O HOMEM QUE MATOU GETÚLIO VARGAS
Prólogo
*Ouro Preto Minas Gerais 1897
A capital do estado conserva sua importância política e cultural desde os tempos da Inconfidência, grito sufocado de liberdade, quando a cidade ainda se chamava Vila Rica. Sua música sacra é comparada à européia e a famosa Faculdade de Direito, uma das mais tradicionais do Brasil, atrai alunos de todos os cantos do país.
A rivalidade entre os moradores das várias repúblicas provoca, como de praxe, atritos e discussões. São comuns as refregas de estudantes no Bilhar Helena, na rua São José, um dos pontos preferidos pelos rapazes que estudam na cidade.
Os notívagos que ali se reúnem naquela noite chuvosa de Segunda-feira, 7 de junho, não demonstram a costumeira alegria dos boêmios. Apoiados no largo balcão do bar polido pelos anos, entre uma bebida e outra eles comentam, em voz baixa, que apesar de acostumados à agressividade extravasada pelos jovens universitários, jamais haviam presenciado violência igual à acontecida um dia antes.
Domingo, tarde da noite, em volta de uma das mesas, tacos de snooker na mão, três irmãos gaúchos, filhos de um influente general do Rio Grande do Sul, começam uma discussão tola com um aluno mineiro. Outro estudante, este paulista, também da faculdade, vendo o colega de Minas inferiorizado, entra na briga para defende-lo. Atinge especialmente o mais jovem, um menino pequeno e franzino, aluno do curso de humanidades, preparatório indispensável para mais tarde ingressar na faculdade. O garoto, ainda imberbe, acaba sendo espancado de forma brutal. Finalmente, os demais freqüentadores conseguem apartar os rapazes, porém o mal já está feito. Ao sair trôpego do bilhar, amparado por seus dois irmãos, ele jura vingança.
A poucos metros dali, no exato momento em que os fregueses habituais do Helena relembram o funesto incidente da véspera, o rapaz de São Paulo que se envolvera na rixa volta tranqüilamente para sua república, descendo a rua do Rosário. Não deu importância ao entrevero da noite anterior. Achou graça nas ameaças do fedelho. Os gaúchos já o esperam, atrás de um muro, ocultos pela penumbra. O paulista nem tem tempo de reagir. É derrubado por nove tiros de revólver desfechados à queima-roupa. Agoniza por quatro dias antes de morrer.
Seu nome era Carlos de Almeida Prado Jr., filho do líder republicano paulista Carlos Vasconcelos de Almeida Prado. O caso comoveu o país. Os Almeida Prado desembarcaram na cidade e Carlos foi sepultado em Ouro Preto.
Para se avaliar a importância da família do morto, basta dizer que o ataúde foi carregado, entre outros, pelo presidente do estado de Minas, Crispim Jacques Bias Fortes. Mais de quatro mil pessoas acompanharam o féretro.
Quanto aos irmãos gaúchos envolvidos no sinistro episódio, Viriato, o mais velho dos três, com dezoito anos de idade, assumiu a autoria dos disparos. Protásio, o do meio, havia feito dezesseis poucos meses antes. O caçula, o menino miúdo e ainda imberbe que prometera vingar-se, tinha apenas catorze anos. Chamava-se Getúlio Dornelles Vargas.
Soares, Jô
O homem que matou Getúlio Vargas: biografia de
um anarquista / Jô Soares.- São Paulo: Companhia
das Letras, 1998