O que define os elementos que compõem o conjunto simbólico a que se chama de estilo de vida é, basicamente sua distância (dos elementos) em relação às necessidades básicas dos indivíduos ou grupos (Bourdieu, 1983).
"Necessidades básicas"
são aquelas que determinam minimamente a sobrevivência dos
homens: comida, abrigo etc. No entanto, se comer é uma necessidade,
o modo como se come, a escolha que se faz entre os diferentes tipos
de comida ou, ainda, o uso de talheres e a opção que se faz
entre diferentes tipos e materiais destes é indicadora de valores
que constituem estratégias de distinção no meio social.
Portanto, o uso de talheres de plástico, prata, ouro, madeira
inoxidáveis etc. pode revelar anseios, práticas, adesão
a valores e estratégias de distinção numa dada sociedade.
Do mesmo modo, se é preciso tomar banho, a escolha entre o sabonete
das estrelas de cinema ou o "Abre-Caminhos do Amor" é significativa.
Neste sentido, os elementos que preenchem os critérios de livre
escolha, como os estéticos, artísticos, religiosos
e outros, passam a ser significativos para a definição do
estilo de vida de um dado grupo.
Para Pierre Bourdieu, "às diferentes posições que os grupos ocupam no espaço social correspondem estilos de vida, sistemas de diferenciação que são a retradução simbólica de diferenças objetivamente inscritas nas condições de existência" (Bourdieu, 1983: 82).
A praxis e
a propriedade de bens (materiais e simbólicos) constituem uma expressão
reiterada das condições de existência (aquilo a que
se chama de estilo de vida) porque são a própria expressão
do mesmo "fator prático operante" (a que Bourdieu chamou de "habitus")
e que é um sistema de "disposições duráveis"
(um "gosto") mas "flexíveis" que expressa, sob a forma de "preferências
recorrentes" (sistemáticas), as necessidades objetivas das quais
ele é resultado:
O gosto, a aptidão
e a tendência à apropriação de uma certa categoria
de bens ou "práticas classificadas e classificadoras é a
fórmula generativa que está no princípio do estilo
de vida". Ou seja, estilo de vida é um conjunto unitário
(elemento único: o gosto) de preferências diferenciadoras
que expressam, na lógica específica de cada um dos micro-espaços
simbólicos (vestimentas, linguagem, postura, consumos outros etc.)
a mesma intenção de expressão, "princípio da
unidade de estilo" que se entrega diretamente à intuição
e que a análise destrói ao recortá-lo em universos
separados:
Essas peculiaridades parecem ser fatores de agrupamento e ao mesmo tempo instrumentos organizacionais no desenvolvimento de limites, formas de comunicação e outros mecanismos necessários à organização de um grupo.
Também Michel
Maffesoli chama a atenção para a estreita conexão
existente entre a Cultura e aquela "cultura" vivida no cotidiano e que
constitui o que ele chama de "cimento essencial" de toda a vida societal.
Essa cultura, diz Maffesoli:
O gosto e a sensibilidade, fazendo parte do universo de subjetividades que constitui esta "conquista do presente", podem ser entendidos como elementos constitutivos deste "cimento" que aglutina os indivíduos em grupos, especialmente na cidade.
A análise das subjetividades, gostos, sensibilidades e valores em si não dá conta, entretanto, de que tais valores são moldados por condições concretas de vida que os geram e que por eles são definidas num estilo. Um exemplo: o gosto pela música clássica ou pela sertaneja é condicionado pelo acesso que indivíduos ou grupos tenham a elas e a análise da música em si ou do que se sente em relação a ela não dará conta de todo o seu significado se não for feita também em referência a outros gostos e preferências em relação aos quais se distingue. Portanto, as categorias da sensibilidade e do "espírito" deverão ser acrescidas, para uma análise mais completa, à definição de Bourdieu para quem, como vimos, o estilo de vida é o elemento fundamental dentro da ordem simbólica, na definição dos grupos de status. Se as classes sociais, dentro do esquema weberiano, se definem fundamentalmente em função das diferentes "situações de mercado", os grupos de status dependem do consumo de bens (materiais e simbólicos), expresso simbolicamente por um estilo de vida. Portanto, a posse de bens se traduz em consumo simbólico, em signos ou diferenças significantes.
Por outro lado, sendo
os signos num sistema de signos uma função da relação
com outros signos, ou seja, sendo seu valor dado pela posição
que ocupam no sistema, o estilo de vida significa também relações
de associação ou dissociação no sistema de
estratificação. Logo, as formas ou estilos de consumo - por
exemplo, das artes ou bens materiais - contribuem fundamentalmente para
o conhecimento do significado atribuído pelos grupos às suas
ações e da própria imagem social do grupo (Bourdieu,
1979).