Érico Veríssimo

O contador de histórias


Biografia

Érico VeríssimoO escritor modernista da segunda fase Érico Veríssimo (1905-1975) era de uma família arruinada financeiramente e exerceu várias profissões na juventude. Farmacêutico, sua farmácia faliu porque: a) se desentendia com os fregueses, b) recusava-se a vender certos remédios, c) passava o tempo todo lendo Ibsen e escrevendo no papel de embrulho da farmácia e principalmente porque d) havia uma garota de olhos azuis que morava na frente da farmácia, Mafalda, com quem se casaria e teria seus dois filhos. Deixou o interior do RS após a separação dos pais e foi para POA, onde foi jornalista e secretário de revista.

Trabalhando na Livraria do Globo, tornou-se grande amigo de Henrique Bertaso, filho do dono, de quem escreveu uma biografia. Veríssimo traduzia e trabalhava durante a semana e escrevia durante os fins de semana. Até a publicação de Olhai os Lírios do Campo, Veríssimo não tinha popularidade. Fortemente antifascista, assinou um manifesto em 1935 contra o fascismo e isso lhe rendeu algumas (falsas) acusações de comunista. Sentindo-se sufocado pelo Estado Novo, aceitou em 1943 um cargo como professor universitário nos EUA (e ele nem sequer completara oficialmente o segundo grau) e foi ensinar na Universidade de Berkley, na Califórnia. Viajou muito, especialmente quando nos anos 50 teve um cargo na União Pan-Americana. Teve vários enfartes e um lhe foi o fatal em 1975. Não chegou a completar o segundo volume de sua autobiografia, Solo de Clarineta, que seria uma trilogia.

Entre suas obras mais famosas estão Clarissa, Música ao longe, Caminhos Cruzados, Um lugar ao Sol, Olhai os Lírios do Campo, Saga e O resto é silêncio (primeira fase, romances urbanos); O Tempo e O Vento (a mais famosa), dividido em três partes: O Continente, O Retrato e O Arquipélago (segunda fase, romances históricos); O Senhor embaixador, O prisioneiro e Incidente em Antares (terceira fase, romances políticos). Escreveu também Noite (a ovelha negra de sua bibliografia, como ele chamava) e outras coisas: livros infantis, roteiros de viagem, biografias, uma autobiografia (a excelente Solo de Clarineta) e um livro sobre a Literatura Brasileira.

Algumas curiosidades:

  1. O ambiente que Érico Veríssimo usava para escrever era esse: uma sala escura e praticamente vazia, onde havia apenas uma velha máquina de escrever numa escrivaninha quase vazia, um cabide para pendurar chapéu, bengala e guarda-chuva e uma escarradeira.
  2. O título original de O Tempo e O Vento seria Encruzilhada. Sofrendo de bloqueio de escritor após O Retrato, Érico Veríssimo aceitou um emprego nos EUA para, entre outros motivos, não precisar escrever O Arquipélago.
  3. Algumas das obras de Veríssimo são reedições: Ana Terra e Um Certo Capitão Rodrigo são extratos de O Continente, enquanto A ponte é um extrato do livro de contos O Ataque.
  4. Os nomes usados por Érico Veríssimo em seus primeiros romances não são originais. Tanto os sobrenomes "Terra" quanto "Cambará" já haviam sido usados em romances da primeira fase.
  5. Veríssimo testava seus livros infantis da melhor maneira possível: contava as histórias aos filhos de Henrique Bertaso e, se eles gostavam, então era porque a história era boa. E a história era publicado pelo próprio Bertaso, que era seu editor.
  6. Quando Veríssimo morreu, Carlos Drummond de Andrade lhe escreveu um poema elegíaco, disponível na biografia deste autor.
  7. Muito da biografia de Veríssimo se confunde com sua obra: seu tio Nestor e seu pai Sebastião inspiraram Toríbio e Rodrigo Terra Cambará de O Tempo e O Vento, e alguns episódios de sua vida encontram-se nas vidas de Vasco, Eugênio e Floriano, esse último uma alma gêmea filosófica do autor.
  8. Veríssimo era apaixonadíssimo por Portugal.
  9. A sua obra que menos gosta é Saga. Ele considerava que um homem como Vasco Bruno jamais faria o que fez no final da história.
  10. Tibicuera, herói de um de seus livros infantis, é o apelido pelo qual sua mãe o chamava.


Citações de O Tempo e O Vento

As passagens a seguir são das diversas partes da sua grande obra prima, O Tempo e O Vento: O Continente, O Retrato e O Arquipélago. Cada uma mostra bem um personagem ou uma situação, já que usar as citações para mostrar a história, longa e complexa, é praticamente impossível.

"Três meses, depois quando o exército dos Sete Povos já havia sido completamente desbaratado numa batalha campal, e os habitantes do povo de Alonzo, desesperados, prendiam fogo à catedral e às casas, para que elas não caíssem inatas nas mãos do inimigo vitorioso que se aproximava - Pedro montou num cavalo baio e, levando consigo apenas a roupa do corpo, a chirimia e o punhal de prata, fugiu a todo galope na direção do grande rio..." O Continente - Pedro Missioneiro

"Ana estava inquieta. No fundo ela bem sabia o que era, mas envergonhava-se de seus sentimentos. Queria pensar noutra coisa, mas não conseguia. [...] Pensou em ir tomar banho no poço. Não: banho depois da comida faz mal, e mesmo ela não agüentaria a caminhada até a sanga, sob o fogo do sol. A sanga era para Ana uma espécie de território proibido: significava perigo. A sanga era Pedro. Para chegar até a água teria de passar pela barraca do índio, correria o risco de ser vista por ele. " O Continente - Ana Terra

"E quanto mais o tempo passava, mais Rodrigo compreendia ser-lhe impossível viver sem Bibiana. O que a princípio fora desejo carnal, agora era também um pouco ternura: era amor. E o Capitão Cambará inquietava-se por isso. " O Continente - Capitão Rodrigo

"Vosmecê descobriu que todas aquelas coisas horríveis, gente sofrendo e morrendo nas ruas, tudo aquilo para sua mulher era mesmo que uma festa, não foi? " O Continente - Luzia

"Aos quinze anos Licurgo Cambará já era homem. Usava faca na cava do colete, fazia a barba e já tinha conhecido mulher. Estudava História e Linguagem [...] Aritmética e Geografia [...] e Ciências com o Doutor Winter. O resto - que para ele era o principal - aprendia com a própria vida com a peonada do Angico e principalmente com o velho Fandango, o capataz." O Continente - Licurgo Cambará

"Seria inútil tentar explicar a avó que ele gostava da prima Alice o suficiente para fazê-la feliz; que a achava bonitinha, prendada, e que tinha certeza que ela ia ser ótima dona-de-casa, boa esposa e boa mãe - mas que todas essas coisas nada tinham a ver com o que ele sentia pela Ismália. A chinoca não pedia nada, não esperava coisa alguma. Gostava dele quase assim como uma cadelinha gosta do dono. " O Continente - Alice e Ismália

" Tu não sabes de nada homem. Mas todo artista tem uma obra em que ele bota tudo que possui, sua experiência do mundo, seus sonhos, sua alma, seu gênio. E depois se queda vazio. Foi o que ocorreu comigo. Pintei o Retrato não apenas com tinta, mas com sangue e não só usei pincéis, mas também meus nervos. Pintei com paixão. [...] O Retrato é profético, é mágico, porque dentro dele está tudo: Don Rodrigo aos vinte e quatro anos, seu passado e também o futuro com todas as suas vitórias e derrotas... " O Retrato - Pepe sobre O Retrato

" O fim do mundo? Não. Para ele era o princípio do mundo. Estava formado, era moço, tinha pai rico, amava sua casa, sua gente, sua terra; adorava a vida. Com a cabeça para fora do vagão e achando um sabor ríspido e quase heróico em receber na cara o bafo do forno da soalheira e a poeira da estrada, Rodrigo ficou a pensar nas grandes coisas que ia fazer. Não se conformaria em ser um simples médico da roça, desses que enriquecem na clínica e acabam criando uma barriguinha imbecil. Não estava decidido a não abandonar a Europa. Reformaria o Sobrado, alegraria aquelas paredes austera [...] Queria, em suma, dar o melhor aspecto e trazer mais conforto àquela casa que ele tanto amava e da qual não pretendia jamais separar-se. " O Retrato - O jovem Rodrigo Cambará

"Compreendendo que algo de terrível se passava na casa dos Weber, precipitou-se para lá a correr, com um pressentimento medonho. Entrou na meia-água, foi direto ao quarto de Toni e encontrou-a tombada no chão, os olhos exorbitados e vítreos, o rosto lívido contorcido numa expressão de dor violenta, os lábios queimados pelo veneno que tomara.

Estava morta." O Retrato - O fim de Toni Weber

"Aquela insperada reunião de família, precipitada pela queda de Getúlio Vargas, só servia para provar o de que havia muito ele, Floriano, desconfiava: o Rio em quinze anos havia desintegrado o clã dos Cambarás e tudo indicava que Santa Fé não conseguiria uni-lo outra vez." O Retrato - O família Cambará de 1945

"Quando por fim a calma voltou ao plenário, Rodrigo analisou a máquina eleitoral governista, e declarou que ela precisava ser desmantelada, destruída, a fim que voltasse a reinar no Rio Grande a moral democrática e as eleições pudessem ser na realidade a expressão da vontade popular." O Arquipélago - Dr. Rodrigo discursa na assembléia

"O projétil devia estar alojado no pulmão... Segurou o pai nos braços, ergueu-o e ficou a olhar atarantado dum lado para o outro, sem saber para onde ir. O sangue continuava a manar da boca do ferido, cujo lenço branco aos poucos se tingia de vermelho. Rodrigo sentiu faltarem-lhe as forças. Suas pernas se vergavam. Tornou a pousar o corpo no chão e, indiferente às balas que cruzavam por ele, sibilando, rompeu a correr na direção da carroça, onde esperava encontrar pelo menos algodão e gaze.

Quando voltou, minutos depois, Licurgo Cambará estava morto." O Arquipélago - Morre Licurgo Cambará

"BIO LIBERADO PT EMBARCAREMOS
IMDIATAMENTE PT CARINHOS
RODRIGO" O Arquipélago - Rodrigo informa a libertação do irmão

"E quando, perorando, declarou que os descendentes de Bento Gonçalves muito em breve haveriam de amarrar seus pingos no obelisco da avenida, na capita federal - um urro de entusiasmo guerreiro se elevou na multidão e foi repetido pelo eco atrás da matriz." O Arquipélago - Santa Fé prepara-se a Revolução de 1930

"Um piazinho de merda..." O Arquipélago - As últimas palavras de Toríbio Cambará

"Maria Valéria deu alguns passos em direção da cama e ergueu a vela. Foi então que Floriano viu, horrorizado, que os olhos do enfermo estavam abertos e vidrados. Uma náusea contraiu-lhe o estômago, fazendo-se vergar. Segurou o pai pelos ombros e sacudiu-o, gritando como um menino: "Papai! Papai!" Rodrigo continuava imóvel. O filho inclinou-se sobre ele e auscultou-lhe o coração. Não batia mais." O Arquipélago - Morre Rodrigo Terra Cambará


Citações das outras obras

"Amaro fecha o livro e olha o jardim. Por que será que lhe vem à memória a imagem de Clarissa? Clarissa é parte integrante deste jardim florido e luminoso, Clarissa é como a relva veludosa, como as glicínias, como as margaridas, como as rosas. Clarissa é qualquer coisa de agreste e puro. Clarissa é música e é poesia, menina e moça - olhos abertos para o mistério da vida, alma que amanhece." Clarissa

" Clarissa vai como num sonho... Que irá acontecer agora? Tudo mudou: ela já não é mais a menina de antes. Em casa terá um quarto separado, como a moça que é. Os rapazes conhecidos da vila, os rapazes que no ano passado passavam por ela sem lhe dar atenção, agora vão ficar abismados quando avirem chegar assim, de sapatos de salto alto, crescida, quase mulher... Primo Vasco vai ficar admirado." Clarissa

"Eugênio teve ímpeto de se lançar aos pés dela e desabafar o seu arrependimento. Tinha-se portado como um canalha, era um traidor, ia casar-se por interesse, por dinheiro, ia vender-se, abandonando a única criatura que realmente se interessava por ele." Olhai os Lírios do Campo

"É curioso coo penso nestas coisas. Antigamente só pensava em mim. Vivia como cego. Foi Olívia quem me fez enxergar claro. Ela me fez ver que a felicidade não é o sucesso, o conforto. Uma simples frase me deixou pensando: "Considerai os lírios do campo. Eles não fiam e não tecem e no entanto nem Salomão em toda sua glória se vestiu como um deles."" Olhai os Lírios do Campo

"A vida é um grande jogo e o destino, um parceiro temível que só aceita grandes paradas. Está bem. Ponho na mesa todos os meus sonhos. Não basta? Jogo então a vida. Do outro lado daquelas montanhas ficam então a Espanha e a guerra. Caminho ao encontro de novas sensações. Ou da morte. Que importa? A morte também é uma aventura, a definitiva, a irremediável. Mas o essencial é que aconteça alguma coisa." Saga

"A vida, a mais estúpida de todas as sagas. Mas fascinante, apesar de tudo." Saga

"O meu amigo mais íntimo é o sujeito que vejo todas as manhãs no espelho do quarto de banho, à hora onírica em que passo pelo rosto o aparelho de barbear." Solo de Clarineta I

"Sei que não sou, nunca fui um writer's writer, um escritor para escritores. Não sou um inovador, não trouxe nenhuma contribuição para a arte do romance. Tenho dito, escrito repetidamente que me considero, antes de mais nada, um contador de histórias." Solo de Clarineta II


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