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A Terra, querendo vingar os titãs, seus primeiros filhos, uniu-se ao Tártaro, e deu ao mundo o espantoso Tifão, o tremor de terra personificado. As vigorosas mãos desse gigante trabalhavam sem descanso, e seus pés eram infatigáveis; sobre os ombros, erguiam-se as cem cabeças de um medonho dragão, e de cada uma se projetava uma língua negra; dos olhos das monstruosas cabeças jorrava uma chama brilhante; espantosas de ver, proferiam mil sons inexplicáveis e, por vezes, tão agudos que os próprios deuses não conseguiam ouvi-lo; ora o poderoso mugido de um touro selvagem, ora o rugido de uma leão feroz. muitas vezes o latir de um cão ou os clamores penetrantes que ressoavam as altas montanhas. Tifão habitava uma caverna por ele enchida por vapores envenenados; a cabeça atingia-lhe os astros, as mãos tocavam-lhe o oriente e o poente. Vociferando sem cessar, Tifão lançava contra o céu rochedos ardentes, e das enormes bocas jorravam torrentes de fogo. Quando o monstruoso gigante começou a escalar o Olimpo, os deuses, horrorizados, assumiram a forma de toda espécie de animais e fugiram para o Egito. Segundo os gregos, isso explica a forma dos deuses egípcios. Zeus quis o combate e a luta se travou no monte Cássio, na Síria. Enquanto o rei do céu se manteve longe do monstro, lançou-lhe redobrados raios, mas Tifão conseguiu atingi-lo e, derrubando-o, com uma harpe cortou-lhe os músculos dos pés e das mãos, e fazendo com eles um pacote, guardou-os numa pele de urso. Pegou, em seguida, o deus amputado, e levou-o, com a pele de urso em que se achavam os músculos, até o antro córciro, na Sicília; depois, confiou a vigilância do deus ao seu filho dragão Delfim, assim como o raio de que alcançava apoderar-se. À voz do monstro, todos os dragões acorreram, para guerrear o senhor dos deuses, e a claridade do dia ficou obscurecida pela espessa sombra formada pela sua horrível cabeleira. Zeus, querendo reobter seu raio e seus músculos, propôs a Cadmo que construísse uma cabana à qual ele atrairia Tifão com os melodiosos sons da flauta. Disse-lhe ele: “Canta, Cadmo, tornarás a dar ao céu a primitiva serenidade. Tifão arrebatou-me o raio; só me resta o escudo; mas que pode valer-me contra as poderosas chamas dos raios? Sê pastor por um dia e sirva a tua flauta para devolver o império ao eterno pastor do mundo. Os teus serviços não ficarão sem prêmio; serás o reparador do Universo e a bela Harmonia, filha de Ares e Afrodite, será tua esposa.” Cadmo disfarçou-se de pastor e, apoiado despreocupadamente a um carvalho, faz ecoar pelas florestas os sons da flauta. Tifão cede ao encanto, aproxima-se do lugar de onde provém os sedutores sons, mas Cadmo finge-se assustado com o raio, e Tifão, para tranqüilizá-lo, deixa a arma numa caverna. Zeus faz descer uma nuvem, a fim de não ser visto, e reapodera-se do raio e dos músculos, enquanto Tifão ouve os harmoniosos sons de Cadmo, que aqui desempenha o papel atribuído por outros mitólogos a Hermes. Mal Zeus se viu novamente senhor do raio e dos músculos, começou o combate, com redobrado vigor, e Tifão, obrigado por sua vez a fugir, recuou até o monte Nisa. Esfomeado, encontrou as Parcas, que o enganaram dando-lhe de comer frutos que lhe diminuíram as forças. Tifão, sempre fugindo, alcançou o monte Hemos, na Trácia, que tirou o nome do sangue que foi coberto. Ali, tentou o monstro continuar a luta, mas viu-se impelido a fugir para a Sicília e para a Itália. Finalmente, Zeus, reunindo todas as suas forças e armado dos raios e do trovão, pulverizou as enormes cabeças do horrível monstro que, vencido pelos redobrados golpes, tombou mutilado, enquanto estendia pela terra o fragor da sua queda.