Fédon – Platão

 

O argumento da alternância dos opostos (1º)

 

 

A origem do argumento é atribuída à crença na metempsicose (crença na imortalidade e reencarnação da Alma) partilhada por órficos e pitagóricos. Este pressuposto religioso é transferido, por Sócrates, do plano religioso para o plano racional, da argumentação filosófico.

O argumento pretende demonstrar que se a morte nasce da vida então a vida nasce da morte.

Tal argumento parte então de duas premissas com as quais os dois interlocutores, Cebes e Sócrates, estão de acordo:

· A primeira é que os contrários advêm sempre dos seus contrários: assim o belo advém do feio, o grande do pequeno, o mais rápido do mais lento, etc. Esta premissa permite estipular, como princípio geral do Universo, que as coisas contrárias vêm sempre dos seus contrários e que as coisas contrárias vêm sempre a partir dos seus contrários;

· A segunda é a de que este processo de devir tem necessariamente dois sentidos, de um contrário para outro e deste novamente para o primeiro, ou seja, todos os processos de devir comportam reciprocidade na geração de contrários. Logo, o devir é uma alternância cíclica de opostos. Por exemplo, ao aquecimento corresponde o arrefecimento, ao aumento a diminuição, etc...

Estabelecendo estas duas premissas o devir como uma alternância cíclica entre contrários, é forçoso verificar que também a morte nasce da vida e a vida nasce da morte, e a sucessão destes estados (vida - morte; morte - vida) exige, como sua condição, que as Almas persistam algures para voltarem a reencarnar, pois, se "estar morto" e "estar vivo" são contrários, também aqui existe devir. Assim, se é certo que o que vem do "estar vivo" é o "estar morto", é necessário que do "estar morto" venha o "estar vivo". Logo, e para complementar o processo de devir, conclui-se que morrer tem como seu oposto reviver, e vice-versa. Morrer é, portanto, passar do estado "estar vivo" para o "estar morto", assim como, reviver é passar do estado "estar morto" para o "estar vivo".

Existe, pois, um ciclo de nascimento, morte e renascimento. Mas, para que este ciclo exista, é necessário que, durante aquilo a que chamamos morte, a Alma esteja algures e, portanto, possuam, nesse período, uma existência separada, «donde precisamente voltam para renascer». A morte é um estado provisório, passageiro da existência da Alma - do morrer, renascer.

Ficou assim demonstrado que:

· a Alma existe para além da morte;

· há um ciclo presumivelmente eterno de renascimento da Alma;

· a Alma tem uma existência separada, existe para lá da morte do corpo, reintegrando-se na sua natureza própria (a imortalidade)

Sócrates complementa o argumento através de uma contraprova por redução ao absurdo que consiste em demonstrar uma tese provando que a tesa contrária conduz a consequências falsas e contraditórias. Supondo, então, que se aceita a 1ª premissa do argumento (que os contrários vêm sempre dos contrários), mas não a 2ª (precisamente a reciprocidade do devir), que sucedia? Evidentemente, o esgotamento e a estagnação final do próprio devir. Com efeito, se depois de dormir, os seres não acordassem, acabaríamos finalmente todos a dormir, isto é, dormir eternamente, e se ao morrer não se sucedesse o viver, a vida pereceria para sempre e era inevitável que todas as coisas acabassem nesse estado, pois à morte nada se seguiria. Então, é fundamental afirmar a reciprocidade do devir: a geração circular de opostos e a sua alternância permanente. Se só admitíssemos que os contrários vêm dos contrários e não admitíssemos a sua alternância, a reciprocidade do Devir, cairíamos no esgotamento do próprio Devir.

Sócrates conclui, por fim:

"O renascer, a geração dos vivos a partir dos mortos, a sobrevivência das Almas dos que morreram são realidades mais que evidentes". A Alma é indestrutível (pois renasce com uma nova vida) no seu ciclo de fim e recomeços sucessivos.

O argumento da reminiscência (2º)

Este argumento serve, tal como o primeiro (alternância dos opostos), de base à tese da imortalidade da Alma (a Alma tendo uma existência separada do corpo, sobrevive depois da morte do corpo e preexiste a este). Ele é introduzido por Cebes para complementar o argumento da alternância dos opostos, segundo o qual os opostos não coexistem, mas alternam-se, ou seja, depois da vida há a morte e depois da morte há a vida.

O argumento da reminiscência defende que a Alma antes de reencarnar pela primeira vez contemplou a Verdade e conhecimento absoluto e que quando tombou no cárcere que é o corpo esqueceu tudo, sendo o processo de aprender nada mais que recordar.

Quando Símias exige provas, Cebes apresenta-lhe aquela defendida no diálogo "Ménon", em que o escravo Ménon quando interrogado por Sócrates chegou a conclusões matemáticas sem nunca as ter aprendido, o que prova que quando se é bem orientado consegue-se recordar aquilo que a Alma contemplou. Sócrates completa este conceito formulado por Cebes com duas premissas:

· A reminiscência apenas existe quando houve um conhecimento anterior do objecto que agora se recorda (apenas possível se a Alma contemplou a Verdade e o conhecimento absoluto)

· O mundo sensível e as sensações são condições para que exista reminiscência, já que este é um processo de associação entre um objecto e outro, que funciona da seguinte maneira: quando percepcionamos de modo sensível um determinado objecto associamo-lo a outro, seja por diferença ou semelhança, e isso transportado para o plano da Razão é a reminiscência.

É preciso dizer, no entanto, que em relação a esta segunda premissa, as sensações, embora nos façam recordar as Ideias que a Alma contemplou, nada mais são que meras cópias delas (Ideias). Sócrates dá o exemplo da Ideia de Igualdade. Quando contemplamos duas pedras que nos parecem iguais e que afirmamos que o são, estas podem não sê-lo aos olhos de outras pessoas. No entanto, a ideia de igual existe. Donde vem? Dos sentidos? Não, porque não existe consenso sensível sobre ela. Logo, a Ideia de Igual apenas existe em nós porque a nossa Alma já a contemplou em tempos. Assim sendo, a Alma realmente existiu antes de tombar no corpo, contemplou a Verdade, quando caiu no corpo esqueceu tudo e aprender é realmente recordar.

No entanto, Sócrates diz ainda que a reminiscência apenas está acessível àqueles que conseguem estabelecer a diferença entre a cópia (mundo sensível) e o original (mundo inteligível), ou seja, àqueles que quando vêem um objecto e o associam a outro, se apercebem que essa sensação é defeituosa, em relação ao modelo originário (objecto associado a essa sensação). Isto só é obviamente percebido por aqueles que reflectem sobre as sensações - os Filósofos. Note-se que também só é alvo de reminiscência aquele que deseja aprender e que procura a Verdade através da Razão. Sócrates acrescenta, ainda, que, embora seja através da realidade sensível que temos consciência da Ideia de Igual e de todas as outras, esta não representa qualquer papel no momento em que nós adquirimos as Ideias, já que, primeiro, só temos consciência delas através da Razão, e segundo, a realidade sensível nada mais é que um mera cópia do mundo inteligível (este último o modelo e o sensível a cópia).

O filósofo parte, a partir destas premissas, para a conclusão de que:

1. se quando nascemos temos apenas contacto com o conhecimento sensível, as Ideias de Igual, Belo,..., só poderão existir em nós, como existem, se tomámos conhecimento delas, através da Alma, antes desta tombar no corpo, logo a Alma preexiste ao corpo;

2. só podemos tomar consciência desse conhecimento inteligível se utilizarmos única e exclusivamente a Razão, já que através dos sentidos todos nós temos percepções diferentes daquilo que é igual ou não, belo ou feio, justo ou injusto, etc...;

3. o mundo inteligível só existe para ser conhecido pela Alma, tal como esta só existe para contemplar o mundo inteligível, já que temos consciência de Ideias como Igual, Belo, Justo, que a nossa Alma contemplou antes de tombar no corpo, e estas só existem porque têm uma correspondência sensível através da qual e por meio da Razão a nossa Alma se apercebe delas.

O argumento da semelhança entre a Alma e as Ideias (3º)

Este argumento surge no seguimento do 2º (Reminiscência) e visa provar que a Alma não só preexiste ao corpo (tese que Sócrates conseguiu fazer vingar com o 2º argumento) mas também sobrevive a este depois da sua morte, já que os seus interlocutores, Símias e Cebes, levantaram dúvidas quanto a esta questão, afirmando que a Alma dissipar-se-ia, provavelmente, depois da morte do corpo.

Sócrates começa por perguntar quais são as coisas passíveis de se dissiparem, e quais aquelas em que nós tememos que isso aconteça, sempre, obviamente, com o objectivo de provar que a Alma não se dissipa. O Filósofo prossegue depois a dividir os seres em duas classes:

· os compostos, que tem mais probabilidade em dissiparem-se nas substâncias que os compõem, e que são mutáveis;

· os simples, que sendo compostos por apenas um elemento, são menos susceptíveis de se dissolverem, já que estão reduzidos à sua natureza mais simples, estando «isentos de sofrer tal processo» (78c), e que são imutáveis, portanto;

Sócrates tendo conseguido a concordância dos seus pares neste assunto, avança para classificar "a realidade em si", ou seja, o mundo das Formas/Ideias, chegando à conclusão que este é imutável e "idêntico a si mesmo", já que, como se provou no 2º argumento, as Ideias de Igual, Belo,..., são universais (no plano racional, não no sensível). Ora, se o mundo das Ideias é imutável, a sua natureza é simples, donde podemos deduzir que:

· os seres simples, não só são imutáveis, impassíveis de se decomporem, mas também são invisíveis, já que as Ideias não se vêem, recordam-se, e também perfeitos, porque as Ideias o são e estas são seres simples (não se decompõem e são invisíveis).

Provado também este ponto, Sócrates prossegue para concluir que tudo aquilo que é sensível é imperfeito, logo composto, já que é passível de mudança e de transformação.

É preciso agora reflectir sobre «duas coisas distintas a considerar: por um lado o corpo, por outro a Alma» (79b). Tendo estabelecido a natureza e as características dos seres simples e compostos, Sócrates pergunta a Cebes, com qual dos dois a Alma e o corpo se assemelham mais, se com o composto, logo visível, ou com o simples, logo invisível. Cebes responde que, "segundo a lógica do argumento", a Alma «apresenta maior similitude com a espécie invisível e o corpo com a visível» (79c). Sócrates tem agora de apresentar provas de que realmente assim é, mas antes de o fazer o Filósofo faz a seguinte consideração:

· quando a Alma se associa ao corpo e toma o conhecimento sensível como certo e absoluto, esta degrada-se na sua essência, tornando-se instável e perturbada («tal é a natureza das coisas a que se apega» - 79c) e quando, pelo contrário, a Alma utiliza apenas a Razão, purifica-se e liga-se ao inteligível;

Este "retrocesso" na argumentação vai servir de base à ultima das seguintes conclusões a que Sócrates chegou:

1. a Alma tem por função comandar o corpo e este a função de lhe obedecer. Se assim é, a Alma tem, pois, uma intervenção divina sobre o corpo, donde se deduz que é imortal, já que só aquilo que é divino é imortal;

2. se é a Alma que conhece as Ideias, através da Razão, então esta tem de ser, na essência, igual a elas - imortal -, já que "o semelhante só pelo semelhante pode ser conhecido";

3. embora a Alma seja imortal, esta irá ser, depois da morte do corpo, retribuída ou compensada segundo a "vida" que levou na Terra, por exemplo:

· a Alma daquele que apenas se preocupou com o prazer sensível, será castigada, passando a sua Alma a errar pelo Hades até pagar pelos males que cometeu em vida e reencarnar noutro corpo;

· a Alma daquele que se alheou do corpo e apenas se preocupou com a busca da Verdade através da Razão, será recompensado, indo a sua Alma ao encontro de Deuses e heróis, que o irão ajudar na sua busca pela Verdade, ficando a sua Alma na sua companhia eterna;

Sócrates conclui este argumento com referências à Via da Purificação - alheamento do corpo e concentração na Alma - e ao verdadeiro papel da Filosofia - procurar a Verdade, através da Razão. O Filósofo não se esquece também de relembrar que o verdadeiro Filósofo não teme a morte, já que o verdadeiro Filósofo segue a via da Purificação e concentra-se na Filosofia, não tendo por isso razões para temer o que se segue à morte do corpo (neste caso a sua reunião com Deuses e heróis).

As objecções de Símias e de Cebes e a resposta de Sócrates a Símias

As objecções de Símias e Cebes surgem na sequência da apresentação do 3º argumento (congenialidade entre a Alma e as Ideias) por Sócrates. Os dois ouvintes de Sócrates não parecem ter dúvidas quanto à preexistência da Alma em relação ao corpo (Sócrates provou-o com o argumento da reminiscência), mas não ficaram convencidos quanto à sua imortalidade e imperecibilidade.

O primeiro a apresentar as suas dúvidas foi Símias. Este formula a tese da Alma-Harmonia, que tem por base o seguinte princípio:

- a Alma assemelha-se à harmonia produzida por uma lira, sendo esta última o corpo, já que a harmonia é um elemento incorpóreo e invisível, tal como a Alma, e a lira é o elemento corpóreo e visível, tal como o corpo.

Com base nesta analogia Símias vai justificar os seguintes pontos:

- sendo o corpo «uma tensão e coesão de elementos - o quente e o frio, o seco e o húmido» (86c), a Alma é, no fundo, uma mistura de todos esses elementos, daí que ela seja uma espécie de harmonia;

- sendo a harmonia dependente da lira, no sentido em que esta não pode existir se a outra não existir, quando a lira desaparece, é impossível que a harmonia permaneça, logo a Alma não pode existir depois da morte do corpo;

- a Alma morre mesmo antes do corpo, já que para o composto (o corpo) desaparecer é necessário que a harmonia desapareça (se assim não fosse o corpo nunca morreria, porque manteria sempre o seu equilíbrio)

Sócrates não responde de imediato a Símias, embora reconheça que a sua questão é «sem dúvida pertinente» (86d). O Filósofo prefere ouvir primeiro as dúvidas de Cebes.

Este outro ouvinte de Sócrates começa por se distanciar de Símias, dizendo que não acredita que a Alma seja inferior ao corpo e que esta se dissipa assim que este morre, mas tem grandes dúvidas em relação à sua imortalidade e imperecibilidade.

Também Cebes necessita «de uma espécie de comparação» (87b), para melhor justificar as suas dúvidas. Por isso irá recorrer à seguinte analogia:

- a Alma assemelha-se a um tecelão que ao longo da sua vida utiliza vários mantos, sendo estes o corpo, mas que acaba por morrer.

Partindo, portanto, deste princípio Cebes vai chegar às seguintes conclusões:

- a Alma é superior ao corpo, porque tem a possibilidade de reencarnar em vários corpos, mas este processo vai degradá-la e eventualmente aniquilá-la (tal como no caso no tecelão que usa vários mantos, mas que acaba por morrer);

- quando a Alma reencarna num corpo e morre por já estar muito desgastada, o corpo também não resiste porque a Alma funciona como a energia do corpo;

- todos devemos ter medo da morte, pois nunca poderemos saber quando é que a nossa Alma se extinguirá permanentemente;

Note-se que tanto Símias e Cebes concordam com Sócrates quando este afirma que a Alma tem uma Natureza diferente e separada da do corpo, mas enquanto que Sócrates vê o corpo como o cárcere da Alma, Símias e Cebes vêem a Alma como a energia do corpo.

Depois de apresentadas as objecções de Símias e Cebes, Sócrates prossegue com algumas considerações sobre a mesologia e a misantropia, e só então começa a responder a Símias e Cebes.

Para responder a Símias, Sócrates vai utilizar o método hipotético-dedutivo, ou seja, vai partir de uma hipótese aceite por todos (neste caso a da reminiscência) e com base nela vai deduzir uma série de conclusões. Se as conclusões forem lógicas e racionais, então a hipótese é valida, senão a hipótese é falsa.

Sócrates começa então por verificar que tanto Símias e Cebes concordam e aceitam o argumento da reminiscência, logo quanto à preexistência da Alma sobre o corpo todos estão de acordo.

A partir daqui Sócrates vai destruir por completo a Teoria Alma-Harmonia de Símias, afirmando que:

1. a Teoria da Reminiscência é incompatível com a Teoria Alma-Harmonia, porque não é possível aceitar que «sendo a harmonia algo de compósito, possa algum dia ter existido antes desses mesmos elementos que a deverão constituir»;

Embora Símias reconheça, agora, que estava errado, Sócrates prossegue com a destruição da sua teoria:

2. se a Alma é Harmonia e é composta pelos elementos do corpo, esta vai ser diferente conforme os elementos que compõem o corpo. Mas será aceitável admitir que há mais ou menos harmonia dependendo da combinação dos elementos? Não, ou há ou não há harmonia - não existe um meio termo;

3. se a Alma é Harmonia, não é possível que hajam Almas más, porque Harmonia depreende virtude e vício desarmonia, e não é possível que as duas coexistam - ou existe harmonia ou desarmonia. O facto é que existem Almas más;

4. segundo a Teoria Alma-Harmonia a Alma é inferior ao corpo, já que esta é constituída pelos seus elementos, logo é seu "dever" segui-los, mas não é verdade que apenas a Alma consegue controlar o corpo? Ou seja, sendo o corpo dependente do mundo sensível não é apenas a Alma que o consegue controlar e abster desse mundo? Sim. Logo, ao contrário do que defende a teoria de Símias é a Alma que controla o corpo - até Homero defende que só a Alma consegue controlar o corpo (segundo Sócrates o Poeta concebe-a «como coisa bem mais divina do que uma harmonia» - 94e)

É, pois, desta forma que Sócrates destrói por completo a teoria da Símias.

A teoria da participação e o argumento dos contrários em si (4º)

Este argumento é referido por Sócrates, porque, mais uma vez, Símias e Cebes têm dúvidas não quanto à preexistência da Alma em relação ao corpo, mas sim em relação à sua imortalidade. Para isso Sócrates vai formular o argumento dos contrários em si, mas antes vai referir aquilo que para ele são as Verdadeiras Causas - teoria da participação - para a partir daqui explicar o argumento.

A Teoria da Participação surge em Sócrates depois deste se ter desiludido com a Filosofia da Anaxágoras (que defendia causas mecânicas e físicas para a origem das coisas). Esta teoria vai assentar no seguinte princípio:

- a origem das coisas é as Ideias, ou seja, estas são o modelo, a causa, e as coisas são a cópia, a criação;

Mais uma vez Sócrates vai utilizar o método hipotético-dedutivo e a partir do princípio enunciado vai retirar conclusões (se estas forem válidas a hipótese também o é, senão a hipótese é falsa).

O Filósofo começa então a "desfiar" o rol de conclusões lógicas a que se pode chegar através do pressuposto da existência de um mundo inteligível e, logo, da teoria da participação:

1. as coisas só são porque participam de determinada(s) Ideia(s), por exemplo, algo só é Belo se participar da Ideia de Belo (participação = origem/causalidade) à subordinação ontológica das coisas às Ideias;

2. as coisas sensíveis são uma mera cópia do mundo inteligível e das Ideias de que participam (participação = presença);

3. as coisas só são definidas de determinada maneira porque participam de determinada Ideia (participação = inteligibilidade);

Os dois interlocutores de Sócrates, Símias e Cebes, aceitaram estes pressupostos, já que, acreditando na Teoria da Reminiscência (todo o aprender é recordar aquilo que a Alma contemplou antes de encarnar no corpo), todas estas conclusões são logicamente válidas. No entanto, Sócrates reafirma mais uma vez, que só os verdadeiros Filósofos (aqueles que se alheiam do mundo sensível, para se dedicarem única e exclusivamente à Alma) podem alcançar todas estas noções, nomeadamente a de que o mundo sensível é uma mera cópia imperfeita do mundo inteligível.

Partindo desta Teoria, Sócrates vai então partir para a explicação do 4º argumento (dos contrários em si), com o qual espera elucidar todos sobre a Imortalidade da Alma.

Antes de explicar o argumento dos contrários em si, convém explicar quais são os outros contrários em que Sócrates acredita. São eles:

- Contrários em nós, que reflectem o grau de participação que se tem em relação às Ideias;

- Contrários das coisas:

- Por essência (contrários indirectos, ou seja, aqueles cuja Ideia eponímia - que lhe dá o nome - participa de uma outra Ideia por associação, que confere a essência a esse contrário, excluindo, portanto, um outro contrário oposto à sua essência);

- Por acidente (aqueles que tanto podem participar de uma Ideia ou de outra - conforme a comparação que se estabelece com outro sujeito)

Estes últimos contrários aqui enunciados (das coisas) estão directamente relacionados com a diferenciação que Sócrates faz entre as qualidades das coisas. Assim, o Filósofo defende que cada coisa tem dois tipos de características:

- Necessárias (aquelas que definem o sujeito e lhe são próprias);

- Acidentais (que só existem quando se compara um sujeito com outro);

Explicados estes tipos de contrários, era necessário aprofundar os contrários em si, ou seja, qual a relação dos opostos na realidade inteligível. Sócrates vai enunciar algumas características destes contrários:

- Excluem-se uns aos outros (a Ideia de quente não pode participar de uma coisa, ao mesmo tempo, que a Ideia de frio);

- São sempre essenciais (pertencem sempre à natureza do sujeito);

Antes de Sócrates poder explicar a relação desta teoria com a Alma, um anónimo intervém argumentando contra a teoria de Sócrates dizendo que esta contradiz o argumento da alternância dos opostos, que defendia que um oposto gerava outro, enquanto que esta nova teoria defende que os opostos nunca se alteram nem transformam, muito menos coexistem. Sócrates responde afirmando que «então dizíamos, com efeito, que uma coisa [mundo sensível] tem origem na que lhe é oposta; agora, que o oposto em si mesmo [realidade inteligível] jamais poderá tornar-se no seu oposto, tanto o que existe em nós como o que existe na Natureza» (103c), ou seja, o 1º argumento era em relação às coisas sensíveis e este último em relação ao mundo inteligível - mesmo que no mundo sensível um oposto gere outro (ao dormir segue-se o acordar e vice-versa), no mundo inteligível essas Ideias não coexistem, alternam-se (ora se participa da Ideia de dormir, ora se participa da Ideia de acordar).

Esclarecida a dúvida Sócrates prossegue então com a explicação da sua teoria, e para isso vai enunciar duas premissas, que têm como base a crença dos gregos de que a Alma é a fonte da vida do corpo:

1. se o que torna o corpo vivo é a Alma, esta tem como essência a Vida;

2. se a essência da Alma é dar vida esta opõe-se indirectamente à Ideia de morte (Morte à contrário indirecto de Alma);

3. se o contrário indirecto da Alma é a morte, esta não a pode admitir como fazendo parte da sua natureza, logo a Alma é imortal;

Estando esclarecido o ponto de que a Alma é imortal, Sócrates prossegue para responder a Cebes, que havia dito que acreditava que a Alma era imortal por vezes, mas que era perecível. O Filósofo responde-lhe agora dizendo que este seu ponto de vista não é lógico por dois motivos:

1. não se pode ser imortal por vezes - ou se é ou não se é;

2. tudo aquilo que é imortal é necessariamente imperecível;

Termina assim a prova de que os interlocutores de Sócrates precisavam para crerem na imortalidade e imperecibilidade da Alma.

 

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