Sim, ele tem razão. O mundo espera, ansioso, a evidência do
Plano Espiritual!
1 de Janeiro - Entrei no Ano Novo psicografando...
29 de Janeiro - Apresentei ao sr. Leopoldo
Cirne os frutos de meu trabalho. Dois livros assinados por Filon. Um romance
e um manual de meditações evangélicas. O sr. Cirne
pediu-me para o procurar na semana próxima.
5 de Fevereiro - Grande decepção!
O sr. Leopoldo Cirne falou-me francamente. Admite que eu esteja ludibriado.
Reconhece as minhas qualidades mediúnicas, mas pede que eu estude,
afirmando que os livros de Filon são fracos. Acha que é cedo
para eu pensar em publicação de livros, que devo amadurecer
em conhecimento e experiência para colaborar seriamente com os bons
espíritos. Despedi-me, desapontado...
6 de Fevereiro - Procurei o dr. Guillon
Ribeiro, da Federação Espírita Brasileira, que me
recebeu, cortês, em sua própria casa. Entreguei-lhe os meus
originais mediúnicos, rogando opinião.
20 de Fevereiro - Voltei ao dr. Guillon
Ribeiro. Devolveu-me as mensagens, referindo-se, paternal, ao perigo das
mistificações e à necessidade de critério,
na apresentação de qualquer assunto espírita. Declarou
que tenho promissora mediunidade, embora ainda muito verde, e asseverou
que devo preparar-me à frente do futuro. Um rapaz, que se achava
junto dele, falou em obsessão. Informou que um médium pode
ser atacado, sem perceber, pela influência de espíritos inferiores,
assim como planta susceptível de ser atacada por pragas silenciosas.
Compreendi claramente que o moço me considerava obsidiado. Uma ofensa!
Saí revoltado. Começo a desiludir-me...
4 de Abril - Estou desolado. Ouvi hoje
Ignácio Bittencourt, pela quarta vez numa semana. Já tenho
4 novos livros de Filon, mas o sr. Bittencourt, que os leu, é do
contra. Recomendou-me estudo. Deu-me conselhos. Parece que o homenzinho
quer entrar na minha vida. Falou-me em reforma íntima, como se eu
fosse um criminoso em regeneração...
8 de Abril - Não aguento. Qualquer
espírita que me encontra, ao invés de me ajudar, só
me fala de estudo e discernimento, de discernimento e estudo... Serei alguma
criança? Arre com tanta ponderação!... Se mediunidade
é serviço em que devamos atender as exigências de toda
a gente, não nasci para ser cachorro de ninguém! Todos os
espíritas se julgam com o direito de me advertir e reprovar!...
Sou um homem sensível...
Via-se que o livro de notas fora abandonado
por muitos anos. Entretanto, logo a seguir aos apontamentos mencionados,
estava escrito com tinta fresca:
6 de Setembro de 1959 - Amado Jesus, quero
abraçar a luz da mediunidade de que desertei, há mais de
30 anos! Quero cumprir a minha tarefa, Senhor! Perdoa-me o tempo perdido.
Dá-me algum tempo mais!... Preciso de mais tempo, Mestre! Socorre-me!
Levanta-me as forças! Prometo servir à verdade durante o
resto de minha vida!...
Mas o veículo orgânico de
Alfredo Lúcio não conseguira esperar pela concessão,
pois finda a nossa rápida leitura, mal tivemos tempo para ajudá-lo
a sair do corpo, cujos olhos congestos se fecharam pesadamente para o sono
da morte.
(De «Contos Desta e Doutra Vida», de Irmão X, psicografia do médium Francisco Cândido Xavier, transcrição parcial)