Em geral se
imagina que a mitologia greco-romana nos mostre a maneira como a
raça humana pensava e sentia em épocas passadas que já se
perdem no tempo. Segundo essa concepção, através dessa
mitologia podemos reconstruir o caminho que vai do homem
civilizado, que vive tão distante da natureza, até o homem que
vivia em estreito contato com a mesma; e o verdadeiro interesse
dos mitos está no fato de nos fazerem remontar a uma época em
que o mundo era jovem e as pessoas tinham uma forte ligação com
a terra, as árvores, as flores, as montanhas e os mares, tudo
muito diferente daquilo que nós próprios somos capazes de
sentir. Somos dados a supor que, quando as histórias estavam
sendo criadas, quase não se fazia distinção entre o real e o
irreal. A imaginação estava poderosamente viva e não se via
confrontada pela razão, de tal modo que, nas florestas, qualquer
pessoa podia ver por entre as árvores uma Ninfa em fuga, ou, ao
curvar-se para beber de uma fonte límpida, perceber nas suas
profundezas o rosto de uma Náiade.
A possibilidade de remontar a esse delicioso estado de coisas nos
é oferecida por quase todos os escritores que se debruçavam
sobre a mitologia clássica, e, em especial, pelos poetas.
Naquele tempo infinitamente remoto, o homem primitivo podia
"Ver
Proteu erguendo-se dos mares, ou ouvir o som
da trombeta envolta em grinaldas do velho Tritão."
E, por um
instante, através dos mitos que esse mesmo homem criou, podemos
ter um vislumbre desse mundo estranha e maravilhosamente animado.
Contudo, um breve exame das práticas dos povos não-civilizados
de todos os lugares e de todas as épocas já é suficiente para
que essa imagem romântica se desfaça por inteiro. Nada é mais
claro do que o fato de o homem primitivo, seja na Nova Guiné de
nossos dias ou em um passado remotíssimo, não ser ou nunca ter
sido uma criatura habituada a povoar seu mundo com belas
fantasias e adoráveis visões. Em vez de Ninfas e Náiades, o
que estava à espreita nas florestas primitivas era o horror. Ali
vivia o Terror, ao lado de sua íntima serviçal, a Magia, e de
sua defesa mais comum, o Sacrifício Humano. A esperança de que
a humanidade tinha de fugir à ira de quaisquer divindades estava
sempre em algum ritual mágico, absurdo mas poderoso, ou em
alguma oferenda que se fazia ao preço de muita dor e muito
sofrimento.
*texto extraído do livro "Mitologia", de Edith Hamilton.