Filosofia
Frederico Diehl ( 1º DI )
Pedindo licença ao Aloísio pela invasão de seu
espaço habitual no jornal, e aproveitando a menção ao tema no
trabalho de lógica, escrevi este pequeno texto sobre os
sofistas. Espero que aproveitem, e qualquer erro encontrado peço
que direcionem à direção do jornal (Fernanda Emy) para ser
corrigido.
Os sofistas
Os sofistas eram os professores de sabedoria da Grécia
antiga. Apesar de o senso comum qualificá-los como aberrações,
vigaristas oportunos que ensinavam a jovens aspirantes a
políticos como vencer uma discussão sem um mínimo de razão ou
conhecimento prévio do assunto, a arte sofística constituiu
verdadeira ciência, ensejando estudos profundos que até hoje
são perfeitamente aplicáveis. Os sofistas mais famosos,
Protágoras de Abdera e Górgias de não-sei-onde, eram de uma
perspicácia e mesmo inteligência fora do comum. Em Protágoras,
vislumbra-se inclusive uma profundidade no pensar que foge a
muitos dos ditos filósofos atuais. Os sofistas, de modo geral,
eram estrangeiros, usualmente adivindos da Magna Grécia ou da
Macedônia que, tidos como sábios, ganhavam verdadeiras fortunas
para ensinar aos filhos da aristocracia atenienses as artes do
discurso político. Na Defesa de Sócrates, dos mais belos
diálogos platônicos, é mencionado um sofista que ganha enorme
quantia para ensinar ao filho de um nobre a melhor maneira de
enveredar pelos caminhos que conduziam ao poder público. Há de
se mencionar também que as informações que possuímos sobre os
sofistas vêm praticamente todas de seus oponentes,
principalmente nos diálogos platônicos e nas obras de
Xenofonte (Ditos e feitos memoráveis de Sócrates e Apologia de
Sócrates ). Mesmo As nuvens, do poeta cômico Aristófanes,
ilustra com escárnio a figura do Sócrates pré-platônico,
visto como um sofista, e, como tal, zombado para divertimento da
platéia.
Do ponto de vista da importância histórica para a
filosofia, os sofistas tiveram relevante função. Até então, a
filosofia baseava-se no estudo da arkhé da phisis, ou seja, no
princípio gerador e mantenedor da ordem cósmica e natural. Os
filósofos arcaicos eram naturalistas, voltavam seu estudo e
elucubrações para fora da esfera humana, restringiam sua
análise a fenômenos naturais, procurando identificar um
princípio universal da existência. Foi desse modo que Tales de
Mileto, o primeiro dos filósofos, viu em tudo o princípio da
água. Anaximandro, também de Mileto, vislumbrou um espírito,
em grego Nous, formador de todo o Universo. Parmênides de Eléia
pensou numa mistura, em diferentes proporções, de água, terra,
fogo e ar para explicar a formação da matéria (visão que
perdurou por milênios sob intermédio de Aristóteles). Leucipo
e seu seguidor Demócrito de Abdera entenderam a matéria como um
agregado de átomos, partículas indivisíveis formadora dos
corpos físicos. Enfim, cada pensador procurava ver o mundo
exterior a partir do encontro de determinado elemento comum a
toda a realidade.
Foi aí que os sofistas realizaram o giro fundamental da
filosofia, que domina a matéria até hoje. Passaram da visão
exógena, do estudo do exterior ao homem, à visão endógena,
estudo do próprio homem feito por ele mesmo. O homem deixa de
ser apenas sujeito de conhecimento para ser também objeto (claro
que sem o radicalismo idealista kantiano). O estudo volta-se para
o próprio homem, para suas organizações sociais e, sobretudo,
para sua psiché, sua alma. Estudo que será retomado por
Sócrates (e conseqüentemente pelos pós-socráticos), e
permeará todo o conhecimento humano desde então. Aí reside a
importância dos sofistas para a filosofia.
A técnica sofística foi estudada incansavelmente desde
essa época. Nos diálogos de Platão, sua argumentação já é
esmiuçada e repelida. Aristóteles dedica até uma ciência, a
Dialética Erística, para o estudo dos argumentos
falaciosos. Mesmo a criação da Lógica, em oposição à
Dialética como fonte de certeza no saber, ocorre para evitar
cair na sedição sofística e garantir a pureza do pensamento.
Posteriormente, Arthur Schopenhauer retoma os estudos
erísticos para desmascarar as falácias de seu oponente G.
W. F. von Hegel . Os estudos mais modernos da filosofia
voltaram-se mais uma vez para a função da linguagem, recaindo
os temas jurídicos sobre as teorias da argumentação
(observando-se, por exemplo, os livro de autoria de Chain
Perelman).
Parece-me claro que não mudou muito a argumentação atual
da usada nos embates políticos da Grécia antiga. A
essência humana não mudou muito , e parece que suas
implicações no discurso humano também não. Lendo os diálogos
de Platão, é muito fácil perceber o quão parecido é o
embate de consciência antigo em relação ao atual. A
argumentação utilizada na Defesa de Sócrates, por exemplo, é
perfeitamente cabível num tribunal atual. Aliás, as palavras de
Sócrates são muito provavelmente superiores a quaisquer
utilizadas em qualquer tribunal brasileiro desde sempre, em
contraste com o tom oportunista dos ataques, que também não se
modificaram muito através dos tempos. De tal modo, lendo os
antigos diretamente em suas fontes, não noto muita diferença na
sofística dos gregos comparada à atual.