Aleister
Crowley foi sem sombra de dúvida o maior mago
do século XX. Suas explorações no campo das drogas
e do sexo são enfatizadas em demasia por quase todas as pessoas
que se põe a falar sobre ele. Essa sua faceta poderia ser explicada
(talvez até possa ser justificada) como uma fuga genial da pútrida
sociedade ultrapuritana em que foi criado.
O protestantismo vitoriano foi uma das manifestações
mais repressoras de que já se teve notícia e Crowley, juntamente
com alguns artistas de vanguarda de sua época teve a ousadia de
se colocar contra todo esse sistema de valores e criar um sistema próprio,
que por pior que fosse era melhor do que o sistema estabelecido.
A mente de Crowley, um misto de Nietzsche e Rabelais,
com uma estética egípcia e um negro senso de humor, era,
de certa forma, inescrutável. Apesar de freudianamente seus complexos
serem óbvios, lendo Crowley nunca se tem certeza do que ele realmente
quis dizer. Ele brincava com o leitor, geralmente o superestimando (principalmente
nos primeiros livros, cheios de referências obscuras imprecindíveis
para a compreenção da obra). Apesar disto escreveu excelentes
poesia e prosa, mas que de forma alguma superaram o interesse do mundo
na história de sua vida, atribulada, trágica e cheia de
aventuras como foi, por si só uma obra de arte.
Crowley nasceu em 1875, filho de um pastor de uma
seita fundamentalista protestante, que também era dono de uma fábrica
de cerveja. Seu pai morreu cedo, deixando boas lembranças no menino,
mas sua mãe, segundo ele, era uma "estúpida criatura", e
as brigas da adolescência logo fizeram com que sua mãe o chamasse de "Besta",
apelido que adotou posteriormente e que lhe trouxe boa parte da fama.
Na escola se mostrou brilhante e obediente, até
que foi culpado injustamente de um pequeno delito e foi posto de castigo,
a pão e água, o que piorou sua já fraca saúde (tempos depois lhe receitariam
heroína para a asma, substância que usou até os 72 anos de idade, quando
morreu de parada cardíaca). Crowley nunca esqueceu desse tratamento, e
desde menino começou a achar que havia algo de errado com o "senso comum"
da época. Decidiu ser um homem santo, e cometer o maior pecado,
como em uma lenda dos Plymouth Brothers (culto de seu pai) que afirmava
que o maior santo cometeria o maior pecado.
Na Universidade Crowley finalmente se encontrou.
Com muito dinheiro (da herança de seu pai) e livre da repressão
da família, exerceu todas as atividades pelas quais ficou conhecido:
alpinismo, poesia, enxadrismo, sexo e magia, e, dizem, foi excepcional
em cada uma delas. Crowley travou contato com a Golden Dawn, uma ordem
pseudo-maçonica de prática ritualística e iniciatória que esteve
em seu auge no fim do século passado, quando Crowley a frequentou.
Subiu rapidamente pelos graus da ordem, mas foi barrado por um grupo de
pessoas que chegaram a afirmar que a "ordem não era um reformatório".
Crowley era desconsiderado pelos intelectuais e desprezado pela burguesia,
fato que o pode ter levado a suas inúmeras viagens e expedições
de alpinismo.
Crowley pode parecer extremamente arrogante e narcisista
em seus escritos, mas isso não parece ser verdade, se examinamos
sua vida a fundo. Ele sempre buscou o reconhecimento e aprovação
das pessoas, e quando notou que isso não era possível, mantendo
sua crítica atroz aos absurdos do puritanismo inglês, ele
resoleu aparecer fazendo escândalos, reais ou falsificados, ao estilo
do esteriótipo "falem mal, mas falem". Mesmo assim em sua autobiografia
("Confessions of Aleister Crowley") ele se mostrou extremamente magoado
quando a imprensa marrom inglesa (conhecidíssima até hoje
e abominada pela família real inglesa) inventava alguma coisa absurda
e terrível ao seu respeito, como em uma ocasião em que o
acusaram de comer carne humana na expedição ao monte K2.
A Golden Dawn recusou iniciação a
Crowley, mas seu chefe, McGreggor Mathers não. Talvez interessado
no dinheiro do jovem Aleister Crowley ele o iniciou, e logo se tornou
um mestre para Crowley.
Seus trabalhos mágicos e estudos místicos
o levaram as mais diversas partes do mundo, experimentando com todas as
formas de catarse e intoxicaçõo, que considerava como bases
da religião. Mas pouco a pouco se distanciava de Mathers, que a
essa altura já havia se proclamado em contato direto com os "mestres"
que regem a terra, e com isso seu autoritarismo se tornou insuportável.
Crowley foi o único a defendê-lo até o final, quando
percebeu que tudo não passava de uma farsa.
A crença de que existe um grupo de iniciados
secretos que carregam o conhecimento humano e são os verdadeiros
"chefes" da terra é compartilhada no sentido estritamente literal
por muitas pessoas e seitas. Crowley aceitou essa idéia de uma
forma ou de outra até o fim da vida, mas empregou diversas interpretações
para estas entidades, algumas baseadas na psicologia (recém estabelecida
como uma ciência por Freud, na mesma época).
Mas, desiludido com a Golden Dawn, passou alguns
meses afastado da magia, e pouco a pouco se reaproximou, trabalhando sozinho.
Então numa viagem ao Cairo em 1904, recém
casado, sua esposa começou a falar algumas coisas estranhas das
quais ela não poderia ter conhecimento. Ela o mandou invocar o
deus Hórus.
Dessa invocação surgiu um texto
pequeno, de três capítulos, intenso e esquisito, ditado por
um dos "ministros" da forma de Hórus conhecida por "Hoor-Paar-Kraat",
Harpócrates, Hórus, a criança. Aiwass era o nome
dessa entidade, depois reconhecida como o Sagrado Anjo Guardião
do próprio Crowley. Com isso três coisas estão subentendidas:
Aiwass era um dos "mestres" que regiam o presente Éon,
dedicado ao Deus Hórus, seu mentor; era também uma entidade
não totalmente separada de Crowley, embora devesse ser tratado
como tal, alguns poderiam dizer que ele era o self junguiano de Crowley
(mesmo ele reconheceu isso), outros, maldosamente, que era sua Sombra
(termo que em psicologia junguiana designa a parte de nós que reprimimos
e que contém aquilo que temos medo de admitir); Crowley demorou
cerca de 5 anos para acatar o que o texto dizia. Uma das profecias previa
a morte de seu filho, que acabou por morrer mesmo, de doença desconhecida.
Quando finalmente aceitou o Livro da Lei estava
em contato com um corpo germânico de iniciados, que em outro livro
dele ("The Book of Lies") encontraram um segredo de magia sexual que pensavam
ter o monopólio no ocidente. Nem Crowley havia entedido o que tinha
escrito, mas aceitou mesmo assim um alta posição hierárquica
na Ordem. Era a Ordo Templi Orientis, que até hoje detém
os direitos sobre os textos de Crowley posteriores a 1910.
A O.T.O. existe até hoje (ou melhor existem,
visto que houveram cisões e brigas e etc, que somando com os charlatães,
devem somar mais de 30 O.T.Os., por alto. A maioria clama legitimidade.)
Crowley perdeu muito dinheiro publicando seus próprios
livros e os vendendo a preço de banana. E a incompetência
de um tesoureiro da O.T.O., que perdeu um galpão cheio de livros
num lance mal entendido até hoje, acabou causando sua bancarrota
final.
Além da O.T.O. que tinha bases massônicas,
Crowley criou um corpo próprio, designado como A.:.A.:.., esse
corpo, muito mais velado, deveria servir como que "escola de treinamento"
para os possíveis "mestres" da humanidade.
Crowley sobreviveu de doações e venda
de livros até o fim da vida. E morreu em relativa miséria,
ainda viciado em heroína, pouco tempo depois de terminar seu último
trabalho, um livro sobre o Tarô que Lady Frieda Harris havia pintado
com suas indicações. Um baralho magnífico.
Bibliografia:
"Confessions of Aleister Crowley", A. Crowley, Penguin
"The Eye in the Triangle", Israel Regardie, New
Falcon Publications
"The Legacy of the Beast", Gerald Suster, Weiser
O melhor é "The Eye in the Triangle". Em
português não se deve deixar de ler o verbete "Aleister
Crowley", na "Enciclopéldia do Sobrenatural", da LPM.
Autor: Eduardo Pinheiro
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