1-Como o Mundo Foi Feito

PRIMEIRO NASCEU o Caos, depois Gaia (a Terra, de peitos largos), depois o brumoso Tártaro, que fica debaixo da Terra, e Eros (o amor), o mais belo dos deuses, o único capaz de inspirar a criação. O Caos é o mundo primitivo, matéria que existe desde tempos imemoriais. Ele existiu antes dos deuses, e era o espaço que ainda apresentava apenas uma confusa massa, em que se confundiam os princípios de todos os seres. O Sol ainda não esparzia a sua luz pelo Universo, a Lua não estava sujeita a vicissitudes; a terra não se achava suspensa no meio do ar, em que se sustenta pelo próprio peso; o mar não tinha margens; a água e o ar mesclavam-se à terra que não tinha solidez; a água não era fluída, o ar não tinha luz, tudo era confusão. Nenhum corpo tinha a forma que devia ter e todos juntos se obstaculavam uns aos outros... Deus colocou cada corpo no lugar que devia ocupar, e estabeleceu as leis que formariam a união deles. O fogo, que é o mais leve dos elementos, ocupou a região mais elevada; o ar tomou, sob o fogo, o lugar que lhe convinha; e a terra, apesar do peso, encontrou seu equilíbrio e a água que a circunda viu-se posta no lugar mais baixo. Sendo capaz de fecundar, o Caos gerou primeiro a Noite, depois o Érebo, a treva debaixo da Terra, sendo a Noite a mais antiga das divindades. A Noite desposou seu irmão Érebo, de quem teve o Éter, o brilhante ar superior onde vivem os deuses, e o Dia. E sem unir-se a outra divindade, procria as três Parcas (o Destino), Tânato (a Morte), Hipno (o Sono), a Miséria, a Fraude, a Velhice e Éris (a Discórdia), além de outras. O Éter e o Dia foram o pai e mãe de Urano (o céu, estrelado). O Eros é o poder divino que possibilitou a procriação do Caos, da Noite e do Érebo. É ele quem inspira simpatia entre seres para se unirem. Seu adversário no mundo divino é Anteros, que é a antipatia, a aversão. A Terra, Titéia, Gaia ou a Vesta original, mãe universal de todos os seres, nasceu logo após o Caos. Deu à luz primeiro seu consorte Urano, o céu estrelado, para cobri-la, e da união de ambos nasceram os titãs e titanezas: o Oceano, a poderosa corrente que circunda o mundo, pai dos rios e origem de todas as coisas, casou com sua irmã Tétis, a deusa do mar, de quem mais tarde fora separada; o Céu, pai de Latona (Leto); Creusa; Hiperião, o Sol que sobe acima do céu; Jápeto ou Jafé, antepassado do gênero humano, ou seja, pai de Prometeu; Téia; Cibele, mãe dos deuses; Têmis, a Justiça; Mnesmósina, a Memória, mãe das Musas (a inspiração); Febe, deusa da Lua; Crono (o Tempo); Atlas, personificação das montanhas. A Terra também deu à luz, sozinha, as montanhas e as ninfas que nela habitam e Ponto, o mar não colhido. Urano odiava os filhos e não queria que nascessem, de modo que permaneciam escondidos na terra. Havia dezoito ao todo, doze dos quais eram deuses. Os ciclopes (o relâmpago) e os hecatonquiros (a tempestade), igualmente nascidos de Urano, surgem num instante, depois desaparecem, sem que se saiba para onde vão. É que o céu, quando lhe nascem filhos de tal espécie, os mergulha de novo no seio da Terra, mãe deles. No entanto, esta, irritada com tal procedimentos, instigou os titãs a rebelar-se contra o pai e fez uma foice de adamas cinzento, chamada harpe, criando o novo metal em si mesma, para que usassem para destronarem Urano. Mas só Crono teve coragem. Tomou a harpe e a colocou debaixo da cama. Chegada a noite, quando o enorme Urano voltou e se deitou sobre a Terra, Crono estendeu a mão esquerda, agarrou o pai, e, erguendo a direita, castrou-o com a harpe, como o homem ceifa o trigo na sua estação. Em seguida, desviando os olhos, lançou de si as partes, arremessando-as ao mar. O sangue que da chaga celeste tombou sobre a terra fez surgir as erínias; o que tombou sobre as espumas do mar (afros, em grego) deu nascimento a uma meiga deusa, Afrodite, personificação da Atração, que deu à praia de Citera e dali foi para Chipre, enquanto as flores floresciam debaixo dos seus pés. Quando o Tempo expulsou Urano, o pai, este lhe disse que seria, por sua vez, destronado e expulso pelos filhos. Em seguida, Crono libertou os irmãos e irmãs, tomou Cibele (mais tarde conhecida como Réia), a terra, como esposa e governou os titãs. Visto que o Tempo destrói tanto quanto produz, devorava os filhos desde que os via nascer. Foi assim que ele fez desaparecer sucessivamente Héstia, Deméter, Hera e Hades. Mas não foi só por isso que ele o fez. Também porque receava ser suplantado pelos filhos. Crono, após devorar os filhos, contempla-os no fundo das suas entranhas. Cibele chorava por ter dado à luz tantos filhos, sem nunca ter sido mãe; assim, imaginou um estratagema para o subtrair à voracidade do marido. Eis que nasce o quinto filho, Posseidon. Para salvá-lo do pai, Cibele ocultou seu filho Posseidon num curral para que fosse criado pelos pastores cujas ovelhas pastavam nas vizinhanças, e o curral passou a chamar-se Arnes, que significa ovelhas. Em seguida, deu Cibele a entender ao marido que o que nascera fora um potro, e entregou-lhe para que o devorasse. Estava para nascer Zeus. Cibele aconselhou-se com os pais, Urano e Gaia. Eles mandaram-na para Creta, pois a Terra receberia a criança recém-nascida numa caverna sagrada debaixo das florestas do monte Egeu. Quando Zeus nasceu, apresentou ela ao pai uma pedra embrulhada em panos, como se tratasse de um menino, e Crono, que tinha os olhos abaixados e o estômago excelente, o engoliu sem hesitar, e sem notar a substituição. Devorando aquela pedra, salvava o invencível filho que, já fora de perigo, não tardaria em domá-lo com a força das suas próprias mãos, despojando-o de todo o poder e passando a governar os imortais. A pedra que Crono devora significa apenas que o tempo a tudo destrói. Cibele fez o aconselhado por seus pais. Zeus foi criado pelas ninfas Adrastéia e Io. Seu berço pendia de uma árvore, de modo que Crono não podia encontrá-lo - nem no céu, nem na terra, nem no mar. Para que Crono não ouça os gritos do menino, os Jovens, os Curetes, dançando, batem nos seus escudos e capacetes. Aí está a origem da dança guerreira chamada pírrica. Enquanto assim se entontecia o velho Crono, as ninfas do monte Ida nutriam o menino com mel de abelhas e leite da cabra Amaltéia, a mais bela das cabras, honra dos rebanhos de Creta. Mas um dia quebrou ela um dos chifres contra uma árvore; uma ninfa, pegando o chifre partido, envolveu-o com ervas recém-recolhidas, e apresentou-o carregado de frutos aos lábios de Zeus. Quando se tornou senhor dos céus e, sentado ao trono do pai, nada viu no universo que superasse seu invencível poder, Zeus colocou entre as constelações a cabra que o nutrira; o chifre de Amaltéia tornou-se o da abundância, e a sua pele passou a ser a égide (escudo) de Zeus.


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