SIMBOLISMO E COSMOGONIA |
A Cosmogonia Perene Esta ciência é praticamente desconhecida para o ser humano atual, que é produto do racionalismo, do positivismo, do materialismo e da técnica. Foi, no entanto, a estrutura básica, primária, sobre a qual tanto os povos primitivos como as grandes civilizações da antiguidade como, por exemplo, os egípcios, fundaram suas crenças, e a ferramenta com a qual construíram sua vida e cultura, que no caso desse exemplo durou três mil anos; o mesmo poderia ser dito do império chinês, ou melhor, da Tradição extremo–oriental. Esta ciência, na verdade, é o denominador comum de todas as tradições conhecidas, quer se encontrem vivas ou aparentemente mortas. O modo normal pelo qual essa Cosmogonia, Universal e Perene se expressa é o símbolo, ou um conjunto de símbolos em ação, constituindo códigos e estruturas que se conjugam permanentemente entre si, manifestando e veiculando a realidade, ou seja, toda a possibilidade do discurso universal, que se faz audível e compreensível por seu intermédio. O símbolo é, portanto, a tradução inteligível de uma realidade cosmogônica e, ao mesmo tempo, essa realidade em si, ao nível em que ela se expressa.1 Para o caso da cosmogonia nos interessam particularmente os símbolos numéricos e geométricos, que, como se sabe, mantém uma perfeita correspondência entre si. Constituem módulos paradigmáticos, presentes em todas as culturas, já que formam a estrutura de qualquer construção, neste caso, da Construção Universal. Não obstante, trataremos aqui não só dos números e figuras geométricas e do simbolismo construtivo em geral, mas, em particular, do símbolo da roda. É importante ressaltar que aquilo que a simbólica manifesta dentro de si, no mais profundo de sua intimidade, não é senão a totalidade do cosmos, atual e constante. Ela própria, a Cosmogonia Perene e Universal – e não só a ciência que trata dela – que é válida para todo tempo e lugar na dimensão do humano, não é nada mais que um símbolo de algo muito mais amplo que a transcende, já que pode ser concebida e explicada como uma modalidade arquetípica do Ser Universal. O símbolo não é arbitrário, e reflete autenticamente o que expressa, requisito sem o qual seria impossível qualquer relação ou comunicação. Deve-se ter em mente que, por tomar uma forma, constitui uma estrutura na torrente do não-enunciado, na vida larval e caótica do vir a ser. Os antigos conheciam sobejamente esta verdade, e daí o valor criativo que atribuíam à palavra. Ou seja: o sujeito participa de qualquer fato objetivo e portanto o gera; a história de seus ciclos também testemunha esta interrelação constante. No entanto, a irrealidade do mundo – e do homem – só pode ser observada porque existe, e deve ser, nesse caso, sujeito e objeto de alguma revelação. Os símbolos, como os conceitos ou os seres, são imprescindíveis no plano do Universo, e alguns códigos como o aritmético ou o geométrico, entre outros, não são convenções casuais, mas expressam realidades arquetípicas e formam a base de qualquer estrutura, não só no "exterior" mas também no "interior". A ponto que de se poder dizer que estas imagens constituem categorias próprias do pensamento, e fazem do homem um autêntico intermediário entre o conhecido e o desconhecido, ou seja: o maior dos símbolos, capaz de unificar por sua mediação a multidão do disperso. O Símbolo da Roda Entre o ponto central e a circunferência se configura o círculo; o valor aritmético associado ao primeiro é a unidade, que é uma representação natural do ponto geométrico, e à segunda o nove, que é o número do ciclo por ser o da circularidade, como mais adiante veremos. A soma de ambos nos dá a dezena (1 + 9 = 10) que é modelo numérico da tetraktys pitagórica, o qual pode ser relacionado com qualquer outra aritmosofia, já que os números – e as figuras geométricas – são módulos harmônicos arquetípicos, válidos em todo o manifestado e, portanto, para qualquer tempo e lugar dentro deste ciclo humano. Assim, pois, não devemos estranhar que neste trabalho sejam tratados em conjunto os símbolos da roda e do círculo, o da espiral e o da esfera, pois esta, por exemplo, não é senão o círculo na tridimensionalidade. Igualmente, que se mencionem símbolos estreitamente associados ao da roda como o da cruz, o quadrado, e outros, assim como que se recorra às distintas tradições onde se encontra testemunhado. Não obstante, este símbolo está presente em nossa própria Tradição e se acha ao nosso alcance trabalhar com ele. No própria dia-a-dia podemos observá-lo constantemente; de fato é evidente na própria vida, pois como observamos, as coisas se produzem com um movimento circular e portanto são cíclicas, o que é um pensamento emitido por todas as doutrinas metafísicas. A figura esquemática da roda no plano foi associada ao sol por numerosos povos e de fato ainda hoje é o símbolo astrológico desse astro; em alquimia representa o ouro, seu equivalente terrestre. Daí a associar o percurso do sol com um carro dourado, ou de fogo, é só um passo. De fato seu alcance é significativamente mais amplo e se corresponde com a idéia arquetípica de Centro: aquilo que é capaz de gerar uma ordem na massa amorfa do caos; o ponto imóvel imprescindível a toda criação, o motor graças ao qual o devir tem um sentido. Este ponto central da Roda do Mundo se comunica com a periferia, como já se disse, através de raios, que são portanto intermediários entre ambos; e enquanto a roda gira sobre si mesma simbolizando o movimento e o tempo, o eixo permanece fixo expressando a imobilidade e o eterno.3 O círculo e a esfera foram tomados por numerosos povos e distintos autores antigos como figuras perfeitas e expressões da totalidade. A roda em particular está associada aos ciclos que repete uma e outra vez e, portanto, ao relativo, ao passageiro, ao contingente, porém sobretudo à recorrência, à reiteração. Como se poderá observar, e assim o continuaremos vendo, este símbolo se presta a inumeráveis transposições ao plano metafísico, ontológico e cósmico e é objeto de conhecimento e especulação. O que é um ponto central ao círculo, é o eixo com relação à esfera, motivo pelo qual centro e eixo se correspondem exatamente, sendo o primeiro um símbolo plano e o outro símbolo tridimensional do mesmo conceito. Se o ponto é virtual, não-manifestado e geometricamente não existe, a periferia da roda será visível e representará, na ordem cósmica, a manifestação universal e, no mundo do homem, qualquer expressão, razão pela qual também se pode equiparar o ponto e o círculo, a potência e o ato, e por conseguinte, a contemplação e a ação. A primeira divisão a que pode dar lugar o símbolo da roda é a bipartição da figura que a representa em duas metades análogas e exatas. Estas representam os dois movimentos, de ascensão e descenso, que realiza a roda no percurso de um ciclo, seja o do sol no ano, ou o do dia, ou o da lua em um mês, ou o da vida de um ser humano; o de princípio e fim com o qual está assinada qualquer criação. Princípio e fim têm uma origem e um destino comum, o que dá lugar, além disso, às idéias de reincidência ou repetição, crenças e conceitos de todos os povos arcaicos e tradicionais que viveram sempre um tempo cíclico e não linear e indefinido, tal como o nós concebemos atualmente. Qualquer ponto da periferia – os que são de número indefinido e podem simbolizar, cada um, a vida de um homem na imensidão do criado – é um reflexo do centro e se encontra conectado a ele pelo raio, porém enquanto que no aro todo é sucessivo, do ponto de vista central as coisas são simultâneas. Esta figura também pode ser adaptada obviamente aos conceitos de interior e exterior, de luz e reflexo, e também de realidade e ilusão, posto que a permanência do ponto não se altera diante das formas mutantes e sempre perecíveis do transcorrer periférico. Nos diz René Guénon que:
Todos os pontos da circunferência estão a igual distância do centro, lhe são eqüidistantes, motivo pelo qual as inumeráveis energias do cosmos se neutralizam em seu seio. Geometricamente é o eixo vertical que atravessa distintos planos circulares horizontais, que ele mesmo gera, os que giram como rodas ao seu redor formando a cadeia de mundos, os diferentes estados de um Ser Universal. A energia da irradiação chegada a seus próprios limites retorna a sua fonte por mediação do mesmo raio que as conecta, para ser reabsorvida no Princípio, que novamente volta a emaná-la para a periferia, constituindo esta interrelação, ad extra e ad intra, uma espécie de respiração universal selada pelas leis cósmicas da dialética. Por isso é que o Centro, ou o Eixo, é a Origem e o Princípio, e irradiando tudo d'Ele, a Ele tudo retorna. O centro é pois uma região mítica, uma idéia arquetípica que, não obstante, se manifesta em determinados pontos da circunferência que, desta maneira, passam a ser centros para o sistema que eles geram, sempre e quando sejam autênticos reflexos do ponto original ou, o que é o mesmo, que esse Centro fosse uma teofania, ou uma hierofania, um lugar, pessoa ou objeto que expressasse a unidade de um modo particular, e que igualmente a irradiasse. Nesse caso os distintos centros ou pontos significativos na periferia seriam focos "cosmizados" que estariam estabelecendo contato com o ponto médio, rompendo assim com o movimento homogêneo e reiterativo da Roda. Por este caminho o sábio perfeito, segundo o taoísmo, poderia acessar o "ponto central da Roda", em comunhão com o princípio, em absoluto repouso, imitando "sua ação não atuante".4
A montanha e a árvore são além disso dois símbolos de ascensão, igual ao da escada, e supõem a idéia de saída de um plano ou mundo, e o ingresso em outro superior. Geometricamente esta possibilidade está marcada pela figura da espiral, que é capaz de sair do plano e da reincidência rotineira, e projetar um novo movimento circular, desta vez em um plano distinto. Costuma-se também representar a espiral em forma dupla, formando na tridimensionalidade uma espécie de trompa, onde uma das espirais é "evolutiva" e a outra "involutiva", complementando-se perenemente. Por outro lado o círculo é análogo ao quadrado. Poder-se-ia dizer que este último é uma solidificação daquele, marcada pela agressividade rígida das arestas em comparação com a brandura e suavidade da forma circular; isto também é válido para o cubo e a esfera. Não obstante ambas as figuras têm 360 graus, já que essa é a superfície do círculo, também configurada pelos quatro ângulos retos de 90 graus do quadrângulo. Tradicionalmente se tomou a figura da esfera, ou do círculo, como mais perfeita que a do cubo ou do quadrado. Uma das razões já foi mencionada: os raios que unem à periferia da esfera com o centro são de igual distância, enquanto que no cubo ou quadrado não ocorre o mesmo. Em geral se relacionou o círculo com o céu (uma semiesfera) e o quadrado com a terra. Entre ambos constitui-se o cosmos, como se pode observar no simbolismo arquitetônico, em especial o do templo, pois este constitui uma imagem do universo.5 Como decorrência, a associação do círculo com o quadrado (e com o quaternário e a cruz) resulta naturalmente das próprias características inerentes a estes símbolos, os quais se entrelaçam entre si de modo espontâneo tal qual as idéias e arquétipos que eles representam. Voltaremos mais adiante a discorrer sobre estes temas. Façamos porém agora algumas considerações sobre os símbolos e também sobre os mitos e ritos. Em primeiro lugar assinalaremos que os símbolos não são, para a Simbólica, o que costuma entender hoje o homem contemporâneo. Ou seja, simples alegorias ou convenções impostas pelo ser humano. Repitamos: estas versões, em realidade, não são senão graus de leitura do que é o símbolo em si, nas quais se faz "pé firme" só por seu aspecto psicológico, ou simplesmente por seu valor prático, e sofrem o enorme perigo de reduzir o símbolo só a isso, com o que não se faz outra coisa além de negá-lo, ao tergiversar seu sentido. O símbolo é muito mais amplo e não se reduz a estas duas leituras. Pelo contrário, seu caráter é essencialmente metafísico e ontológico (na medida em que se refere ao ser e é transformador) e portanto arquetípico. Este é o símbolo, cuja função a qualquer nível de leitura que se observe, não é mais que a de levar do conhecido ao desconhecido por sua mediação. Aquele que teve a oportunidade de estudar as culturas tradicionais pôde observar a importância transcendental que o símbolo sempre possui nelas. Isso se deve ao fato de que para elas o símbolo em si está carregado de uma energia especial, de uma força mágica – por manifestar verdades desconhecidas de segredos implícitos no mundo, e desse modo revelá-los – que é objeto de veneração e reverência, como o atestam as sociedades arcaicas, que tomam estes símbolos (ou objetos-símbolos) como autênticos representantes de outros mundos verticais; das energias do além, capazes de transmitir o conhecimento de outras realidades, ou melhor, de outros planos, que igualmente, constituem o total da realidade. Quanto ao mito, presente em todas as culturas antigas, além de revelar verdades cosmogônicas e propor um modelo exemplar de vida e realização, é o fator aglutinante que deu coesão à existência dos inumeráveis povos, possibilitando assim sua organização social. O mito é um símbolo que se transmite de maneira oral; de outro lado o rito dramatiza o mito e perpetuamente o atualiza, simbolizando-o; conseqüentemente, símbolo, mito e rito formam um só conjunto, como já se assinalou em outros lugares, e deve-se por subentendido que quando falamos de símbolo, também estamos nos referindo a mito e rito. Voltando ao termo metafísica, uma vez feita a ressalva de que se refere àquilo que está além da física, devemos esclarecer que com ele não só se identifica o que excede à matéria, mas também o que está além do psicológico, por ser arquetípico. E ainda mais que isso, pois o sentido associado à palavra metafísica na simbólica quer expressar aquilo que está além do ser, o supra-cósmico e supra-humano. O símbolo é o veículo que liga duas realidades, ou melhor, dois planos de uma mesma realidade. Participa, pois, de ambas: daí sua pluralidade de significados. Para a antiguidade, o símbolo era o representante de uma energia-força que permitia pela ruptura de nível o acesso a outros mundos, ou o acesso ao conhecimento de diferentes planos deste mesmo mundo, caracterizados por distintos graus de consciência. O símbolo era e é, conseqüentemente, o meio de comunicação entre os deuses e os homens, objeto sagrado por excelência, já que ele conta a história verdadeira, a eficaz, e não a sempre mutante, de múltiplas falsas aparências. Descreve então a realidade tal qual é e não permite assim o engano dos sentidos, os desvios e enredos a que é tão propensa nossa personalidade. Se crê portanto nele e se reconhece os valores de que é portador, sem cair no equívoco grosseira de tomar o símbolo pelo simbolizado, o veículo pela meta da viagem. O termo grego symbolon se referia a duas metades de algo, que se juntavam, que coincidiam, e conformavam um sinal de reconhecimento; pode concluir-se imediatamente que estas duas metades são análogas, o que caracteriza a simbólica, pois nada nem ninguém pode expressar ou transmitir algo se não o faz mediante uma correspondência entre o que quer manifestar e a forma através da qual o manifesta. Como decorrência, a representação simbólica há de expressar a idéia metafísica, descrevendo e repetindo a cosmogonia arquetípica, participando desse modo no processo de criação. Como estamos vendo, o símbolo está intimamente relacionado com as leis de analogia e correspondência presentes no Modelo do Universo, na Cosmogonia Perene. A rigor qualquer coisa pode ser um símbolo, pois ela expressa de modo particular a sua origem e a mão de seu criador, o mistério que ela oculta dentro de si. Toda expressão é simbólica pois conserva implícito um gesto original. Não obstante, há que se distinguir entre os símbolos revelados especificamente para o conhecimento de uma realidade, e os símbolos espontâneos da psique individual que, por essa razão, não é capaz de ultrapassar esse nível de consciência. Enquanto os primeiros se supõem não humanos, os segundos não podem exceder o nível psicológico ligado em simbologia com o lunar e sublunar. Os primeiros expressam uma realidade transcendente, os outros não conseguem manifestar além do poder do imanente e denotam a garra do demiurgo. Também deve-se distinguir o símbolo do emblema, e sobretudo, como já se notou, da alegoria, que põe um espaço entre o símbolo e o simbolizado, e se apresenta também como uma versão a nível psicológico, como inexistente ou sonhada, diferente da realidade e exatidão daquilo que os símbolos expressam. Em forma gráfica e nas artes plásticas e monumentos se conservam os símbolos visuais das culturas antigas; de forma oral se tem transmitido seus mitos e suas canções rítmicas rituais, repetitivas e cíclicas e muitos desses se encontram registrados por escrito; antropólogos, arqueólogos, historiadores e outros especialistas, nos comunicam novos achados que confirmam a total importância que os povos tradicionais atribuíam a seus símbolos, já que, conhecedores da Cosmogonia Arquetípica, repetiam seus gestos simbólicos, que eram ensinados e aprendidos, pois o conhecimento do significado do símbolo não se pode obter de outra maneira. Hoje em dia é não faz parte da mentalidade oficial a idéia de um Modelo do Universo (conhecida por todos os povos tradicionais), um plano arquetípico e invariável que supõe a presença de um Arquiteto e que é válido para todo tempo e lugar, na escala humana, e que, de fato, também está transcorrendo agora. Igualmente se ignora a existência da Filosofia Perene, ou seja de uma mesma filosofia, idêntica nos princípios, em todas as tradições do mundo. Esta Cosmogonia e Filosofia perenes se ocultam dentro dos símbolos tradicionais, de origem revelada, que podem ser encarnados por aqueles que consigam obtê-los, pois os conhecimentos, energias e experiências que os símbolos contém, de caráter arquetípico e cosmogônico, podem ser vivenciados no constante agora, sempre que os interessados sejam pacientes para concretizar uma nova forma de aprendizagem e ser favorecidos por tamanha graça; em todo caso esta é uma experiência estranha e às vezes se vê como muito rara e muito difícil de assumir, segundo o atesta a tropa alquímica.6 A roda, como símbolo do ciclo, está sujeita a um invariável retorno que, não obstante, tem determinados pontos que a limitam. Estes pontos estão magnificamente exemplificados pelo caminho do sol no ano, a "roda sór", que se caracteriza por ter dois momentos máximos em seu percurso, nos quais o sol parece deter seu rodar; nos referimos aos solstícios de inverno e verão. Eles bem podem situar-se nos extremos da roda, ou do círculo, e marcar esses momentos. Há também outros momentos importantes no percurso do "carro sór", os equinócios, e eles se encontram perfeitamente eqüidistantes dos solstícios marcando assim um círculo dividido em quatro partes exatamente iguais. Entretanto, o quaternário como divisão normal do ciclo não só é reconhecido no percurso anual do sol, mas no diário (aparente), o qual é dividido também quadripartitamente em meia-noite (0 hs.), amanhecer (6 hs.), meio-dia (12 hs.) e entardecer (18 hs.).7 Igualmente pode-se encontrá-lo em qualquer ciclo ou manifestação, pois o quaternário é o signo do criado: também na divisão espacial se fixa os quatro pontos cardeais em relação à linha do horizonte.8 Se pode também identificar outros exemplos desta lei do quaternário; as distintas idades de um homem: infância, juventude, maturidade, velhice. Igualmente, as idades do mundo caracterizadas de maneira descendente pelo ouro, a prata, o bronze, e esta última que estamos vivendo, o ferro. O mesmo as estações do ano: inverno, primavera, verão e outono; as fases da lua, e igualmente os elementos, ou princípios constitutivos da matéria: Fogo, Ar, Água e Terra, aos quais as diferentes tradições associaram cores, como sinais qualitativos. Voltamos a ligar assim estreitamente a figura do círculo e do quadrado através do quaternário. O ciclo, ou seja o símbolo da roda em movimento, funde indissoluvelmente estas figuras entre si em estreita vinculação com a simbólica atribuída a espaço e tempo, relacionando-se o círculo com este último e o quadrado (o quaternário) com o primeiro. A roda de seis raios tem uma particularidade mágica: o tamanho do raio divide sempre o aro em seis partes iguais. A roda zodiacal divide o ano em doze períodos, chamados signos, os quais também em ciclos maiores estão equiparados a eras; subdivisões todas da figura partida pelo binário e quaternário como já vimos. Acrescentaremos que o termo "zodíaco", de origem grega, se traduz por "roda da vida". Os distintos números de raios das rodas não são arbitrários e se referem à partição do círculo nestes ou naqueles segmentos, assinalados por diferentes números, dependendo de como se encara a figura, em que contexto, e para que fins; tudo isso ligado com os atributos próprios de cada número e suas correspondências geométricas. Na Tradição Hermética, onde se produz uma amálgama entre os nomes rosa e rota ( = roda), a flor é a imagem do circular, como bem se pode perceber nos mandalas que são certas "rosetas" das catedrais européias. Tudo isso faz particularmente significativas as diferentes modalidades do símbolo em geral, relacionando-o com aspectos diferentes da realidade, ou melhor, com várias referências acerca de como encará-la, todas elas complementares. Assim como o ponto se corresponde com a unidade aritmética e o quadrângulo com o quatro, o ciclo se expressa pelo número nove. Este número é irredutível e como se sabe todos seus múltiplos (e submúltiplos) regressam indefectivelmente a ele, por exemplo: 9 x 2 = 18 = 1 + 8 = 9 ; 9 x 3 = 27 = 2 + 7 = 9 ; 9 x 4 = 36 = 3 + 6 = 9 , etc. Por outro lado divide a circunferência em quatro partes, e introduz a circularidade nas cifras com as quais se conecta, coisa que efetuam também seus múltiplos, relacionando assim qualquer número com a figura do círculo; devemos recordar que esta última se forma com o valor 9 da circunferência, mais o valor 1 do ponto central. O mesmo sucede com o quadrângulo que igualmente se constrói a partir de um ponto central cruzado por duas ortogonais, o que representa uma cruz, cujo meio exato é outro novo ponto, o número cinco, que na alquimia corresponde ao éter, em filosofia à quintessência, e que foi importante em distintas tradições, entre elas a chinesa e as pré-colombianas.9 Com o número sete acontece o mesmo, já que é considerado o central de uma roda de seis raios. Na realidade, e por outra das transposições entre o símbolo do círculo e do quadrado e do plano ao espacial, o sete é o ponto central do cubo, de seis faces e doze arestas, outro dos símbolos-modelo do universo.10 O simbolismo dos números, como já destacamos, está estreitamente relacionado com nosso tema. O sistema pitagórico decimal que usamos está formado por nove dígitos chamados naturais, agregados do zero que tem um valor posicional nos distintos níveis em que se expressa: dezenas, centenas, etc.; voltando-se a repetir em qualquer nível os mesmos nove números em sua viagem circular. Para o hermetismo pitagórico a série numérica tem uma característica especial: a unidade gera todos os números e por adição está presente em todos eles; por isso o número um seria o maior, e os demais, divisões ou fragmentações da unidade primordial. Como se vê, aqui os números não estão expressando simples quantidades, mas qualidades, sendo tomados como módulos harmônicos arquetípicos. A antiguidade tinha primordialmente em conta a idéia que o número tinha significada; quer dizer, utilizava esta escala de modo vertical, que para isso havia sido projetada; embora também a usasse na forma quantitativa e horizontal para outras funções que considerava secundárias ou reflexas. Os conceitos que os números manifestam e suas representações geométricas estão intimamente associados ao metafísico e cosmogônico e correspondem a realidades essenciais do universo e do homem. As combinações entre os distintos números da escala faz possível a coesão universal, já que de fato, os números não são nem mais nem menos que conceitos de relação. O denário é uma chave mágica: com os dez primeiros números se pode nomear qualquer coisa. Na tradição hebraica os mesmos números são representados por letras, pois todo o alfabeto tem um valor numérico; no islamismo é igual. A relação entre letra e letra ou – o que dá no mesmo – entre número e número, produz o discurso do cosmos, a linguagem do universo, já que números e letras formam códigos reveladores do conhecimento do Ser Universal. |
Roda sefirótica da Cábala hebrea, o Roda das Emanações. |
NOTAS | |
1 | Ver René Guénon: Símbolos Fundamentales de la Ciencia Sagrada, Eudeba, Buenos Aires 1988. |
2 | Ambas derivam da palavra latina radius. |
3 | Este raio é chamado buddhi na tradição hindú e corresponde à inteligência, ou intuição direta. |
4 | O alquimista, matemático e cabalista John Dee, astrólogo da rainha Isabel I da Inglaterra, cujos instrumentos mágicos (espelho, pantáculos, bola de cristal) se conservam expostos no Museu Britânico, escreve no Teorema II de seu Mônada Hieroglífica: "É pois pela virtude do ponto e da mônada que as coisas começaram a ser desde o princípio. E todas as que são afetadas na periferia, por grandes que elas sejam, não podem, de nenhuma maneira, existir sem a ajuda do ponto central". |
5 | Na mesquita a cúpula corresponde ao céu e ao Profeta e as quatro "falsas" cúpulas que dela derivam e se projetam na base quadrangular, aos seus quatro descendentes, herdeiros de seu legado nesta terra. |
6 | Para destacar a importância do símbolo como linguagem só queremos recordar que a tradição cristã afirma que Constantino, imperador romano, viu uma enorme cruz no céu e ouviu uma voz que dizia In hoc signo vinces; este fato motivou sua conversão ao cristianismo e a posterior implantação desta religião como oficial no império, o que demonstra que o poder do símbolo foi capaz de mudar – ou orientar – toda a história do Ocidente. |
7 | Nem todos os povos fizeram exatamente esta divisão esquemática. Varias sociedades pré-colombianas aparentemente a contradizem. É de sumo interesse igualmente observar que estes povos que conheciam perfeitamente o ciclo e a circularidade, como o demonstra a perfeição de seus calendários, não utilizaram a roda de maneira técnica por considerá-la "tabú", ainda que conhecessem sua aplicação prática, presente em numerosos brinquedos encontrados pelos arqueólogos ao longo da América Central. |
8 | A este respeito, não obstante, há que se ter presente que a linha do horizonte sempre se encontra no olho do espectador. |
9 | Para o hermetismo, é além disso o número do microcosmos, ou seja, do homem; também o dos dedos de sua mão. |
10 | Estas doce arestas ocupam um papel preponderante na cosmogonia pré-colombiana já que sua imagem do mundo se apresenta geralmente de modo quadrangular e cúbico; somadas ao centro produzem o número treze, módulo vital em sua visão do universo. |
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