Antes de continuar a leitura deste texto, pare um instante e olhe a sua
volta. O mundo que você vê é real ou imaginário?
A luz se projeta a seu redor seria observada e sentida da mesma forma se
você não estivesse aqui? As cores fariam algum sentido se
alguém não as pudesse observar, catalogar e interpretar?
Os sons produziriam o mesmo efeito se não existissem ouvidos para
captá-los? O frio ou o calor teriam alguma importância na
ordem geral do universo se não fosse que os estivesse sentindo?
Tudo que você vê, ouve e sente reflete no mundo exterior. A
forma como alguém percebe, interpreta ou reage a isso, no entanto,
é pura criação do cérebro, a mais marvilhosa
e elaborada produção na Terra. "O que o cérebro faz
o tempo todo, dormindo ou acordado, é criar imagens.", diz o neurocientista
Rodolfo Llina, na Universidade de Nova York. "Luz nada mais é
do que radiação eletromagnética. Cores não
existem fora da nossa mente. Nem os sons. O som é um produto da
relação entre uma vibração externa e o cérebro.
Se não existisse cérebro, não haveria som, nem cores,
nem luz, nem escuridão.".
Desde que os seres humanos adquiriram a capacidade de pensar sobre sua
própria existência, o cérebro é um desafio permanente
ao entendimento. Aristóteles, o filósofo grego que viveu
350 anos antes de Cristo, acreditava que o pensamento vinha de um órgão
quente e pulsante: o coração. Para ele, o cérebro
servia apenas para refrigerar o organismo. Foi mais ou menos assim que
a mente humana foi explicada durante milênios. No século XVIII,
graças ao trabalho do cientista italiano Luigi Galvani, provou-se
que os músculos se moviam por descargas elétricas - e que
o cérebro podia produzí-las. Desde então, desvendar
os segredos da mente tem sido uma das mais extraordinárias aventuras
humanas. Nada se compara, porém, aos avanços obtidos nessa
área nos últimos anos. Uma infinidade de novas descobertas,
feitas em laboratórios e centro de estudos ao redor do mundo, tem
revelado o cérebro como um órgão mais fascinante,
complexo e poderoso do que antes se imaginava. Descobriu-se que, ao contrário
dos outros órgãos do corpo humano, ele pode melhorar seu
desempenho durante a vida. A única exigência é que
seja permanentemente treinado e exercitado em atividades intelectuais.
"Atualmente, as pessoas vivem obcecadas com ginásticas, dietas e
atividades para melhorar a saúde do corpo, mas pouca gente imagina
que o cérebro também deve ser exercitado o tempo todo", escreveu
o grande mestre em xadrez Raymond Keene num artigo recente para a revista
britânica The Spectator. "A melhor maneira de viver mais e
melhor é botar o cérebro para trabalhar."
O cérebro bem estimulado em tarefas como leitura, aprendizado de
novas línguas, resolução de problemas matemáticos
ou mesmo em tarefas rotineiras no trabalho pode esticar a longevidade de
uma pessoa e evitar que ela sofra de problemas típicos da velhice,
como a senilidade e a perda de memória. Uma pesquisa realizada entre
pacientes com mais de 65 anos, todos de um mesmo bairro e mesma classe
social, no Hospital Francês de Buenos Aires, revelou que 38% deles
tinham desenvolvido o mal de Alzheimer, doença degenerativa que
apaga mecanismos da memória coordenadores de movimentos naturais,
como o da locomoção. Esse índice, contudo, caía
para apenas 7% entre os pacientes com nível de instrução
universitário. Quanto mais informação útil
é armazenada no cérebro, melhor é seu desempenho.
Maior também é o benefício que ele leva a todo o resto
do organismo ao qual está ligado. "O cérebro é uma
máquina para usar e gastar.", diz o professor Ivan Izquierdo, especialista
no estuda da memória do departamento de bioquímica da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS. "Quem estuda ou tem uma vida intelectualmente
ativa vive melhor e geralmente mais". O uso adequado das potencialidades
do cérebro pode também multiplicar muitas vezes a capacidade
de aprendizado de uma criança, melhorar o desempenho de uma pessoa
no emprego e aprimorar seus vínculos familiares e scoiais.
O cérebro é uma máquina maravilhosa que desempenha
múltiplas tarefas biológicas. Pesando pouco mais de 1 quilo
e representando apenas 2% do peso total de um homem adulto normal, ele
gasta 20% de toda energia despendida no corpo. Entre uma orelha e outra
de uma pessoa, estima-se que existam mais conexões neurológicas
do que estrelas na Via Láctea. Se alguém tentasse contar
essas conexões, chamadas de neurônio, gastando um segundo
em cada uma delas, levaria 32 milhões de anos para concluir a tarefa.
É o cérebro que comanda as funções que asseguram
s reprodução e a sobrevivência da espécie. Pense
na batida incosciente do coração, nas pálpebras piscando,
na respiração contínuas dos pulmões, nos alimentos
sendo processados pelos intestinos, numa perna que se move. Tudo isso é
organizado e dirigido pelo cérebro. Pense nas suas emocões,
na atração sexual, no amor entre pais e filhos, nos sonhos
e pensamentos. Eles também são produtos do cérebro.
Sua missão mais elementar é recolher os estímulos
externos, captados pelos sentidos, e transformá- los em impulsos
elétricos que percorrem os neurônios. Toda essa informação
é catalogada e arquivada na memória. É a ela que o
cérebro recorre quando precisa tomar decisões, comandar os
movimentos corporais e organizar o pensamento.
O cérebro huano, no entanto é mais que isso. É a única
criação conhecida do universo que tem capacidade e a tarefa
de desvendar-se a si mesma. "Penso, logo existo", afirmou o filósofo
René Descartes, no século XVII, o primeiro a concluir que
a consciência, decorrente da atividade cerebral era a prova primoridal
da existência do ser humano. Desde que a vida surgiu na Terra, há
cerca de 3,5 bilhões de anos, mihlões e milhões de
espécies surgiram, evoluiram ou desapareceram da face do planeta.
Nenhum desenvolveu uma ferramenta biológica tão sofisticada
quanto o cérebro humano. Alguns cientistas acreditam que, estatisticamente,
ele é uma ocorrência raríssima. Tão rara que
tornaria improvével a existência de seres inteligentes em
outras regiões do universo. "O aparecimento de vida inteligente
na Terra foi muito mais difícil do que os cientistas sempre imaginaram",
escreveu Ernst Mayr, veterano professor da universidade americana Harvard,
considerado o maior biólogo vivo, autor de um livro essencial sobre
a evolução das espécies (The Growth of Biological
Thought). "Só isso já deveria desestimular qualquer idéia
a respeito de inteligência extraterrestre", afirma Mayr.
As novas descobertas, que permitem a melhor compreensão de como
funciona o cérebro e como pode ser melhorado, devem-se ao impressionante
aparato tecnológico desenvolvido pela ciência nos últimos
anos. São aparelhos que "lêem" o pensamento pela medição
do fluxo sengüíneo e dos impulsos elétricos que traegam
pelos neurônios. Drogas que conseguem congelar determinada atividade
cerebral numa cobaia, de modo que os pesquisadores possam dissecá-las
para entender como se processou. Técnicas refinadas de microbiologia,
que permitem analisar cada uma das estruturas microscópicas dos
neurônios. Análises genéticas, usadas para estudar
a evolução do órgão nas diferentes espécies
vivas. O resultado da soma de tudo isso é espetacular. "Finalmente
estamos entrando dentro do cérebro", diz o professor Gilberto Xavier,
do departamento de fisiologia do Instituto de Biociências da Universidade
de São Paulo. "Para a ciência, a década de 90 está
sendo a das descobertas sobre o cérebro. E acredito que o século
XXI deverá ser o século cerebral."
O desenvolvimento natural do cérebro se dá na mais tenra
infância. Até os 8 anos, a criança já posui
conectados 90% dos neurônios que carregará ao longo da vida.
Aos 17 anos de idade, o cérebro humano atinge os 100% do seu estágio
de crescimento. No entanto, estima-se que apenas 30% da capacidade intelectual
das pessoas seja inata, determinada pela herança genética.
Os outros 70% vêm do uso e do aprendizado. Isso significa que, assim
como existem seres humanos mais altos ou mais velozes, existem pessoas
com maior capacidade orgânica cerebral. É isso que faz a diferença
entre uma pessoa mais inteligente e outra menos. O cérebro tem milhões
e milhões de células conectadas, entre si, por neurônios
- os microscópicos filamentos nervosos que conduzem os sinais elétricos.
Cada neurônio pode ligar-se a outras 100000 terminações
como ele. O número de combinações possíveis
pode chegar quase ao infinito. As conexões entre os neurônios,
por onde passa a informação cerebral, por onde passa a informação
cerebral, são chamadas de sinapses. Quanto maior for seu número,
mais inteligente a pessoa será. "É a capacidade humana de
produzir essas combinações, a aprtir de dados registrados
no cérebro, que podemos chamr de inteligência", diz o fisiologistas
Gilberto Xavier, da Universidade de São Paulo.
Até algum tempo atrás, imaginava-se que um cérebro
jovem, em sua plena vitalidade biológica, fosse muito mais
poderoso e criativo do que um outro já maduro e desgastado pela
idade. A matemática fornecia o maior dos argumentos para os defensores
dessa teoria: quase todas as equações matemáticas
foram propostas ou decifradas por gente com menos de 30 anos. Albert Einstein
tinha apenas 26 anos quando apresentou sua teoria geral da relatividade
- a mais revolucionária de todas as elaborações matemáticas,
que lhe valeu o Prêmio Nobel de Física, quinze anos depois.
O argumento é forte, mas ele se baseis numa idéia ultrapassada
a respeito da mente humana. As novas descobertas estão mostrando
que a inteligência não se limita à capacidade de raciocínio
lógico, necessária para propor ou resolver uma complicada
equação matemática. Os testes de QI, um dos antigos
parâmentros usados para medir a inteligência, já não
servem mais para avaliar a capacidade cerebral de uma pessoa.
A inteligência é muito mais que isso. É uma soma inacreditável
de fatores, que incluí até os emocionais. Uma pessoa excessivamente
tímida ou muito agressiva terá sempre problemas para conseguir
um bom emprego, escender na profissão ou ter um bom relacionamento
familiar, por maior que seja seu QI. O que os novos estudos esão
mostrando é que um cérebro jovem tende, sim, a ser mais inovador
e revolucionário. Mas, como um bom vinho ou uma boa idéia,
ele também pode amadurecer e melhorar com o tempo. Basta ser estimulado
e exercitado. A ciência, a arte e a literatura estão repletas
de exemplos. Charles Darwin viajou para as ilhas do Pacífico em
busca de uma explicação para a evolução dos
seres vivos quando tinha apenas 22 anos. Mas só muito mais tarde,
aos 55 anos, publicou A origem das Espécies, obra que revolucionou
o estudo da biologia e a compreensão da vida na Terra. Karl Marx
tinha 26 anos quando publicou suas primeiras idéias num estudo chamado
Manuscritos
Econômicos e Filosóficos. Só duas décadas
mais tarde, porém, com 49 anos, conclui sia obra-prima:
O Capital.
Da mesma forma, Leonardo da Vinci começou a desenvolver sua genialidade
ainda jovem, em Florença. Só aos 54 anos, contudo, criou
a Mona Lisa, sua mais célebre pintura, mesma época
em que fez vários estudos sobre a anatomia humana. "Isso explica
por que muitos escritores atingem o auge de sua carreira justamente no
fim da vida", afirma Gilberto Xavier, da USP. "É o caso do Argentino
Jorge Luis Borges, que alguns anos antes de morrer estava no auge de sua
capacidade criadora."
Numa pessoa intelectualmente ativa, o cérebro pode melhorar cada
vez mais. Numa outra, que não lê, nào estuda, nào
trabalha nem se envolve em atividade desafiadora para a mente, ocorre o
oposto. O cérebro decai e envelhece com qualquer outra parte do
corpo não utilizada. "Uma mente sem uso se deteriora tanto quanto
uma perna que não se exercita", diz o chefe do Departamento de Gerontologia
da Universidade George Washington, Gene Cohen. Há pesquisas curiosas
a esse respeito. Pessoas que trabalham e saem de férias por uma
semana ao retornar mantêm praticamente intacto o número de
sinapses cerebrais associadas às atividades do trabalho. Quando
as férias são mais longas que um mês, no entanto, a
queda é expressiva. Isso explica aquela sensação de
preguiça que toma conta das pessoas ao final de férias mais
prolongadas. Ao retornar ao trabalho, o cérebro precisa ser educado
e exercitado novamente para recuperar o desempenho perdido. Isso também
exmplica por que as pessoas que se aposentam e não se dedicam a
nenhuma outra atividade estimulante muitas vezes envelhecem e até
morrem precocemente.
Atividades complexas ou inovadoras são a melhor forma de exercitar
o cérebro. Jogar xadrez sempre foi considerado um bom exercício
cerebral, porque exige concentração e capacidade de inventar
saídas para novas situações. Outra maneira apontada
pelos especialistas é a leitura. "Quando alguém lê,
esta criando novas imagens, aprendendo novos conceitos e até exercitando
a fala", diz Ivan Iazquierdo, da UFRGS. "Enquanto as pessoas lêem,
músculos da língua quase imperceptivelmente se mexem." Para
expandir as ligações cerebrais, o ideal é não
desistir da leitura de textos um pouco mais complicados. Outra maneira
é viajar para lugares desconhecidos e surpreendentes. Até
mesmo arrumar os móveis de casa de outra forma é uma tarefa
estimulante para a atividade cerebral. Poucas experiências são
tão desafiadoras para o intelecto quando aprender uma nova língua.
Ela provoca uma reação em cadeia no cérebro, que se
v6e convidado a criar novas combinações para decifrar e armazenar
palavras até então desconhecidas. São essas novas
conexões, geradas pelo desafio diante da novidade, que aumentam
a capacidade do intelecto de trocar informações consigo mesmo.
Numa pesquisa recente feita nos Estados Unidos, o neurocirurgião
George Ojemann, da Universidade de Washington, mediu com eletrodos reações
cerebrais em pessoas bilíngües. Primeiro, pediu que elas pensassem
determinadas palavras em diferentes idiomais sem pronunciá-las.
Depois, porpôs que repetissem a experiência lendo essas mesmas
palavras em silência e repetido-as em voz alta. Em cada etapa da
experiência, os neurônios ativados pelo cérebro eram
diferentes. A mesma palavra pensada, lida e repetida em voz alta em inglês
e espanhol, por exemplo, gera seis diferentes respostas no cérebro.
"O mesmo neurônio que é ativado quando se ouve uma palavra
não reage quando ela é pronunciada em voz alta", explicou
Ojemann. A conclusão é óbvia: uma pessoa alfabetizada
e poliglota, que consiga ler e falar em diferentes idiomas, tem uma capacidade
cerebral multiplicada várias vezes em relação a outra,
analfabeta, que mal consiga expressar-se verbalmente num único idioma.
Estudar, portanto, é a forma mais eficiente de alargar as fronteiras
da mente humana.
O avanço nos estudos sobre o cérebro já permite à
medicina grandes vitórias no tratamento de vários problemas
e doenças. Antigamente, acreditava-se que cada tipo de informação
ou função cerebral era concentrado em uma região particular
do cérebro. Hoje, sabe-se que cada célula pode desempenhar
múltiplas funções, embora haja alguma especialização.
Dados ligados à emoção são mais armazenados
no hemisfério direito do cérebro, enquanto os ligados à
razão e à linguagem ficam do lado esquerdo. Mas sua maleabilidade
permite a adaptação a situações imprevistas,
como uma lesão decorrente de um acidente. Um caso exemplar é
o do locutor Osmar Santos, que perdeu parte da massa encefálica
numa trombada de automóvel, em 1994. Hoje, graças a exercícios
específicos para recuperar a atividade cerebral, ele já se
comunica por gestos e até recobrou um vocabulário incipiente.
"O cérebro é adaptável e capaz de se reorganizar",
diz o neurocirurgião Jorge Pagura, atual secretário de Saúde
do Município de São Paulo, que participou do tratamento de
Osmar. "Quando parte dele sofre algum tipo de lesão, outras áreas
passam compensar a falha".
O maior salto científico, no entanto, está no terreno da
memória, a ferramenta mais essencial do cérebro. Antes também
se acreditava que a memória de longo prazo e a recente eram formadas
em lugares distintos do cérebro. Uma outra teoria sustentava que
a memória de longo prazo seria um resquício da memória
recente. Estudos realizados pela equipe do professor Ivan Izquierdo, no
Rio Grande so Sul, que estão sendo publicados numa série
de artigos na revista científica britânica Nature,
chegaram a uma conclusão diferente. Eles mostram que ambos os tipos
de memórias se formam nas mesmas células, mas de forma independente.
O cérebro cria uma memória que dura apenas seis horas, para
o caso de precisar da informação logo em seguida. E cria
outra que pode perdurar a vida inteira. São registros vivos, impressos
nas proteínas que formam o conteúdo das células. Eles
vão se modificando com o tempo. "O cérebro é essencialmente
dinâmico e funciona como uma biblioteca onde sempre cabem mais livros",
explica Cláudio Guimarães, do Instituto de Psiquiatria do
Hospital das Clínicas, em São Paulo. A memória é
capaz de descartar dados considerados irrelevantes ou resgatar dados praticamente
perdidos quando eles se tornam cruciais. "Quanto mais informações
são ali armazenadas, mais ágil o cérebro se torna
para localizar o estoque antigo", diz Guimarães. O melhor conselho
para quem quer turbinar o próprio cérebro, portanto, é:
use e abuse.