Minha surpresa foi enorme ao descobrir que o mesmo Crowley que havia influenciado Jimmy Page, o guitarrista do Led Zeppelin, dava nome aquele belíssimo Tarô que um amigo havia me mostrado e cujas lâminas não saiam de minha cabeça há semanas. A surpresa não foi menor quando obtive um acesso à Internet, dificílimo em Porto Alegre na época (janeiro de 1994), e tive um contato inimaginável com vastíssima obra de Aleister Crowley, quase toda disponível na rede. Nessa altura eu já me considerava um Thelemita (acho que sempre somos, sem saber) e pretensiosamente decidi traduzir o Livro da Lei, o livro mais sagrado da litania Crowleyana. Na metade da tradução conheci pela rede uma pessoa peculiar, não só ela estava em Porto Alegre, como eu, como também se detinha a sugar os megabytes de textos sobre ocultismo disponíveis na Internet. Não bastasse isso, a criatura era tão pretensiosa quanto eu e, o mais importante, havia estudado com um aluno de Marcelo Motta. Essa pessoa era Daniel Pellizzari. Eu sabia que o único livro relacionado a Crowley em biblioteca pública no Rio Grande do Sul era um tal de "O Equinócio no Brasil", traduzido (e com co-autoria) do tal Marcelo Motta. O livro foi roubado, ou seja, eu não sabia que se tratava do Livro da Lei com alguns textos adicionais e, a essa altura, desconhecedor de Marcelo Motta, eu imaginava que não houvesse nenhum livro de Crowley em português. A culpa disso, é, parcialmente, o meu desprezo por esse esoterismo auto-ajuda que nos infesta. Eu não conhecia a revista "Planeta", Paulo Coelho era coisa de menininhas pubescentes, e eu nunca tinha ouvido uma letra de Raul Seixas com atenção. (Algum tempo depois, numa ida para praia, no carro de um amigo, "O Alquimista" caiu em minhas mãos, li, achei bobinho e mal escrito, mas com o apelo de ser de fácil leitura e, confesso, emocionante. Li "Diário de um Mago", "As Valkírias" e "Brida" no mesmo dia, o trecho do "Valkírias" que fala da "Besta" rendeu umas boas gargalhadas.) Daniel me apresentou a tradução de Marcelo Motta, e a princípio fiquei bastante decepcionado com meu trabalho perdido, mas depois de perceber alguns trechos esquisitos e mesmo alguns erros naquela tradução, resolvi continuar o trabalho, agora com a ajuda da versão de Motta, de uma tradução em espanhol e do vasto conhecimento de Pellizzari em Thelema e línguas. Na rede descobri que Motta, que morreu em 1992, havia sido processado pela O.T.O. (existem várias O.T.O.s que clamam a legitimidade do uso desse nome, a que me refiro é a que detém os direitos sobre a obra de Crowley) por utilizar material sem concessão e com trechos adulterados (o registro está disponível na rede). Motta é acusado de ter sido um indivíduo difícil, autoritário e intratável, mas não podemos negar sua grande participação na divulgação da doutrina de Thelema tanto aqui quanto nos EUA, e afinal o próprio Crowley é acusado exatamente das mesmas coisas.
Nossa tradução é melhor que a de Motta em muitos aspectos, embora não a tenhamos considerado completa ainda (o terceiro capítulo ainda tem muitos erros, o Daniel meses atrás ficou de dar uma olhada, como fez com o primeiro capítulo e um trecho do segundo, mas ainda não teve "tempo".) Em alguns casos seguimos o comentário de Crowley no que diz respeito ao significado de algumas palavras e frases, como "Do what thou wilt shall be the whole of the law" que traduzimos "Faz o que queres há de ser o todo da lei", sem o "tu" da tradução de Motta, para manter o mesmo número de palavras. (11, Abrahadabra, o número de Magick, e o Bastão Duplo.) Em outros casos preferimos facilitar a leitura. Motta traduziu, por exemplo "To me, to me!" como "Para me! Para me!", para manter o micron-epsilon de significado mágico, mas que acaba estragando uma leitura que seria emocionante com um ocultismo estéril, o que pensamos não acontecer com "Faze o que queres" (aliás citado no livro como a "palavra quadripartida de Ra-Hoor-Khuit", o "tu" elimina essa identificação e pode perfeitamente ficar subentendido sem perda alguma). Autor: Eduardo Pinheiro
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