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DESDE OS TEMPOS mais remotos, muitos gregos quiseram afirmar sua conexão com famílias do passado heróico. No século III a.C. sábios de Alexandria - que era então centro da cultura grega no Egito - ajustaram a mitologia grega a uma estrutura sistemática de genealogias. Com efeito, todos os mitos importantes se agruparam em ciclos em torno de certos lugares, quase todos centros da civilização micênica do segundo milênio a.C. Tais ciclos formavam o tema de poemas épicos, dos quais sobreviveram apenas a Ilíada e a Odisséia. Dessarte, a história mitológica de Tebas foi recuada quase até o dilúvio e a saga de Héracles, herói-salvador dos dórios, está ligada a ela. Mas Héracles também é um herói argivo, descendente do grande rei argivo Perseu, que matou a Medusa. A mitologia argiva, mais antiga do que Perseu, remonta igualmente quase ao dilúvio, com Io e seus descendentes. A mitologia da Tessália, no norte da Grécia, recua outro tanto, porém com menor número de gerações. Um descendente de Éolo, que matou a Quimera, e outro, Jasão, dirigiu a busca ao Velocino de Ouro; a maioria dos Argonautas que seguiram Jasão também saiu à caça do javali de Cálidon. A carreira de Teseu, o grande herói ateniense, foi, em parte, calcada na de Héracles, e o mito ateniense tem ligações com o de Creta. Na prática grega,, o poder passava de pai para filho, mas as coisas são diferentes nos mitos. Muitas vezes o rei não tem filho, ou o filho está exilado, e ele receia ser suplantado pelo genro ou pelo neto. Todas as medidas que toma para evitar este destino frustam-se. O filho exilado representa o papel de Suplantador em outro reino, derrubando o rei com o auxílio da própria filha do soberano. Esse padrão, que se repete, talvez explique em função de uma sociedade em que os reis só reinavam durante certo período e em virtude do seu casamento como a rainha. A mitologia de Argos e de Tebas ignora quase em sua totalidade a história tessália do dilúvio. As duas regiões foram fundadas por imigrantes. Dânao, que se tornou senhor de Argos, procedia do Egito. Deram-lhe, contudo, uma antepassada grega, Io, a sacerdotisa da argiva Hera, da qual também descendia Cadmo, o fundador fenício de Tebas. Tais histórias refletem possivelmente a influência estrangeira através dos cretenses, que mantiveram contato com os egípcios antes do ano 1400 a.C. mas o mito de Io, transmudada em vaca por amor de Zeus, parece refletir o culto de Hera, que tem “olhos de vaca” segundo Homero (famoso poeta grego). Em muitas histórias, os deuses, sobretudo Zeus e Posseidon, assumem formas de animais para consumir ou favorecer o amor que sentem por uma mortal. Isso tanto pode ser a expressão mitológica do acasalamento do animais sagrados quanto de um casamento em que o rei e a Rainha representam o par divino. As filhas de Dânao foram algumas das grandes pecadoras excepcionalmente punidas no Inferno por matarem os maridos. Outras histórias a seu respeito dão a entender que elas, originalmente, só estavam executando a magia da chuva com suas joeiras. Entre os gregos eram comum o casamento de primos. O culto do touro de Creta achava-se ligado ao culto de Zeus, que amava a sacerdotisa Io e a mudou em novilha; mais tarde, ele assumia a forma de um touro para raptar Europa, “de cara larga”, nome adequado a uma vaca. Cadmo também seguiu uma vaca quando procurava Europa, sua irmã - a mesma coisa descrita de duas maneiras mitológicas. Mas sua luta com a serpente, cujos dentes semeou, é uma proeza típica de uma noiva divina. Diz-se também que Cadmo introduziu a escrita na Grécia, o que pode ter alguma relação com sua suposta origem fenícia.