Notas didáticas sobre o modelo de insumo-produto
Fernando Maccari Lara
Estas
notas pretendem apresentar alguns conceitos básicos relativos à abordagem
clássica do excedente a partir do modelo contábil-analítico que estrutura as
matrizes de insumo produto. A despeito do domínio da abordagem
neoclássica/ortodoxa no campo acadêmico, ainda sobrevivem análises de cunho
clássico bastante úteis para a compreensão das condições e mudanças estruturais
relativas aos sistemas econômicos capitalistas. Tem havido também um
considerável esforço no âmbito da contabilidade social, para a construção de
matrizes de insumo-produto nacionais e regionais. Diante disso, parece útil
discutir algumas das conexões teóricas do modelo de insumo-produto, para assim
contribuir para o melhor aproveitamento do material empírico disponível.
Discute-se
dois tópicos: (a) demanda enquanto determinante da produção e do emprego
(modelo de Leontief aberto em termos de quantidades); (b) preços de produção e
a teoria do valor-trabalho (o modelo de preços de produção ).
Para
isso, começaremos desdobrando o modelo usual de insumo-produto, em termos de
valores monetários, em preços e quantidades.
Usualmente,
as estimativas e análises de insumo-produto são realizadas sob o ponto de vista
dos valores. Isso significa que a unidade básica de raciocínio do modelo são
valores monetários que representam agregados de mercadorias, isto é:
onde
P são preços e Q quantidades das N mercadorias envolvidas no modelo.
Neste
sentido, todos os valores monetários representados em uma matriz de
insumo-produto representam um produto entre preços e quantidades.
|
I |
II |
III |
DF |
VBP |
I |
A11 |
A12 |
A13 |
DF1 |
VBP1 |
II |
A21 |
A22 |
A23 |
DF2 |
VBP2 |
III |
A31 |
A32 |
A33 |
DF3 |
VBP3 |
VA |
VA1 |
VA2 |
VA3 |
PIB |
|
VBP |
VBP1 |
VBP2 |
VBP3 |
|
VBP |
O
quadro acima constitui o esquema contábil de um modelo do tipo Leontief aberto
com três setores. As colunas representam o valor bruto da produção de cada
setor desagregado em termos dos custos com insumos adquiridos dos outros
setores e o valor adicionado, enquanto as linhas apresentam o valor bruto da
produção decomposto em termos do destino, ou seja, enquanto parcelas da produção
destinadas à demanda intermediária dos diferentes setores e à demanda final. A
soma dos valores adicionados e a soma das demandas finais constituem o PIB.
De
acordo com a observação que fizemos acima sobre os valores, nada estaríamos
mudando no sentido desse esquema reescrevendo-o da seguinte forma.
|
I |
II |
III |
DF |
VBP |
I |
Q11P1 |
Q12P1 |
Q13P1 |
QDF1P1 |
Q1P1 |
II |
Q21P2 |
Q22P2 |
Q23P2 |
QDF2P2 |
Q2P2 |
III |
Q31P3 |
Q32P3 |
Q33P3 |
QDF3P3 |
Q3P3 |
VA |
VA1 |
VA2 |
VA3 |
PIB |
|
VBP |
Q1P1 |
Q2P2 |
Q3P3 |
|
VBP |
Em
termos das equações, a soma das linhas corresponde a:
Onde
Q1, Q2, Q3 representam as quantidades totais produzidas pelos três setores,
enquanto P1, P2, P3 representam os preços das mercadorias produzidas pelos três
setores. O produto do preço com a quantidade de cada setor corresponde ao seu
valor bruto da produção. Q1DF, Q2DF, Q3DF correspondem às demandas finais de
cada setor, em termos de quantidades. Multiplicadas pelos respectivos preços,
correspondem ao valor da demanda final de cada setor. Q11, Q21, Q31 são as
quantidades de insumos adquiridas pelo setor I, Q12, Q22, Q32 são as
quantidades de insumos adquiridas pelo setor II, Q13, Q23, Q33 são as quantidades
de insumos adquiridas pelo setor III. Da mesma forma, multiplicando essas
quantidades pelo respectivo preço, obtém-se o valor das transações
intermediárias.
Observe-se
a respeito disso que Q11P1+Q12P1+Q13P1 representa a parte do valor da produção
do setor I que foi utilizada como insumo na produção. Somando este agregado a
Q1DFP1 obtém-se o valor bruto da produção total deste setor. É fundamental
perceber porém que, desagregado dessa forma, as quatro parcelas referidas do
valor bruto da produção representam o valor referente a quantidades de uma
mesma mercadoria, qual seja aquela produzida pelo setor I.
Característica
muito diferente, por outro lado, possui o agregado Q11P1+Q21P2+Q31P3. Ele
representa o valor dos custos do setor I com a compra de insumos. Somado ao
valor adicionado pelo setor também totaliza o valor bruto da produção do setor
I. Diferentemente da desagregação citada acima, porém, o valor bruto da
produção aparece como composto de mercadorias heterogêneas, ou seja é uma soma
de valores que correspondem a quantidades de mercadorias produzidas por setores
diferentes.
Estas
considerações são fundamentais porque demonstram a diferença que existe quando
analisamos o quadro de insumo-produto desdobrado em preços e quantidades no sentido
das linhas e no sentido das colunas. No sentido das linhas os valores
referem-se a diferentes quantidades de uma mesma mercadoria, razão pela qual só
um preço aparece em cada linha.
O modelo de quantidades
Dividindo
cada linha pelo respectivo preço, temos:
Definindo
os coeficientes técnicos de insumo-produto como razão entre quantidades,
teríamos:
Esta
razão indica quantas unidades da mercadoria i são necessárias para produzir uma
unidade da mercadoria j. Isto permite representar o sistema como:
Cuja
solução, em forma matricial, seria
onde
é a matriz de Leontief associada à matriz A dos coeficientes
técnicos, Q é o vetor de quantidades totais produzidas pelos diferentes setores
e QDF é o vetor de quantidades destinadas à demanda final. Este resultado é
amplamente conhecido, porque exaustivamente utilizado no âmbito da programação
econômica, e por isso apresentado na maioria das publicações didáticas sobre o
tema. Dentre outras aplicações está a realização de estimativas de produção
setorial a partir de alterações no tamanho e na composição da demanda final,
para dadas condições técnicas de produção.
Outra
possibilidade interessante a partir dessa formulação é a realização de
estimativas de demanda de trabalho, quando associada a um vetor de coeficientes
técnicos de trabalho direto L.
onde
Nesses
termos. podemos definir a demanda total de trabalho como o produto entre o
vetor L e o vetor Q, associado a determinada demanda final QDF e a uma matriz
de coeficientes técnicos A.
Esta
é uma definição formal interessante para a determinação do nível de emprego pela
demanda efetiva. Dadas as condições técnicas de produção e o vetor de demanda
final, determina-se o tamanho e a composição da produção, bem como o nível de
emprego requerido.
Parece
clara, portanto, a utilidade do modelo de insumo-produto para análises em
termos de quantidades. Dada a estrutura de preços relativos, a demanda efetiva
e as condições técnicas de produção aparecem como determinantes das quantidades
produzidas e das quantidades de trabalho requeridas para tal produção.
O modelo de preços
Passemos
agora ao problema dos preços. Veremos que o modelo também é muito útil, porém
precisa ser observado do ponto de vista da desagregação no sentido das colunas,
ou seja, em termos dos custos com insumos e o valor adicionado. Em termos das
equações, teremos:
No
modelo de quantidades dividíamos cada linha pelo respectivo preço, visto que os
agregados eram compostos por quantidades diferentes da mesma mercadoria. Neste caso
isto não é possível, porque o valor bruto da produção de cada setor está
decomposto em valores relativos a quantidades de mercadorias diferentes.
Dividindo cada uma das equações do sistema acima pela quantidade total
produzida pelo setor correspondente obtemos:
Observe-se
que as razões entre parênteses correspondem à definição dos coeficientes
técnicos em termos das quantidades, que indicamos acima. Substituindo:
onde
S1, S2, S3 correspondem ao valor adicionado por unidade produzida. Supondo que
o valor adicionado unitário em cada setor seja proporcional ao seu custo
unitário de produção, teríamos:
Partindo
portanto, da desagregação pela ótica dos custos, chegamos a um sistema de
preços de produção, representado de forma matricial como
onde
P é o vetor de preços de produção, A| é a transposta da matriz dos coeficientes
técnicos e r é a taxa de lucro.
Conhecida
a matriz dos coeficientes técnicos, restam como incógnitas os preços e a taxa
de lucro. Como uma das mercadorias pode ser escolhida como numerário, restariam
três incógnitas: os preços das outras duas e a taxa de lucro. Como temos três
equações, o sistema fica determinado.
Sob
este ponto de vista, parece que a taxa de lucro do sistema e os preços
relativos dependem apenas das condições técnicas de produção. Porém para que
este raciocínio faça sentido, é preciso maiores considerações sobre o que estes
coeficientes técnicos precisariam estar incluindo.
O
leitor mais atento deve ter percebido que até agora não fizemos nenhum
comentário sobre os custos com salários. Se tomarmos como base nosso ponto de
partida, a contabilidade das matrizes de insumo-produto, na verdade o valor dos
salários pagos está incorporado ao valor adicionado.
Por
ora faz mais sentido, porém, considerar que por hipótese os coeficientes
técnicos estejam incluindo além das quantidades de cada mercadoria utilizadas
como insumo, também as quantidades necessárias para proporcionar aos
trabalhadores empregados o consumo de certa quantidade das mercadorias
produzidas pelos setores considerados. Em outras palavras, vamos supor que os
coeficientes técnicos incluem a cesta de subsistência dos trabalhadores.
Neste
caso, de fato, uma vez determinada a matriz dos coeficientes técnicos, estariam
determinados a taxa de lucro e os preços relativos. Neste caso, porém, a matriz
dos coeficientes técnicos não estaria refletindo características estritamente
técnicas do sistema econômico considerado. Estaria refletindo adicionalmente
características sociais e políticas do sistema econômico considerado, que são
fundamentalmente importantes quando mencionamos o conceito de subsistência.
Subsistência, excedente e preços
de produção
O
conceito de subsistência é absolutamente essencial no pensamento clássico. A
primeira consideração a ser feita sobre esse aspecto diz respeito ao duplo
caráter da expressão. O nível de subsistência inclui dois elementos: (a)
físico-biológico; (b) histórico-social.
De
qualquer modo, pode ser definido como um vetor de quantidades das mercadorias
produzidas pelo sistema, que incluam os dois elementos mencionados.
Voltando
ao modelo de quantidades, podemos agora analisá-lo sob outra ótica.
|
I |
II |
III |
Salários |
Excedente |
VBP |
I |
Q11 |
Q12 |
Q13 |
NV1 |
S1 |
Q1 |
II |
Q21 |
Q22 |
Q23 |
NV2 |
S2 |
Q2 |
III |
Q31 |
Q32 |
Q33 |
NV3 |
S3 |
Q3 |
Temos
na tabela uma nova coluna de demanda sobre a produção dos três setores: a
subsistência, decomposta em termos de N(V1;V2;V3), ou seja as unidades
consumidas das três mercadorias pelos N trabalhadores empregados. Somando as
quantidades relativas è subsistência com as quantidades das mercadorias
utilizadas como insumos (colunas I, II e III), temos o consumo necessário. A
diferença entre o produto social (Q1, Q2, Q3) e o consumo necessário é o
excedente.
Note
que nos termos da tabela a composição do excedente encontra-se definida em
termos puramente físicos, ou seja, S1, S2 e S3 são quantidades físicas das três
mercadorias produzidas que restam após a dedução do consumo necessário.
Observe-se
também que nesta nova versão em quantidades não apresentamos as linhas
relativas ao valor adicionado e ao valor bruto da produção. Isto ocorre pela
impossibilidade de somar os elementos dispostos nas colunas. Isto porque Q11,
Q21 e Q31, por exemplo, representam quantidades de mercadorias diferentes. Para
somá-los em termos de valor, é preciso conhecer seus preços.
Pois
bem, dada a matriz dos coeficientes técnicos e o salário real, há um conjunto
de preços relativos que garante a equalização da taxa de lucro entre os
setores. Observe-se que o fato da taxa de lucro ser a mesma em todos os setores
nada quer dizer sobre a composição do excedente em termos físicos.
Supondo,
por exemplo, que em termos físicos só haja excedente em um dos três setores,
isso não significa que os outros setores não terão lucro. Eles terão lucro
proporcional aos custos de produção, e esta proporção, em condições de
concorrência, tem de ser a mesma para todos os setores, sejam eles produtores
de excedente em termos físicos ou não.
A
partir dessas considerações, pode-se perceber que os preços de produção associados
a uma matriz de coeficientes e um nível de subsistência, e portanto a uma
determinada taxa de lucro, são exatamente os preços que garantem a uniformidade
desta taxa entre os diferentes setores, embora a proporção em que o excedente é
produzido em termos físicos possa ser, e certamente deverá ser, dependente de
outros aspectos.
Ao
longo do texto as propriedades analíticas associadas a estas considerações
ficarão mais claras. A este ponto parece útil mencionar que o modelo de preços
de produção só foi exposto de forma completa por Sraffa (1960). Antes de
Sraffa, o procedimento teórico para a determinação dos preços relativos sempre
esteve associado ao conceito de valor-trabalho.
Insumo-produto e
valor-trabalho
Multiplicando
o vetor de coeficientes técnicos de trabalho direto (L) pela matriz de
Leontief, obtém-se o vetor de trabalho verticalmente integrado, que representa
as unidades de trabalho direta e indiretamente incorporadas a cada unidade das
mercadorias consideradas. A razão entre os elementos desse vetor representa,
portanto as quantidades relativas de trabalho incorporadas nas mercadorias.