Escritos do Mago    IV

            Aqui relatarei algo para mim foi algo estranho.

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            Eu estava a caminho de Fromista.  Passei por  um povoado chamado Boadilla del Camino. Lá há coisas bonitas de se ver, como o templo de Santa Maria com sua antiquíssima pia batismal datada do século 15, e também um monumento da "disciplina medieval" , um monumento que os habitantes chamam de o Rollo Gótico, onde as pessoas eram punidas em praça pública, normalmente com chibatadas.  Por analogia, aquele Rollo Gótico era naquele lugar o que o Tronco era para os escravos no Brasil, ou algo como um pelourinho, enfim, um lugar para punições públicas.  Parece-me que os poderosos de todos os tempos e lugares tinham a necessidade de se impor pelo medo, e essas punições públicas tinham o objetivo de assustar os futuros infratores.
             Mas quando eu  estava na saída do lugar vi um menino que brincava com dois cachorros, um amarelo grande e um preto, pequeno. A cena quase passou despercebida e não pensei nela, até que mais adiante uma melancolia incrível tomou conta de mim. Isso nunca havia acontecido antes.  Simplesmente lembrei-me da cena e me veio à mente a lembrança de todos aqueles animais queridos que foram meus amigos quando eu era menino.
              Lembrei-me da minha caturrita, que só cantava quando eu chegava da escola para brincar com ela, do meu hamster que adorava amendoim, dos cachorros que tive.  Todos mortos a tanto tempo mas a lembrança de cada um deles ainda tão viva na minha mente.  Por que essa lembrança me vem agora tão intensa ?  Era algo tão estranho para mim, justamente porque nunca havia me acontecido antes. Eu lembrava da época de cada um deles, dos nomes, das situações, tudo vindo ao mesmo tempo.  Uma saudade incrível me invadiu.  Comecei a chorar de saudade deles, e de forma tão intensa que me apoiei no cajado, parei ali mesmo.
               Me ocorreu que, por alguma magia do Caminho, meu pensamento sintonizou com esses animais, que, onde quer que estivessem naquele momento, também devem ter pensado em mim e sentido a mesma  saudade. Afinal, eu acredito que os animais tem alma, talvez não como uma alma humana, mas uma contra-parte espiritual que lhes permite sobreviver no mundo espiritual e eventualmente se reencontrarão com seus antigos donos.  Enquanto esse encontro não se dá, há uma saudade de um que ficou na Terra e de outro que está no astral, e por um arranjo singular, como algo que talvez ocorra no Caminho, essas duas correntes de saudade mútua se permeiam.   Claro que isso é só uma teoria minha, e para mim é mais confortável pensar assim pois tenho realmente muita saudade deles. Não gosto de pensar nas teorias que dizem que quando o animal morre sua essência é absorvida por uma espécie de alma-grupo, onde então esse animal perde a sua identidade. Prefiro pensar que eles estão lá, e que alguém  cuida deles enquanto os donos não vêm.
               Não sei exatamente quanto tempo fiquei ali nesse estado. De repente um peregrino, um espanhol, passou por mim e me perguntou se estava tudo bem.  Eu disse a ele que estava com saudades de casa (o que não deixava de ser verdade), e ele disse que também estava, e que morava em um lugar ao Sul da Espanha chamado Baltar.  Me acompanhou até Fromista, depois nos separamos, como normalmente acontece com os peregrinos, que se encontram em alguns pontos mas logo se separam.  E ninguém diz  "temos de nos separar" .  Parece haver uma estranha cumplicidade que envolve a todos nós, que nos encontramos, caminhos juntos por alguns trechos, conversamos bastante mas que logo nos separamos por sabermos que é necessário seguirmos sozinhos.

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